Dívida, pandemia e até incêndio: como eles tiraram as empresas de uma crise
Empresas podem passar por percalços ao longo de sua trajetória, deflagrando uma crise financeira nos negócios em algum momento. O UOL separou três casos de empresas que, por algum motivo, entraram em crise, mas, após mudanças implementadas, conseguiram dar a volta por cima e hoje estão com seus negócios mais estruturados.
Gympass cria comitês de crise e de ataque na pandemia
O Gympass é uma plataforma de bem-estar corporativo. Foi criada em 2012, em São Paulo, por Cesar Carvalho, Felipe Abdo e João Barbosa. O investimento captado foi de US$ 2,5 milhões, feito por um grupo de investidores-anjo. Em 2014, a empresa deixou de ser um passe de academias para clientes pessoa física e passou a focar exclusivamente no modelo B2B.
Em 2020, o Gympass teve que redirecionar o negócio, junto com todas as pontas do ecossistema, para um novo modelo digital e sustentável. Afinal, a pandemia teve um impacto significativo no segmento de bem-estar e fitness, devido ao isolamento social e às restrições impostas às academias. As empresas tiveram de buscar novas formas de apoiar a saúde física e mental dos funcionários que passaram a trabalhar em casa.
Diante do cenário, o Gympass criou dois comitês de crise. Um considerado de "ataque" (para encontrar novas soluções) e o outro de "defesa" (para reduzir custos). Uma das ações de ataque foi usar a tecnologia como aliada. A empresa lançou uma solução 100% digital, passando a oferecer opções de serviço em todas as categorias de bem-estar, como treinos virtuais e aplicativos de bem-estar.
Essa mudança pode ser auferida em números. Em 2023, houve um aumento de 74% nos check-ins na categoria bem-estar emocional, que inclui terapia online e meditação, entre outros.
As ações do comitê de defesa não foram detalhadas pela empresa.
Antes da pandemia, em 2019, o Gympass já havia se tornado um unicórnio, com valuation de US$ 1,1 bilhão. Hoje, o valuation está em US$ 2,4 bilhões. A empresa não abre dados sobre faturamento e lucro.
Desde 2012, o Gympass levantou US$ 555 milhões em seis séries de investimentos. A última ocorreu em agosto de 2023. Os principais investidores são EQT Growth, Neuberger Berman, General Atlantic, Moore Strategic Ventures, Softbank, Kaszek e Valor Capital Group, entre outros.
Hoje, o Gympass opera em 11 países e possui mais de 50 mil parceiros. São redes de academias, estúdios, personal trainers e aplicativos de bem-estar em um único benefício. Inclui soluções para terapia online, meditação, cuidados com o sono, entre outros. Cerca de 15 mil empresas utilizam o Gympass.
A empresa tem cerca de 1.700 funcionários ao redor do mundo. Isso representa um aumento de 65% em comparação com o período anterior à pandemia, de acordo com o Gympass.
Natural Alimentos acumulou R$ 20 milhões em dívidas
A Natural Alimentos é uma empresa envasadora de óleos e fabricante de temperos. Foi criada em 2004, em São Paulo, por Alberto Trigo, 63. Ele investiu R$ 300 mil. Em 2008, a empresa se mudou para Cajamar (SP). Em 2010, o irmão Sérgio Trigo, 60, entrou na sociedade. Alberto e Sérgio são engenheiros por formação. Sérgio trabalhou 24 anos na Brinquedos Estrela, e Alberto, por pouco tempo na Caterpillar; saiu para trabalhar no escritório de representação comercial do pai. "Há 20 anos só existiam duas marcas de óleos compostos, e o mercado carecia de novos produtos. Alberto viu ali uma oportunidade de negócio", diz Sérgio.
No início, a empresa produzia apenas óleos compostos, com a marca Lisboa. Óleos compostos são uma mistura de azeite de oliva com óleo de soja ou óleo de girassol.
Quando Alberto abriu a empresa, o pai cedeu a carteira de representantes comerciais. Isso fez a empresa vender seus produtos em todo o país, o que ajudou na pulverização da marca Lisboa.
