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Capitalização da Eletrobras mostra como será difícil privatizar a Petrobras

Eletrobras - Getty Images
Eletrobras Imagem: Getty Images

26/05/2022 04h00

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Na última semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) finalmente aprovou o processo de capitalização da Eletrobras, em que pese as constantes tentativas do Ministro Vital do Rêgo de atrasar a votação.

Segundo ele, haveria seis ilegalidades que implicariam reduzir o valor mínimo de referência pelo qual a empresa seria leiloada. Na realidade, poucas vezes vi no TCU uma proposta de discussão tão inócua e sem sentido. No fundo, o valor efetivo pelo qual a participação da empresa será vendida dependerá do grau de sua atratividade aos olhos dos investidores e do nível de concorrência vigente no processo de licitação.

Só que em nenhum momento essas questões foram tratadas no TCU. Se realmente o ministro estivesse preocupado com o valor arrecadado pelo Estado brasileiro, ou mesmo com o consumidor, melhor faria revisar, por exemplo, todos os penduricalhos aprovados no bojo da lei que definiu a capitalização da Eletrobras, e que tantas distorções geraram no mercado e no próprio valor percebido da empresa.

Cheguei a tratar disso em junho de 2021 e julho do mesmo ano. De maneira resumida, os problemas vão desde a obrigação de contratação prévia de geração termelétrica movida a gás natural até a escolha do modelo "corporation", que limita o direito a voto de cada acionista ou grupo de acionistas a apenas 10% do total de ações.

Tampouco observei no voto do Ministro Vital do Rêgo qualquer discussão sobre qual o melhor modelo de leilão a ser implementado para gerar concorrência pela Eletrobras ou eventuais limitações a serem previamente incorporadas no edital que pudessem evitar a elevação do grau de concentração no segmento de geração de energia.

No fundo, o voto do Ministro disfarçou-se de técnico, quando, na realidade, carregou um forte componente ideológico associado à sua origem política. E note-se que a capitalização da Eletrobras é um movimento bastante tímido, que tem como verdadeiro mérito tirar o Estado brasileiro da gestão da empresa, de modo a criar uma governança um pouco mais eficiente e economizar recursos públicos.

Sob o ponto de vista econômico, o ideal seria implementar uma verdadeira privatização, com a transferência total das ações para o setor privado, sem qualquer tipo de interferência do governo nas decisões da empresa, inclusive em um eventual processo de transferência de titularidade. Mas reconheço que politicamente essa não é uma decisão simples.

Afinal, durante anos o país foi bombardeado com slogans falaciosos de que as empresas públicas são um patrimônio do povo brasileiro, que podem dar lucro, ou que existem setores estratégicos que deveriam ser mantidos nas mãos do Estado. Só que cada um desses argumentos não resiste a uma análise econômica ou prática minimamente criteriosa.

Os supostos "patrimônios brasileiros" têm sido entregues a políticos de todas as colorações políticas ao longo do tempo e se transformado em fontes inesgotáveis de ineficiência e corrupção. Vide casos como Mensalão, Petrolão, Eletrolão, dentre outros.

E isso sem falar dos casos de corporações de funcionários de algumas dessas empresas, que se apropriam dos resultados por elas obtidos, por meio da criação de todo tipo de "benefício" a ser dividido entre eles.

O argumento de que algumas empresas dão lucros que são distribuídos para o Estado é o mais "charmoso" de todos, mas esconde uma série de equívocos. Em primeiro lugar, a maior parte das empresas estatais não apresenta lucro contábil e muito menos econômico. Ao contrário, se considerarmos o capital investido, o resultado tende a ser bastante ruim.

E mesmo aquelas que apresentam algum lucro, ciclicamente são utilizadas como instrumento populista de política macroeconômica de controle de preços. O caso da Petrobras no governo Dilma é só um dos vários exemplos. De toda forma, as que apresentam lucros periódicos são, na maioria das vezes, aquelas caracterizadas como monopólios ou quase monopólios. E nesses casos, os gestores precisam ser extremamente criativos para gerarem prejuízos.

Finalmente, a afirmação de que alguns setores são estratégicos (o de energia, por exemplo), ao contrário de justificar a existência de empresas públicas, só indica que o arcabouço regulatório deve ser bem desenhado e administrado de forma totalmente isolada do universo político. Em outras palavras, são os incentivos criados que definem os investimentos realizados no setor.

Só assim conseguiremos gerar segurança jurídica de maneira a atrair investimentos privados, cujos recursos estão disponíveis pelo mundo todo, e que, inclusive, implicam menor custo de oportunidade social, na medida em que os recursos públicos passam a ser liberados para áreas mais meritórias (como saúde, educação, segurança pública e para políticas assistenciais).

Infelizmente, a forma como o processo de capitalização da Eletrobras tem sido conduzido e todos os jabutis incorporados na lei que abriu essa possibilidade só mostram que não há real intenção política de se modificar o status quo vigente. Ao contrário, tudo indica que o atual governo ainda enfrentará uma série de barreiras para dar um pequeno passo de abrir mão do controle da empresa.

E se isso está ocorrendo com a Eletrobras, que perdeu substancialmente sua importância ao longo do tempo, pode-se imaginar que tipo de discussão envolverá a suposta proposta de privatização da Petrobras; uma empresa com participação em vários segmentos dentro do setor petrolífero, ainda mais em um contexto de preço internacional do petróleo nas alturas.