Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Trabalho híbrido: mocinho ou bandido?
O termo trabalho híbrido tem sido adotado no mercado para se referir às diferentes possibilidades de arranjos de trabalho, principalmente em relação ao local de realização das atividades profissionais.
Em resumo, as discussões sobre o conceito giram ao redor da busca por equilíbrio entre alguns dias de trabalho presencial e outros dias de trabalho remoto. Na verdade, acaba rolando uma disputa entre os dois modelos, com faísca para os dois lados...
Em geral, as empresas que topam testar o trabalho híbrido começam adotando um formato 3x2 (três dias presenciais e dois dias remotos ou o contrário).
Com a experimentação do trabalho em casa (home office) durante a pandemia, muitas pessoas enxergaram na adoção do trabalho híbrido uma possibilidade de aumentar sua satisfação laboral. No entanto, alguns dados começam a apontar que a coisa não vai tão bem - como o levantamento da TinyPulse, indicando que mais de 80% da liderança acredita que o modelo híbrido está sendo emocionalmente exaustivo para os empregados. Tanto que os próprios apontam esse sistema como o mais cansativo na comparação home office x presencial x híbrido (opinião de 72% dos entrevistados).
Mas espera aí! O que está acontecendo? Onde estamos errando? O sonho acabou? E agora, quem poderá nos ajudar?
Embora os dados possam causar alarde, a culpa não está na ideia, mas na aplicação. Ou seja, o problema não é O QUE o modelo representa, e sim COMO está sendo implementado.
Algumas empresas estão definindo como o trabalho híbrido vai funcionar nos mínimos detalhes: quem irá ao escritório, quantas vezes por semana tem permissão para ir, onde vai se sentar, quais salas estarão disponíveis etc., sem escutar suas equipes e sem conhecer as complexas necessidades de relacionamento entre as áreas e clientes.
Bem... É como dar um par de sapatos de presente para alguém, sem perguntar quanto a pessoa calça. E, por trás dessa ação, permanece a mensagem de uma hierarquia de poder que vai definir como a pessoa deve obedecer a ordens "superiores". Resultado: falta de flexibilidade e frustração.
Já outras organizações assumiram que as equipes são maduras e podem decidir tudo sozinhas. Cada pessoa escolhe seu modelo favorito e tem total liberdade para adotá-lo. Às vezes vai presencialmente, outras vezes não. Às vezes, avisa e combina com o time, outras vezes não. Certamente, há uma sensação de liberdade em não ter que reportar suas decisões de localidade de trabalho. No entanto, não podemos esquecer que as organizações são conjuntos de pessoas, que dependem, em diferentes níveis, umas das outras. Resultado: falhas de comunicação e disputa por preferências individuais (cof! egoísmo).
Então, vamos lá... nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
As iniciativas mais bem sucedidas que acompanho no mercado têm alguns elementos em comum que podem ajudar neste momento de transição:
1. Escute as pessoas
Embora os trabalhadores não tenham clareza sobre os detalhes do modelo que vai funcionar melhor, todos(as) podem gerar ideias e expor limites para o desenho. É muito importante conhecer as expectativas. Lembre-se: a maioria das pessoas quer ter sua voz ouvida, não acatada. É sobre participação, não sobre imposição de opiniões.
2. Fuja de modelos rígidos e de verdades absolutas
Não crie uma regra única e inalterável. Faça testes. Comece com uma ou duas alternativas. Deixe rolar por algumas semanas. Colha feedback e analise a performance. Ajuste. Repita o processo.
3. Exponha a vulnerabilidade da organização
Deixe claro que toda essa discussão é baseada em conquistas e não em garantias. Ou seja, qualquer modelo só pode se manter se for sustentável para a organização (financeiramente) e para as pessoas (psicológica e emocionalmente). Se os novos modelos começam a degringolar, adivinha só pra onde a gente vai voltar, hein?
4. Adote ferramentas e use a tecnologia a seu favor
Estimule a formalização e alinhamento de expectativas de interação entre a equipe. Embora pareça um paradoxo, quanto mais flexível é o seu modelo, melhor precisarão funcionar os processos formais. Assim, as pessoas sabem o que esperar do trabalho umas das outras e como será feito o acompanhamento, formalização e registro das atividades. Afinal, ninguém quer ficar procurando um dado precioso que foi passado dentro de uma mensagem de áudio de whatsapp. Socorro. Use ferramentas adequadas.
5. Não confunda trabalho síncrono e assíncrono com a localização das atividades
Trabalho síncrono é aquele que demanda uma interação no mesmo espaço de tempo entre uma ou mais pessoas. Como, por exemplo, uma reunião, uma votação, a definição de um projeto coletivo. Isto não quer dizer que esse trabalho tenha que acontecer presencialmente.
Trabalho assíncrono, por outro lado, é aquele que não demanda interação entre as pessoas em um mesmo espaço de tempo. Cada um pode fazer o seu pedaço, em momentos separados. No entanto, isto não significa que esta atividade precisa sempre ser feita em casa.
Ué? Mas por que não? Porque as formas de colaboração entre as pessoas não são previsíveis e lineares. Por exemplo, você deve se lembrar de algum momento da sua carreira em que estava realizando um trabalho assíncrono, presencialmente no escritório (ou equivalente) e fez um comentário em voz alta, ou foi até a área do cafezinho e desabafou, ou lançou um "pelamordeDeusprecisodeideias", e acabou recebendo suporte, sugestões, reflexões e outras formas de colaboração para essa atividade.
6. Ajude as pessoas a definirem limites de horário de trabalho
A mudança do local de trabalho pode deixar a cabeça das pessoas bem confusa com relação à expectativa de disponibilidade para trabalhar. É importantíssimo deixar claro que o trabalho remoto não é um regime de plantão. Ou seja, não é porque você está trabalhando em casa ou em outro lugar, que você tem que estar disponível 100% do tempo. Afinal de contas, quando você está no regime presencial, você também tem momentos de foco e de atividades que não podem ser interrompidas. Não se sinta culpado(a) se tiver que bloquear sua agenda para momentos de produção mais intensa
7. Entenda que esta é uma discussão privilegiada
Tenha cuidado com o tom de suas certezas, pois elas podem se tornar ofensivas e impossíveis de serem concretizadas por pessoas que vivem em condições diferentes das suas e para as quais é difícil se adequar com qualidade produtiva ao trabalho híbrido.
De acordo com pesquisa realizada pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pela Fundação Instituto de Administração (FIA), apenas cerca de 11% da população ocupada atua em home office, em algum nível.
Se pegarmos outro recorte mais seletivo, com as empresas participantes da pesquisa Lugares Incríveis para Trabalhar, entre os mais de 181 mil participantes, há a indicação de que 24% trabalham em casa. Ou seja, ainda estamos começando a navegar por esses mares...
Aliás, nas próximas semanas, começo a investigar alguns dos dados dessa excelente pesquisa que reúne informações capazes de gerar muitas ideias e aprendizados para as organizações.
Por agora, me conta aqui como está sendo a sua experiência de trabalho atualmente. Sua organização está atuando com trabalho remoto, híbrido ou presencial? Qual sua visão sobre o tema?
Um abração e muito bom trabalho.
Lugares Incríveis Para Trabalhar
Alexandre Pellaes é colunista do Lugares Incríveis Para Trabalhar, uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores do prêmio são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2022 estão abertas e vão até 30 de maio.
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