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Aumento de até 40% mostra que tarifa de cartão de crédito deve ser regulada

Paulo Solmucci

29/07/2019 07h42

Foi dada a largada para a temporada de divulgação dos resultados trimestrais dos maiores bancos do país. Nada de novo sob o sol: lucros bilionários, com taxas sempre crescentes. Não precisa ser engravatado da Faria Lima para encontrar a razão de grandes cifras --que independem se a economia vai bem ou vai mal.

Além de termos um dos maiores spreads do mundo quando contratamos um empréstimo, parte significativa das receitas dos grandes bancos vem das "tarifas bancárias", que recebem aumentos, ano após ano, acima da inflação.

Há um cardápio vasto de tarifas sendo "servido" diariamente na mesa do brasileiro, do pobre ao mais rico, em um mercado no qual a falta de transparência é a norma. Nesse banquete, em que quem serve é quem engorda, a tarifa mais nociva é, evidentemente, a que muitos poucos conhecem: a chamada tarifa de intercâmbio.

Ela incide sobre todas as transações pagas com cartões, e corresponde a 70% do que os lojistas pagam para a "maquininha". É uma receita que vai diretamente para quem emitiu o cartão --em 85% dos casos, 5 bancos.

Essa tarifa é definida pelas bandeiras, influenciada por quem emite os cartões. Dessa forma, lojistas e consumidores sequer participam da definição, e pagam a conta no final.

Na esteira da "guerra das maquininhas", nos últimos dias foi anunciado pela Mastercard, maior bandeira do mercado, um aumento de até 40% na tarifa para as vendas no cartão de crédito, atingindo diretamente bares e restaurantes de todo o Brasil --setor que emprega seis milhões de brasileiros e ainda se ressente fortemente da crise que teima em passar-- e que verão seus custos aumentarem discricionariamente.

Para piorar a história: no Brasil, o intercâmbio é ainda mais alto caso o consumidor utilize cartões gold, platinum, black. Logo, nos últimos anos, mesmo em tempos de recessão, houve uma emissão desenfreada de cartões desse tipo. Hoje, um a cada três cartões são premium. É a chamada "platinização".

É dito que a tarifa é maior nestes casos para se ofertar mais benefícios ao dono do cartão. Então, a conta é simples: no final do dia, quem paga a sala VIP e as milhas para Miami que poucos usufruem é o consumidor e o pequeno e médio empreendedor.

Esse aumento do intercâmbio ocorre na contramão do que se esperava, especialmente após o Banco Central ter, em prol da competição, limitado a cobrança desta tarifa por parte dos bancos para as vendas no débito. A ação já mostra resultados, com o barateamento das transações nessa modalidade e o consequente aumento da competitividade do setor de comércio e serviços.

Em vista desses bons resultados para consumidores e empreendedores, chega a parecer desafiar as autoridades, que buscam a redução do custo de se transacionar em cartão, o contínuo aumento das tarifas que ainda não foram objeto de limitação. Portanto, é urgente e vital que as autoridades avancem também na limitação do intercâmbio para o crédito.

Essas ações são possíveis pelo fato de os grandes bancos controlarem todas as etapas da cadeia: são os maiores emissores de cartões, os donos de bandeiras relevantes (até mesmo de alimentação e refeição), controlam as maiores maquininhas e são os principais administradores de contas correntes.

Assim, o aumento do intercâmbio é mais uma forma de resposta à intensa competição no setor de pagamentos. Essa insólita verticalização permite aos grandes bancos realocarem receita em variados bolsos. Basta ligar os pontos: não existe tarifa zero. Por detrás de cada resultado trimestral dos grandes bancos, lembre-se: há uma tarifa sendo coletada diretamente da receita de todos os pequenos lojistas do país.

Há pouco mais de dois meses, chegamos a nos animar com o anúncio de renúncia de receita pelo maior banco emissor da Mastercard. Parece que a conta está por vir. Está passando da hora de dar-se um basta na verticalização do sistema financeiro brasileiro.