Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pedir aumento não é pecado
Em mais de 20 anos de carreira corporativa, eu tive que pedir ajuste salarial algumas vezes - e esses momentos sempre foram meio tensos ou incômodos para mim. Não é que não houvesse abertura ou que eu tivesse líderes rígidos(as). Na verdade, eu julgava estar fazendo algo que deveria ser uma ação proativa da empresa ou da liderança; afinal, sempre havia ouvido que salário era uma definição organizacional.
Mas, espera aí... Será que é isso mesmo? O salário deve ser oferecido com base fixa em uma descrição de cargo e independe da pessoa que vai performar o trabalho? Pessoas com mais potencial, mais contribuições, mais comprometimento e com relações de melhor qualidade devem ganhar a mesma coisa que pessoas que passam o dia bufando, virando os olhos, contando os minutos no relógio e jogando candy crush no banheiro? Hmmmm... acho que não.
O tema é complexo e vai voltar aqui na coluna, em breve - sobre o papel do salário - mas, hoje, a conversa é sobre aumento.
Com o passar dos anos, é comum o valor do salário ser consumido pela inflação, sem ter reposição à altura, principalmente em modelos flexíveis, nos quais não há obrigação legal de atualização e que dependem do diálogo entre empregado(a) e empregador(a) - uma conversa com bastante assimetria de poder.
Com a mudança dos modelos de gestão e a busca por relações mais equilibradas de trabalho, é essencial que a gente aprenda a lidar com a discussão sobre salário e aumentos com leveza.
O salário deve ser uma construção negociada a partir da análise da contribuição (da pessoa) x compensação (pela empresa) ao longo do desenvolvimento da sua história dentro da organização. Ou seja, é um composto vivo e deve ser revisto de tempos em tempos, principalmente quando você julga que tem cumprido a sua parte do trabalho com excelência.
Alguns pontos importantes para o desenvolvimento do tema:
1. Pedir aumento é normal
Discutir e analisar questões sobre salário é parte integral das relações de trabalho e concordar com um aumento não é um favor ou um presente. É ação para restabelecer o equilíbrio entre suas contribuições e o que você ganha como contrapartida. Pode haver necessidade de ajuste porque você, agora, contribui mais, ou porque o mercado mudou, por exemplo.
Em algumas organizações, o tema fica concentrado em pessoas ou em áreas específicas, mas saiba que ninguém deveria ficar chocado porque um colaborador(a) quer falar sobre o tema. Descubra como funciona na sua empresa. Pode ser tabu, mas não é uma surpresa. Joga essa culpa pra lá!
2. Preste atenção ao contexto
É necessário fazer uma leitura do ambiente antes de chamar sua liderança para conversar. Considere a situação do mercado e a performance da empresa. Certamente, será mais fácil conseguir o aumento se os resultados estiverem equilibrados. Se hoje a situação não estiver boa, mas você souber que no curto prazo há um projeto que vai mudar tudo, aguarde um pouco. No entanto, se não for essa a realidade, isso não pode significar que você deve trabalhar ganhando menos do que seria justo.
A observação do contexto serve para que você não "viaje" nas demandas ou nos argumentos, parecendo desconectado(a) da realidade. Mas deixar os salários defasados não deve ser parte da estratégia de financiamento da empresa.
Se você está fazendo um ótimo trabalho há mais de um ano...
Não hesite em puxar a conversa. Se há motivos para discutir o tema e a organização não se propôs a revisitar sua remuneração proativamente, traga o assunto.
O ótimo trabalho (ótimo, viu? Não é médio...), a desvalorização da moeda e o aprofundamento da relação ao longo do tempo são fatores que elevam a abertura para esse papo.
Aumento não é desfibrilador
Desfibrila... o quê? Desfibrilador. É aquela máquina que você vê nos filmes, sendo usada para ressuscitar uma pessoa, por meio de descarga elétrica e choque.
Em alguns casos, tem gente que tenta se motivar pedindo aumento de salário. Ou seja, está de saco cheio da empresa, da área, da liderança, das condições e da cultura, mas acha que o aumento de salário vai compensar (cof!) o sacrifício que ela vive (oh, judiação...) e que ela vai se reenergizar com grana.
Atenção. Isso não vai acontecer. É como remendar a rachadura de um muro com uma fita crepe.
Se você nota que cai nessa armadilha, faça uma autoavaliação sincera e identifique o que é que está pegando de verdade.
Seja direto(a)
Se chegou a hora da conversa, não precisa fazer rodeios. Para ajudar, considere preparar uma frase de abertura (quase decorada mesmo), que introduza o tema, sem deixar a insegurança tomar conta. (Uma vez iniciada a conversa, a tendência é o seu estresse diminuir).
Um exemplo:
"Eu gostaria de falar sobre uma revisão salarial. Tenho visto o impacto positivo do meu trabalho e os feedbacks que recebo reforçam essa visão. Acredito que, com o tempo, aconteceu um certo descasamento entre o meu nível de contribuição, que aumentou bastante, e a compensação, que ficou estacionada. Eu gostaria de ajustar essa situação e seguir ampliando a contribuição e a qualidade do meu relacionamento com a empresa."
Seja sucinto(a).
Não precisa preparar uma apresentação grande ou cheia de detalhes.
O intuito dessa conversa é deixar claro que você identifica um desequilíbrio, explicitar a necessidade de ação e seu compromisso para continuar um bom trabalho.
Se você tiver um valor em mente e for questionado(a), não tem problema em deixá-lo explícito. Mas atenção(!!!), não é para impor o valor e nem parecer uma ameaça - porque não é! É uma sugestão de ação.
Se a resposta for "não" ou "talvez"...
Aí estará colocada uma ótima oportunidade para pedir um feedback objetivo e perguntar o que é necessário para que você receba um aumento no futuro e como pode aumentar sua contribuição. Esteja preparado(a) para uma conversa franca e não fique na defensiva. Assim, você poderá ter expectativas mais claras e avaliar se existe um caminho de mudança realista dentro da organização.
Você já pediu aumento alguma vez? Como foi? Positivo? Negativo? Trágico?
Se sente confortável com o tema?
Deixe seus comentários ou perguntas abaixo, ou envie para o instagram @pellaes.
Um abraço e muito bom trabalho!
Lugares Incríveis Para Trabalhar
Alexandre Pellaes é colunista do Lugares Incríveis Para Trabalhar, uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores do prêmio são definidos a partir da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições para a edição 2022 estão abertas e vão até 30 de maio.
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