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Bancos criticam "parcelado sem juros" no cartão, mas ele é bom para cliente
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De tempos em tempos aparece na imprensa algum artigo criticando o denominado "pagamento parcelado sem juros", normalmente acompanhado de pressões dos grandes bancos sobre o Banco Central ou de algum Projeto de Lei no Congresso para acabar com este instrumento muito utilizado pelos consumidores detentores de cartão de crédito.
Para quem não se lembra, este tipo de pagamento envolve dividir o valor do bem em "n" partes iguais e distribuí-lo ao longo de alguns meses (por exemplo, um valor de R$ 1.000 pode ser pago no cartão de crédito em dez parcelas iguais de R$ 100).
Em geral, as críticas a esta forma de pagamento caminham em duas direções. A primeira delas envolveria uma suposta ineficiência introduzida no setor, na medida em que quem oferta o crédito não seria o mesmo agente econômico que precifica o risco de inadimplência do consumidor. Nesta lógica, o lojista não se preocuparia em avaliar o risco da inadimplência de seus clientes nessas operações, uma vez que quem arcaria com o prejuízo seria o banco emissor (Bradesco, Itaú etc.) do cartão.
Ato contínuo, as instituições emissoras de cartões não se remunerariam de forma adequada pelo risco incorrido em transações parceladas e acabariam, inclusive, calibrando para cima os juros do crédito rotativo do cartão de crédito para compensar esta suposta "falha". A segunda diz respeito à falta de transparência para o consumidor sobre os juros praticados nessas operações.
Inicialmente, devemos lembrar que quem define o limite de crédito para o consumidor é o banco emissor, e não o lojista. Estabelecido este teto, se o consumidor chegar ao seu limite em uma compra de uma única parcela ou em várias parcelas, o efeito de uma eventual inadimplência será o mesmo para o banco. Neste sentido, cabe à própria instituição financeira se preocupar em fazer a avaliação adequada de seus clientes e impor o limite que mais lhe convier.
De toda forma, ainda que os bancos não recebam os juros clássicos do consumidor sobre transações "parceladas sem juros", essas instituições se remuneram por meio das anuidades pagas por seus clientes e, mais importante, pela denominada tarifa de intercâmbio, que é descontada da tarifa cobrada ao lojista. A tarifa de intercâmbio vigente para pagamentos com cartões de crédito é maior do que a de operações com cartão de débito, sendo esta diferença se amplia no caso de compras parceladas. E isso ocorre não só para viabilizar os benefícios adicionais dados aos portadores, mas também para dar recompensas e a garantia de pagamento aos lojistas, inclusive para eventuais inadimplências.
Dados públicos do Banco Central dão fortes indícios de que as receitas com intercâmbio superam substancialmente os custos envolvidos na operação com cartão de crédito. Em 2019, a receita com intercâmbio adicional em operações de crédito foi de R$ 17,5 bilhões, que se somam a R$ 13,7 bilhões arrecadados com anuidades.
Em contrapartida, o gasto com recompensas aos usuários atingiu R$ 4,8 bilhões. Ou seja, são recursos que aparentam ser mais do que suficientes para compensar os custos de emissão, requerimento regulatório de capital e mesmo de inadimplência (que deveria estar precificado nas receitas obtidas com o crédito rotativo).
A questão que resta é entender, portanto, qual a razão para as altas taxas de juros do rotativo verificado no mercado. A lógica econômica indica que quando há forte competição, os preços tendem a convergir para o custo da prestação de serviço. Contudo, em mercado nos quais as empresas detêm poder de mercado, como no segmento bancário de emissão de cartões, o que determina o resultado é o comportamento do consumidor (lado da demanda).
Neste sentido, documento do Banco Central de 2019 mostra que clientes que acessam modalidades como cheque especial e rotativo do cartão reagem muito pouco a variações de juros cobrados. Essa denominada baixa elasticidade do consumidor (disposição a reagir) dá amplo poder de definição de preços para os emissores, sendo também responsável pelas elevadíssimas taxas cobradas.
Infelizmente, esta dinâmica só poderá ser amenizada com estímulo à competição. Em parte, o movimento das autoridades reguladoras pró-concorrência tem gerado resultados positivos, com expansão no número de instituições emissoras de cartões de crédito. De toda forma, enquanto isso não se consolida, o "parcelado sem juros" continua a ser uma alternativa para lojistas, com impactos positivos a consumidores.
Isto porque, olhando sob a ótica do consumidor, ele pode recorrer aos bancos para obter crédito, usar o rotativo do cartão de crédito, o parcelado sem juros e até mesmo procurar barganhar algum "desconto", caso pague à vista. É verdade que qualquer parcelamento embute algum custo adicional (juros) associado ao crédito obtido, mas todas as opções estão na mesa para o consumidor. Já sob o ponto de vista do comércio, este é um segmento muito competitivo em vários nichos de mercado. Portanto, repassar custos (inclusive financeiros) para o consumidor pode ser muitas vezes um tiro no pé, principalmente se compararmos com a posição dos bancos.
Para conseguir parcelar suas vendas, este mesmo comerciante tem que obter capital de giro por meio de alguma linha de financiamento. Neste sentido, dois aspectos são relevantes. O primeiro é que as linhas de crédito para empresas (capital de giro e antecipação de recebíveis, por exemplo) tendem a ser, na média, mais baratas do que as oferecidas para os consumidores. Assim, podemos entender que, sendo o "core business" do lojista a venda do produto, ele estará negociando implicitamente em nome do consumidor e obtendo um custo menor de financiamento da compra parcelada. O segundo aspecto é que mais (competição) é sempre melhor do que menos. Assim, o "parcelamento sem juros", mesmo embutindo algum custo adicional quando comparado à venda à vista, acaba se tornando uma alternativa a mais para o consumidor.
Finalmente, mesmo o argumento da falta de transparência sobre os juros praticados na modalidade de crédito aqui em discussão não seria razão suficiente para propor o seu fim. Assimetria de informação se corrige com mais informação e com educação financeira, coisa que o Banco Central já vem fazendo. E, no caso, a proibição é ainda menos justificável, na medida em que percebemos que este instrumento se tornou uma fonte de concorrência para o já concentrado setor bancário.
Em última instância, ao contrário do que dizem, o popular parcelado sem juros é, na realidade, uma resposta do mercado às ineficiências alocativas do sistema financeiro, que apresenta elevadíssimos juros em operações de crédito para consumo. E a popularidade deste instrumento junto a comerciantes e consumidores é a prova de que ele tem sido eficiente, permitindo que o financiamento ao consumidor tenha um custo menor do que o obtido diretamente no sistema financeiro.
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