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Alexandre Pellaes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Cancela, passou da idade': como combater o etarismo no trabalho?

FG Trade/Getty Images
Imagem: FG Trade/Getty Images

Colunista do UOL

16/09/2022 04h00

Como você se sentiria se recebesse uma resposta à sua inscrição para uma vaga de emprego com a mensagem: "Cancelaaaaaaaaa, passou da idade kkkkk"?

Por mais incrível que pareça, essa foi a experiência de Carlos Augusto Luchetti Junior, que compartilhou sua frustração, no começo de setembro em suas redes sociais: "Tenho apenas 45 anos e não me sinto velho, pelo contrário, me sinto muito disposto a trabalhar. Para quem fala que não existe discriminação de idade, está aí a prova."

Carlos se candidatou para uma vaga de operador logístico em São José (região próxima a Florianópolis) na noite do dia 30/08 e, na tarde seguinte, recebeu um email da empresa de recrutamento com a frase mencionada no primeiro parágrafo.

Após o caso viralizar e ganhar exposição nos veículos de mídia, a empresa recrutadora se retratou com o candidato sobre a linguagem inadequada, e explicou que a comunicação visava corrigir o equívoco de agendamento da entrevista, uma vez que ele é um profissional com "idade acima da desejada para a vaga, que é de nível júnior". Provavelmente, o email informal era destinado para comunicação interna.

Esse episódio exemplifica o que é chamado de etarismo: a categorização de pessoas, com recortes baseados em idade como critério de valor, potencial de entrega e permissão social de ação. Ou seja, é a convicção de que uma pessoa é melhor ou pior do que outra, e que pode ou não praticar determinada ação, unicamente com base em sua idade cronológica - causando potenciais prejuízos, desvantagens e injustiças.

Embora seja mais comum falarmos de etarismo como a restrição de ação e julgamento sobre pessoas mais velhas e maduras, ele também acontece com pessoas mais jovens, por exemplo, quando são consideradas impulsivas ou incapazes de enxergar a complexidade das relações do mundo, devido à sua idade.

Então, devemos ignorar a idade?

Talvez não seja possível... A idade é uma das primeiras percepções que formamos sobre as pessoas a partir de um primeiro contato, seja ele ao vivo, remoto ou até por mensagens e emails.

O conteúdo da mensagem, a forma de exposição, a imagem pessoal, as escolhas de apresentação e até características individuais e físicas, tom de voz e gestual, podem contribuir para a formação da percepção sobre a idade.

Mesmo querendo combater o etarismo, é importante fugir da superficialidade de dizer "não devemos considerar a idade das pessoas", porque isso significaria também não oferecer suporte e cuidados diferentes para as pessoas ao longo da vida - como assentos especiais em transportes coletivos, vagas de estacionamento localizadas perto da entrada nos estabelecimentos ou filas preferenciais para atendimento a serviços.

No entanto, é necessário tomar consciência e agir para minimizar vieses inconscientes e julgamentos que são colocados sobre as pessoas a partir do que adotamos como referência de comportamento e de capacidade para cada faixa etária, porque isso retira das pessoas a sua individualidade, enxergando-as como objeto e não como sujeito no mundo social.

Desde a infância, nós somos apresentados(as) a mensagens sociais que contém estereótipos e preconceitos, a partir de símbolos da cultura em que estamos inseridos, começando em nosso círculo familiar próximo e se estendendo pela comunidade e comunicação de massa - afinal, quem nunca viu o símbolo de "idoso" representado por uma pessoa curvada com uma bengala, né?

De acordo com Relatório Global de Etarismo da ONU, os estereótipos estão relacionados a como pensamos; os preconceitos se baseiam em como nos sentimos; e a discriminação é resultado de como agimos em relação às pessoas com base na idade delas.

Às vezes, a idade é usada até como ofensa direta. Em discussões de conteúdo raso, é comum a pessoa jovem se referir à outra como "esse senhor" ou "essa senhora", considerando que a idade avançada pode se tornar um ofensor de personalidade. Quanto absurdo.

O relatório da ONU aborda, ainda, outro ponto importante, que é reconhecer que o etarismo pode ter um vínculo:

- Institucional: relativo às leis, regras, normas sociais, políticas e práticas institucionais que restringem injustamente as oportunidades e prejudicam sistematicamente indivíduos, em função de sua idade;

- Interpessoal: que acontece nas relações entre duas ou mais pessoas;

- Individual contra si próprio: quando o etarismo é internalizado e praticado pelo próprio indivíduo. (Sabe como é, né... aqueles pensamentos "eu não tenho mais idade...", "antes eu até pensava em aprender isso, mas agora não dá mais...", "o que é que as pessoas vão pensar se eu, nessa idade, começar a..." etc.)

Ou seja, há dimensões diferentes da experiência de preconceito por idade.

Não há dúvida que o combate ao etarismo deve ser um dos compromissos das empresas - e abordarei com mais profundidade a questão organizacional no futuro - mas é essencial que a pausa para reflexão e conscientização comece pelas pessoas - cada um(a) de nós.

O exemplo retratado inicialmente nesse texto não aconteceu a partir de um direcionamento organizacional, mas sim a partir de valores individuais.

Toda vez que você pensar ou falar "fulano(a) não tem mais idade pra isso...", reflita. O que está por trás dessa crença? Quais são os gatilhos mentais e os contextos sociais que você usa como referência e que talvez (ou muito provavelmente) não fazem mais sentido?

Você já presenciou ou já se sentiu impactado(a) pelo etarismo? Acredita que as pessoas e organizações estão tomando mais consciência sobre a relevância desse tema?

Deixe seus comentários aqui no texto, ou interaja comigo lá no instagram @pellaes.

Um abraço, boa semana e muito bom trabalho!

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