Felipe Salto

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Opinião

4 ideias para reformar o Orçamento

Há algumas semanas, escrevi neste espaço sobre a necessidade de reformarmos a Lei de Finanças Públicas (Lei nº 4.320, de 1964), que foi recepcionada pela Constituição de 1988. A cada ano, as discussões sobre as diretrizes do Orçamento e sobre a peça orçamentária propriamente dita têm conduzido a resultados piores para o bem-estar social.

A alocação dos recursos públicos não obrigatórios, isto é, que não estão, de saída, carimbados, está ocorrendo à luz de parâmetros pouco transparentes, como no caso das chamadas transferências especiais (ou "emendas Pix"). Já as despesas obrigatórias parecem quase escritas na pedra, imutáveis, quando na verdade seriam bem-vindas as práticas de revisão periódica dos programas orçamentários e políticas públicas em geral (conhecidas como "spending reviews").

A mudança requererá bom diagnóstico e desenho de propostas.

O problema central é que o Estado brasileiro perdeu a capacidade de planejar. Isso é grave, pois não existe vento favorável para nau sem norte. O Plano Plurianual, conhecido como PPA, precisaria ser remodelado e vinculado ao processo orçamentário anual para que surtisse efeito. Além disso, teria de se basear em cenários econômicos fidedignos, elaborados de maneira independente.

Comento a seguir quatro ideias sobre essa temática:

1. Definições e diretrizes na nova lei

A nova Lei de Finanças Públicas precisa repensar todos os conceitos fiscais e orçamentários, inclusive para definir o que são obrigações e o que são gastos discricionários. Ela deve trazer as diretrizes orçamentárias principais, promovendo uma necessária lipoaspiração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que virou uma espécie de "faz tudo".

Veja-se, por exemplo, como foi tratada a demanda para elevar as emendas parlamentares de comissões do Senado e da Câmara ao mesmo status das emendas individuais e de bancada. Vale dizer, já há um bom projeto em tramitação, da lavra do ex-Senador Tasso Jereissati, que poderia ser aproveitado como ponto de partida. Ele pode ser acessado aqui.

2. Plano fiscal de médio prazo

Outro ponto importante é o planejamento orçamentário e fiscal de médio prazo. Um embrião de planejamento fiscal de médio prazo foi introduzido no nosso arcabouço atual pela Lei Complementar nº 200/2023 (a lei do Novo Marco Fiscal), obrigando à elaboração do marco de médio prazo (projeções de parâmetros para balizar a elaboração do orçamento, a partir de cenários fidedignos).

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Contudo, é preciso ir além, a partir deste comando, definindo na própria discussão da próxima LDO e da próxima LOA as bases do plano de médio prazo. Se esse processo não desembarcar nesses dois instrumentos, que hoje são o locus da discussão política do Orçamento, nada vai acontecer, a meu ver.

3. Avaliação de políticas públicas e "spending reviews"

Uma terceira questão, a meu ver, é promover algumas mudanças na elaboração do Orçamento. O processo, de fato, como conhecemos, precisa pautar-se por novos critérios, que permitam abrir espaço para gastos de melhor qualidade e gerar economia, quando possível, reduzindo despesas ineficientes.

Para isso, a LOA, obrigatoriamente, precisaria considerar as avaliações de políticas públicas realizadas por órgão(s) oficiais com prerrogativa para tanto, como já preconizava a Emenda Constitucional nº 109 (que ainda teria de ser regulamentada).

Para ter claro, não adianta criar mais núcleos de estudos, instituições, secretarias etc. para elaborar rios de tinta em trabalhos econométricos/estatísticos e qualitativos bastante ricos, se todos terminarem engavetados.

4. Rediscutir a blindagem das emendas parlamentares

Uma quarta questão, talvez até mais urgente, seria reverter as mudanças promovidas pelas Emendas Constitucionais nº 86, nº 100 e nº 126, no que se refere à questão da "impositividade" das emendas individuais e de bancada estadual. Seria importante corrigir um pecado mais antigo, também, segundo o qual o Congresso pode rever as estimativas de receita elaboradas pelo Executivo.

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A elaboração do Orçamento é uma prerrogativa do Executivo. O Congresso pode emendar, a meu ver, mas para isso seria interessante imaginarmos um modelo em que a participação dos parlamentares ocorresse de modo a colaborar para os projetos definidos na LOA e no PPA (ou plano fiscal de médio prazo a substituí-lo).

Para isso, por que não vincular as emendas parlamentares aos projetos estruturantes e metas estratégicas do PPA (ou plano fiscal de médio prazo)? As emendas deveriam ser de um único tipo (individuais, por exemplo), limitadas em termos de valores e de escopo/objetivo.

No livro que publiquei com Mansueto Almeida, em 2016, pela Editora Record (Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade), há um capítulo muito interessante sobre a temática desta minha coluna de hoje. Ele foi escrito por um grande especialista, Hélio Tollini.

A referência completa segue abaixo:

Tollini, H. "Repensando a gestão das finanças públicas no Brasil". In Salto, F. & Almeida, M. "Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade" (Record, 2016).

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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