A preocupante regulamentação da reforma tributária
A promulgação da Emenda Constitucional nº 132, de 2023, foi apenas o primeiro passo da chamada reforma tributária do consumo. Megalômana, a proposta deixou muitas pontas soltas e, agora, na sua regulamentação, o governo tem um desafio enorme. Dificilmente, será superado com sucesso, como mostrarei.
Há uma série de problemas a serem tratados nos projetos de lei complementar a serem apresentados pelo governo para regulamentar a Emenda 132.
O Comitê Gestor do IBS precisará de uma lei à parte, sem mencionar o tratamento das exceções e regimes específicos, além das isenções. Outro problema é o que fazer com o Imposto Seletivo, que substituirá o IPI e tende a ser gigantesco, em termos arrecadatórios, se limitações não forem impostas por lei.
Os fundos, principalmente o Fundo de Compensação pelo Fim dos Incentivos do ICMS, vão precisar de um tratamento cuidadoso, mas lembrando que os anéis já foram embora com vários dedos. Isso se deu ao longo da própria tramitação da PEC, sendo o custo, apenas até 2043, da ordem de R$ 800 bilhões. Essa fatura já está espetada no Tesouro Nacional.
E a guerra fiscal, por sua vez, como ficará? O ICMS vai continuar na origem e no destino até 2032. Os incentivos e, portanto, a guerra fiscal, seguirão a pleno vapor. A ineficiência associada a esse processo, com a qual se prometia acabar na fantasiosa simplificação, remanescerá.
Vale dizer, o IBS e a CBS terão de ser regulamentados para funcionarem de modo siamês, sem distorções ou, pelo menos, com o mínimo de discrepâncias entre suas regras. Afinal, têm a mesma base, são o mesmo, com a diferença de que um estará nas mãos da União e o outro, nas mãos do Comitê Gestor, uma entidade inconstitucional.
Como se vê, muitos temas estão em aberto e pouco se escuta, do Secretário Especial da Reforma Tributária, como se dará esse processo. Exige-se de todos um exercício de fé: "acreditem, tudo dará certo".
É curioso que o método parece ser sempre o mesmo: pegar a opinião pública de surpresa para evitar o debate. Foi o que aconteceu no ano passado com os textos da PEC nº 45, que vinham à tona na undécima hora. Críticas eram ignoradas, ou melhor dizendo, entravam por um ouvido e saíam imediatamente pelo outro.
Nessa questão da regulamentação, em que diversos projetos de lei complementar precisam ser forjados, criaram-se grupos de trabalho para inglês ver, com os estados quase sem representação à altura. Vão fingir que escutam as ideias e preocupações dos entes subnacionais, mas, na prática, atropelarão, novamente, o bom senso, munidos de ideias oriundas das cacholas dos técnicos da Secretaria Especial. Que bom seria se ouvissem mais a outra Secretaria, a da Receita Federal, dada sua experiência prática na matéria! Nem ela, nem os fiscos com ampla tradição no debate sobre a reforma tributária foram ouvidos.
É uma pena, porque poderíamos ter construído uma proposta de reforma efetiva, com chances de melhorar o sistema. Mas, para isso, seria preciso ter adotado um caminho mais modesto, a começar pelo ataque aos conhecidos problemas do ICMS.
O primeiro são as alíquotas interestaduais, que ensejam a guerra fiscal, já que os benefícios são concedidos com base nisso. O segundo, o critério físico na apuração dos créditos tributários. Duas questões que poderiam ter sido alteradas no campo infraconstitucional.
Temo que, logo, logo, acabe sendo preciso fazer uma contrarreforma tributária, tamanho o desafio para regulamentar o monstrengo fabricado pela Emenda 132. Para ter claro: o IBS só começa, para valer, em 2033. É que se concebeu uma transição estranha, começando em 2029 (antes, haverá uma alíquota de 0,1%, com o estrito objetivo de angariar recursos para financiar o magnânimo Comitê Gestor do IBS), perdurando até 2032.
Lá em 2032, o ICMS ainda ostentará alíquotas equivalentes a 60% das atuais. A chance de dar errado é altíssima. Qual é a real intenção de encerrar o referido imposto, se, às vésperas da sua morte, as alíquotas ainda estarão nas alturas? A probabilidade maior, a meu ver, é de que se posterguem os prazos. Alguém proporá, não tenho dúvida, a extensão do período de transição. Escrevam e me cobrem.
Enquanto isso, ficaremos às voltas com a explosão do contencioso tributário, na presença de tributos novos e velhos confluindo para gerar uma miríade de questionamentos relacionados, por exemplo, às exceções, à gestão do imposto, à lógica da fiscalização e do tratamento dos conflitos entre fisco e contribuintes. Isso para listar apenas alguns.
Pergunto, ainda: até agora, mesmo com a Emenda 132 promulgada, não se conhece o sistema que vai a todos governar, por meio do Comitê Gestor, o tal algoritmo superpoderoso. É porque ele não existe, caro leitor. É como a roupa nova do imperador, lembram-se? Aquela que era tão bela e valiosa, mas que na verdade não existia. O rei estava nu, como está esse sistema, que nasce falido, chamado IBS.
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Quero receberPerde-se a oportunidade de uso adequado do precioso tempo do Governo Lula, que começou bem em várias áreas, como na aprovação do Novo Arcabouço Fiscal (Lei Complementar nº 200/2023) e na agenda de recuperação de receitas. Nesta, aliás, destaco o fim da subvenção automática baseada nos benefícios fiscais do ICMS e a tributação dos fundos fechados e dos investimentos offshore.
Finalmente, lembro que 2024 é um ano mais curto, do ponto de visa da atividade legislativa "líquida", dadas a natural atenção e a grande concentração de esforços políticos nas eleições municipais. Vamos aguardar os projetos de lei complementar para voltar à carga com novos artigos neste espaço. Por ora, nada se sabe sobre eles, a não ser o óbvio: não vão funcionar.
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