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Quero receberEm 2016, a Natural Alimentos chegou a faturar R$ 6 milhões por mês. Mas, segundo Sérgio, a partir de 2017 aumentou a concorrência no mercado, e a empresa diminuiu sua margem de lucro (informação não revelada). "Mas não fizemos uma gestão paralela para diminuir os custos. Precisamos buscar empréstimos em bancos para fazer a gestão do negócio. Isso virou uma bola de neve, e o endividamento cresceu", diz. Na época, a empresa tinha cerca de 90 funcionários e precisou demitir 50; hoje, são 134.
No final de 2020, a dívida chegou a R$ 20 milhões, entre bancos e ações trabalhistas. Em 2021, a Natural Alimentos entrou com pedido de recuperação judicial. "Estamos pagando as dívidas. As trabalhistas giram em torno de R$ 2 milhões, com três anos para quitar tudo. Em contrapartida, as dívidas com os bancos tiveram deságio, e temos um prazo maior, de 15 anos, para pagar. A empresa readquiriu confiabilidade e crédito", afirma Sérgio.
Reestruturar a área comercial foi outra ação da empresa. "Na área comercial, começamos a pagar comissões maiores aos representantes comerciais, para que eles colocassem promotores nos pontos de venda, fizemos campanhas", diz.
A empresa lançou novos produtos em 2021. Uma delas é a linha de temperos saborizados (uma mistura de azeite extra virgem, óleo de girassol e de soja e condimentos). São nove sabores, como olive (à base de azeitona), alho e cebola, chimichurri e tomate seco. Em 2024, outros seis sabores serão lançados no mercado.
Hoje, os temperos saborizados são o carro-chefe da empresa. A linha de saborizados entrou forte no nicho de mercado da classe A e B, segundo Sérgio. "Os sabores acentuam o gosto do tempero, e a embalagem é transparente para mostrar o que tem dentro da garrafa", diz. A composição do produto é um segredo industrial.
Na linha dos óleos compostos, as marcas são Lisboa, Valverde e Nossa Ceia. A marca Tondela é vendida exclusivamente para a distribuidora Martins. "Estes produtos atendem a classe C e D, que não pode pagar hoje R$ 40 em um azeite", diz ele. Os óleos compostos têm 50% de óleo de girassol e 50% de azeite. A empresa tem ainda uma linha de conservas (berinjela, azeitona com pimenta biquinho, e outros) para canapés e finalização de pratos) e uma linha de sais de parrilla.
O custo alto do azeite afeta a empresa. Sérgio diz que atualmente há uma falta de matéria-prima devido a uma crise mundial na cultura de azeitonas. "Isso encareceu o produto por causa da escassez e elevou o preço", afirma. Nos óleos compostos da Natural Alimentos, o percentual de azeite baixou de 80% para 50%, e a empresa elevou o preço do produto em 20%. A empresa compra azeite de Portugal e da Argentina.
O preço dos óleos compostos e dos temperos saborizados varia de R$ 23 a R$ 25 nos pontos de venda. Os óleos compostos são vendidos também em embalagens de 5 litros (em torno de R$ 130). Os principais clientes da empresa são Destro (atacadista), Pague Menos (varejo), Avelino e PMG (ambos são food service).
O faturamento em 2023 foi de R$ 66 milhões. O lucro não foi divulgado.
A empresa investiu R$ 480 mil no seu parque industrial. Com isso, a produtividade deve aumentar 40% em 2024. Também será lançada uma linha de maionese e ampliar a linha de temperos saborizados.
Empresa teve incêndio na fábrica
Claudinei dos Anjos, 55, abriu uma fábrica de sofás em Capitão Leônidas Marques (PR), em 1990. Ele decidiu apostar no segmento por inspiração de seu sogro, Bennur Palaoro, que era dono de uma loja de móveis, onde fazia também reformas nas peças.
Para abrir a Estofados Anjos, ele investiu R$ 25 mil. No início, a empresa tinha quatro funcionários.
Em 1999, a fábrica sofreu um incêndio de grandes proporções. O fogo destruiu mais de 60% do patrimônio (matéria-prima e maquinário), um prejuízo de R$ 800 mil. A empresa não tinha seguro. A Estofados Anjos tinha 200 funcionários. O faturamento da época não foi informado. "Normalmente, as seguradoras não cobrem fábricas de colchões, por terem alto risco de incêndio. Há muito produto inflamável", diz Claudinei dos Anjos.
