Temporais destroem plantações de arroz orgânico do MST: 'Ano quase perdido'

O agricultor Marildo Mulinari pensou que as tempestades que caíram em sua lavoura em novembro de 2023 colocariam fim a um trabalho de uma vida toda. Aquele foi o terceiro mês consecutivo de fortes chuvas que devastaram a região metropolitana de Porto Alegre (RS), deixando um rastro de alagamentos, milhares de desabrigados e mortes.

No campo, os efeitos também foram expressivos. Os assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no Rio Grande do Sul onde são produzidos o arroz orgânico se transformaram em "piscinões" com água de chuva. Os temporais destruíram plantações e causaram também a perda de equipamentos e o atraso no replantio das sementes.

Mulinari é um dos assentados do movimento sem-terra em Eldorado do Sul, uma das cidades mais afetadas pelas cheias do rio Jacuí e Lago Guaíba no final de 2023. Ele diz que ainda é cedo para calcular os prejuízos financeiros que terá na safra deste ano, mas já adianta que a colheita será menor em abril.

"Eu estou aqui há 34 anos e nunca tinha sido impactado da forma que fui no ano passado. Já teve enchentes em 2015 e 2016, mas nada assim. Tenho que esperar abaixar toda a água para ver o que sobrou de arroz. É um ano quase perdido."

Em novembro de 2023, a Emater-RS (Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural) emitiu um laudo em que constatou que os três meses de chuva dizimaram os campos de arroz orgânico em Eldorado do Sul.

Praticamente não há tempo hábil nem condições técnicas e logísticas, inclusive garantia de acesso a insumos, principalmente sementes, para uma ressemeadura [...] uma vez que as águas do Rio Jacuí e do Lago Guaíba ainda não retornaram ao nível normal. Laudo técnico da Emater-RS

Maior produtor de arroz orgânico da América Latina

Vista aérea de lavoura de arroz alagada pelas chuvas em Eldorado do Sul (RS) fotografada em 31 de janeiro
Vista aérea de lavoura de arroz alagada pelas chuvas em Eldorado do Sul (RS) fotografada em 31 de janeiro Imagem: Arquivo pessoal/Marildo Mulinari

Nos últimos anos, o MST se tornou uma marca popular graças, em parte, ao arroz livre de agrotóxicos. Se apenas a menção ao nome do movimento faz emergir críticos e defensores de todos os lados, tem um episódio em especial que simboliza essa importância.

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Em 2022, durante uma sabatina no Jornal Nacional, o então candidato à presidência Lula (PT) foi questionado pela apresentadora Renata Vasconcellos sobre "qual seria o papel do MST em seu governo". Como resposta, ele disse que o movimento era "maior produtor de arroz orgânico do Brasil" e a convidou a conhecer uma das cooperativas dos sem-terra.

E, de fato, O MST é reconhecido pelo Irga (Instituto Riograndense do Arroz) como o maior produtor de arroz orgânico da América Latina há mais de dez anos. Em 2023, a colheita foi de 16 mil toneladas em uma área de 3,2 mil hectares. O Rio Grande do Sul, que iniciou 2024 debaixo de chuva, é o único estado que produz esse grão.

O movimento prevê que a safra deste ano será menor por causa dos eventos climáticos recentes, mas só conseguirá colocar as perdas no papel depois de abril. Essa incerteza também cerca o produtor Arnaldo Monte Pio, assentado de Nova Santa Rita, que se dedica à cultura do arroz orgânico há oito anos.

Por causa das tempestades, Monte Pio replantou as sementes só na segunda metade de dezembro — especialistas afirmam que a semeadura seja feita entre outubro e novembro (veja o porquê abaixo). Ele deixou de plantar 40 hectares de uma área total de 240 hectares pelo prazo apertado e da falta de sementes no mercado. Sua esperança é aproveitar toda a terra só na temporada de 2025.

Eu espero pelo menos pagar as contas e negociar [com bancos] o que eu não conseguir pagar. Já tenho a perspectiva de que não vou ter lucros. Este não vai ser o ano para melhorar os móveis da casa, comprar um carro ou trocar de trator [risos].
Arnaldo Monte Pio, produtor de arroz orgânico do MST

Plantio fora de época traz consequências negativas

O consultor do Irga, Ibanor Anghinoni, diz que o plantio com atraso é problemático por duas razões: as sementes terão menos tempo de exposição à radiação solar e ainda correm risco de receber temperaturas frias. Essa combinação faz com o que arroz cresça menos saudável durante o manejo.

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Ele estima que até metade da produção de arroz ecológico pode ser comprometida na próxima colheita. "O problema é que a grande parte da área de produção é no entorno de Porto Alegre e as cidades mais prejudicadas estão no estuário do Guaíba, como Eldorado do Sul, Nova Santa Rita, Tapes e Charqueadas", declara.

O produtor assentado Diego Severo diz que a sua plantação em Viamão foi menos impactada com as chuvas de setembro a novembro. No entanto, ele se mostra preocupado com a incidência de eventos climáticos cada vez mais graves.

Eu me planejo e até penso às vezes em ampliar minha atividade para além do arroz, mas essas condições de clima me impedem [de seguir adiante]. Fico um pouco receoso, sem ânimo para investir.
Diego Severo, produtor de arroz orgânico do MST

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