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Análise sobre Dilma já foi feita por outros bancos e é comum, diz mercado

Sílvio Guedes Crespo*

Do UOL, em São Paulo

31/07/2014 06h00

Análises como a que o banco Santander enviou a parte dos seus clientes, avaliando a influência das eleições sobre o retorno do investimento, fazem parte do dia a dia do mercado financeiro, revelam profissionais da área.

O banco afirmou no extrato enviado neste mês aos clientes da categoria Select (com renda acima de R$ 10 mil por mês) que, se a presidente Dilma Rousseff voltar a subir nas pesquisas, "um cenário de reversão  pode surgir", “o câmbio voltaria a se desvalorizar [...] e o índice da Bovespa cairia”.

Após a divulgação da notícia, o Santander virou alvo de petistas. O presidente do PT, Rui Falcão, disse que a atitude é "terrorismo eleitoral", e o prefeito de Osasco, Jorge Lapas, anunciou que romperá o convênio com o banco para recolhimento de impostos municipais.

A instituição financeira publicou em seu site, na sexta-feira (25), um pedido de desculpas, disse que essa não era a opinião da instituição e demitiu o funcionário responsável pelo comentário. Também mandou nesta semana carta aos correntistas, novamente se desculpando e afirmando que as análises econômicas do banco são feitas "sem qualquer viés político ou partidário".

Agora, analistas estão receosos de falar contra o governo e pedem até para não serem publicadas declarações já concedidas a repórteres. Advogados divergem sobre se há crime eleitoral num relatório como o do Santander.

O UOL ouviu profissionais do ramo, e foi unânime a ideia de que esse tipo de análise é corriqueira em época de eleições. Alguns frisaram, no entanto, que normalmente os analistas são mais cuidadosos com as palavras.

O blog Achados Econômicos, recentemente, publicou a seguinte recomendação do analista-chefe da corretora Gradual Investimentos, Flávio Conde: “Quem acha que a Dilma vai perder, pode comprar Petrobras. Se a pessoa não sabe, sugiro que compre só metade do que gostaria de comprar. Mas se ela tem certeza de que a Dilma vai ser reeleita, não deve comprar”.

Na imprensa, os exemplos de declarações de analistas sobre o assunto são inúmeros. Ao "Valor Econômico", o banco Opportunity disse que, em caso de vitória da oposição, o valor de mercado das empresas listadas na Bolsa tende a subir.

A XP Gestão afirmou que a ação da Petrobras pode chegar a R$ 30 em caso de vitória de Aécio Neves e a R$ 12 se a presidente for reeleita. O banco UBS afirmou que os prêmios de risco devem cair se Dilma perder.

A gestora de investimentos BlackRock declarou que as ações da Petrobras têm chance de subir caso um opositor vença.

Veja a opinião de analistas e consultores ouvidos pelo UOL sobre o relatório do Santander.

Clodoir Vieira, da corretora Souza Barros: “Isso acontece em todas as eleições [circularem análises sobre os riscos embutidos em cada candidato]. Só que esses relatórios circulam mais entre analistas e grandes investidores, e são mais cuidadosos. Eles traçam o cenário avaliando o programa e o perfil de cada candidato. Já o Santander praticamente falou: ‘Nós não queremos a Dilma’”.

Frederico Turolla, da Pezco Microanalysis: “Esse tipo de análise é muito comum. É fundamental traçar cenários sobre os resultados dos processos eleitorais. Não há nada de anormal ou ofensivo nisso. [A reação do governo] foi uma tentativa de ‘enquadrar’ os analistas, não somente dessa instituição, mas de todo o mercado. Minha opinião é de que a capacidade de análise dessa instituição ficou prejudicada pelas diretrizes que ficaram implícitas no comunicado público”.

Claudia Kodja, gestora da Kodja Investimentos: “Esses relatórios são feitos normalmente. O mercado todo e outros gestores estão falando a mesma coisa, mas a forma como o Santander colocou foi amadora. Deveriam ter sido colocadas as várias tendências, mostrando que, pelo retrospecto, o mercado tem se mostrado pouco amigável com Dilma, mas sem induzir a uma só possibilidade. De qualquer modo, o governo Dilma tem um viés intervencionista em qualquer coisa contra seus interesses. E intervém de uma forma antipática.”

Samy Dana, colunista da Folha: “É exagerada essa reação contra o relatório do Santander. O analista fez apenas o trabalho dele: analisou. É como se um médico não pudesse alertar seus pacientes sobre os riscos de tomar refrigerante porque a Coca-Cola vai ficar chateada. O banco pode ter ficado com medo, há muito dinheiro envolvido, mas, ao pedir desculpas, queima o filme com os clientes. Se eu fosse cliente, não acreditaria mais nas análises.”

Luiz Antonio Pinto, consultor. “Fui operador no mercado por mais de 35 anos e sempre li relatórios desse tipo. O pedido de desculpas do Santander foi uma coisa horrível. O banco, quando faz uma análise, está se alinhando com o interesse do cliente. Se ele pediu desculpa por causa de uma reclamação do governo, ele está dizendo: lixem-se os meu clientes, porque eu estou com o governo”.

Economista-chefe de uma corretora (solicitou anonimato): “A reação foi muito exagerada de parte a parte. O que foi dito pelo Santander não é exatamente nada fora de lugar. Esse evento deixa claro o nível de nervosismo hoje, todo mundo à flor da pele. Uma coisa absolutamente banal pode gerar uma repercussão muito grande”.

Consultor (solicitou anonimato): “O comentário não tem nada demais. Eu leio isso em diversas fontes. O problema foi terem enviado no extrato. Uma coisa é você falar isso para um cliente, para um jornalista, para alguém que faz uma pergunta. Outra coisa é mandar uma carta para os clientes”.

* (Colaborou Armando Pereira Filho, do UOL, em São Paulo)