Após o incêndio, o primeiro passo foi procurar os fornecedores. Claudinei dos Anjos pediu um parcelamento de 10 a 20 vezes da mercadoria que havia sido comprada e perdida no fogo. Ele também comprou mais matéria-prima para produzir os estofados já encomendados. Em poucos meses, retomou a produção e, após dois anos, pagou tudo que devia.
O incêndio nos ajudou a administrar melhor a empresa dali para frente. Ele mostrou como precisávamos ter mais organização no negócio, independentemente do crescimento. Planejamos melhor todos os nossos processos, inclusive financeiros. Sem isso, não conseguiríamos dar a volta por cima e continuar a gerar empregos.
Claudinei dos Anjos, fundador e CEO da Anjos Colchões & Sofás
Em 2001, ele abriu mais uma fábrica: a Anjos Colchões. O nome da empresa só mudou para Anjos Colchões & Sofás em 2018.
Em 2007, a empresa abriu para franquias. Tem hoje 220 lojas em operação (sendo cinco unidades no Paraguai). O investimento para abrir uma franquia da marca é de R$ 450 mil.
A empresa tem quatro fábricas e 600 funcionários. São duas em Capitão Leônidas Marques, uma em São Roque (SP) e outra em João Pessoa (PB).
Os colchões são o carro-chefe do negócio. O preço varia de R$ 990 a R$ 20 mil. Por mês, são produzidos 60 mil colchões e 4.000 mil sofás.
A empresa não divulga faturamento e lucro.
Empresas devem estar preparadas para crises
Crises são previsíveis e cíclicas, e empresas devem estar preparadas para elas. É o que diz André Menezes, CEO da NWB Company, empresa especializada em educação empresarial. "O mais importante do que a crise é como você, empresa, está preparado para saber encará-la. Esta consciência te deixa com os pés no chão", declara.
Sobre o Gympass
A empresa tirou o foco do produto e colocou naquilo que o cliente precisava. "Diante de academias fechadas na pandemia, o Gympass teve que entender, da noite para o dia, o que o seu cliente precisava naquele momento. Mas esse é um questionamento que qualquer empresa tem que fazer a toda hora: o que o cliente quer?", afirma Menezes.
O Gympass vende a satisfação do cliente para as empresas parceiras. Para Menezes, ao passar a oferecer benefícios na área de bem-estar e saúde mental, o Gympass faz com que as empresas parceiras busquem maior engajamento e satisfação de seus funcionários. "Isso é um acerto nos tempos de hoje."
O Gympass traz soluções físicas, emocionais e de bem-estar, tendo vários parceiros oferecendo serviços e produtos para resolver diversas dores de um único cliente com mais agilidade e eficiência. Fazer parte de um ecossistema é uma questão de sobrevivência para todas as empresas, declara Menezes.
Sobre a Natural Alimentos
A empresa viu a dívida crescer, mas se arriscou a manter a empresa do mesmo tamanho e a continuar alavancando. "Uma hora o negócio fica insustentável. Muitas empresas não sabem identificar as ameaças, como as financeiras. É preciso sempre fazer uma análise do mercado em que a empresa está inserida", afirma.
As soluções encontradas pela empresa foram acertadas. Lançar novos produtos foi uma delas. "Diante de novos concorrentes no mercado, a empresa conseguiu identificar novos produtos e novos nichos de clientes."
Sobre a Anjos Colchões & Sofás
A empresa soube administrar o "luto". "Quando acontece uma tragédia, como o incêndio na fábrica, é natural que o mercado entenda mais a situação. Mesmo que de alguma forma a empresa não estivesse preparada, ela soube dar uma administrada nas emoções e partir para a ação", diz Menezes.
Entendeu o tamanho do problema. A partir do raio-x do prejuízo, Claudinei dos Anjos conseguiu lidar com as soluções que estavam a seu alcance, como renegociar dívidas com fornecedores e prazos de entrega de produtos com os clientes. "Ele teve uma atitude de enfrentamento da crise a partir de um bom diagnóstico", afirma.
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