Feliz 70 anos, La Casserole!
Quando assumi a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, em abril de 2022, me lembro de ter pedido dicas de restaurantes para a turma que já trabalhava ali na região do Centro há mais tempo. O primeiro indicado não foi um restaurante da moda ou coisa assim, mas o La Casserole. Amor à primeira vista, por tudo que contarei a seguir, a título de singela homenagem aos 70 anos desse ícone da história paulistana!
Um ano depois, quando saí da secretaria e passei a trabalhar no Largo da Batata, longe do Largo do Arouche, onde fica o La Casserole, convidei o Bruno, novo amigo, para jantar. Bruno Mota foi quem me sondou, meses antes, sobre a disposição para trabalhar no mercado financeiro. Acabou se tornando um grande amigo. Sugeri o La Casserole e ele me disse: "Esse restaurante é de um grande amigo". São as coincidências instigantes da vida. Conheci, então, o Leo Henry e, por meio dele e do Andrea Matarazzo, outro amigo dileto, cliente do restaurante, fui apresentado à Marie-France.
Marie e Leo comandam o La Casserole. Mãe e filho são a segunda e a terceira geração da mesma família fundadora. O restaurante nasceu pelas mãos de Fortunée e Roger Henry, em maio de 1954. É preciso ter claro: não se trata apenas de um lugar para apreciar o que há de melhor na culinária francesa em São Paulo, mas de um núcleo de pessoas acolhedoras, cujo ofício é, acima de servir almoços e jantares inesquecíveis, encantar os clientes. É nítido que isso vem de longe e tem história.
Quando entro lá, sempre fico imaginando como devia ser divertido e prazeroso sentar-se por ali e conversar com o casal que, por anos e anos, comandou aquele estabelecimento. Dizem que Madame Touna, como Fortunée era chamada, e Roger, dividiam o trabalho, cuidando do salão, da cozinha e da administração, e que o ponto alto era o carinho com cada cliente, que se tornava amigo.
É curioso como os bons sentimentos e propósitos transcendem e suplantam as questões de tempo e espaço. Gosto tanto de estar naquele lugar, que organizei meu aniversário, em fevereiro, no restaurante. Leo e equipe cuidaram de cada detalhe. Minha família e amigos ficaram muito felizes. Uma noite memorável.
Não tenho dúvida de que esse dom é o que faz o sucesso do La Casserole: o zelo da Marie e do Leo, como o de Fortunée e Roger. É a mesma lavra, embalada pelo mesmo sabor, pelas mesmas flores do Largo do Arouche, nas famosas bancas que desde sempre ficam bem em frente ao La Casserole. Isso não muda. Está indelevelmente marcado na alma daquele lugar.
De uma maneira inovadora, mas igualmente amorosa, precisa, por meio das receitas tradicionais, como a do crepe suzette, um manjar dos deuses, ou a das batatinhas soufflées, e de novos pratos e ideias, Marie e Leo continuaram, então, essa história. Mas a inovação que menciono é em razão de uma espécie de tempero dessa gestão de mãe e filho. Para mim, o atrativo maior da experiência do La Casserole.
Ambos mantêm uma preocupação com a comida e com a cidade de São Paulo de uma maneira muito maior do que vocês podem imaginar, caros leitores. E é por isso que minha coluna, hoje, é dedicada a homenageá-los.
São Paulo passa por um dos seus momentos mais desafiadores. A pandemia da covid-19 esgarçou ainda mais o tecido social da capital paulista, sobretudo porque a pobreza, a desigualdade, a fome, a restrição a serviços públicos de saúde, entre outras, mostraram-se mais penosas para aqueles em condição de miséria.
Escrevi sobre isso recentemente neste espaço. O número de pessoas em situação de rua da nossa cidade aproxima-se de 32 mil. A maior parte delas está na região central. É preciso que se diga: não é por falta de recursos, mas por falta de boas políticas públicas que essa situação perdura e se agrava. Faltam, também, carinho, atenção e zelo da parte de cada um de nós. O inferno nem sempre são somente os outros.
Nesse contexto, eis um fato que gostaria de destacar nessa celebração dos 70 anos desse restaurante icônico de São Paulo.
Em 2020, quando o La Casserole completou 66 anos, Marie-France e Leo Henry decidiram fazer o Aniversário Solidário. Distribuíram refeições pelas ruas do Arouche e da região central de São Paulo, mobilizando a comunidade para realizar doações com essa finalidade. A cada vinte reais recebidos, uma refeição era produzida e distribuída para um morador em situação de rua.
A Folha de S.Paulo noticiou, à época, o sucesso da iniciativa, que conseguiu distribuir milhares de refeições, arrecadando quantia suficiente para sustentar o trabalho, no La Casserole, de cerca de 50 famílias. Aquele período foi marcado pelas necessárias restrições à circulação e à abertura dos estabelecimentos comerciais. A inovação e a empatia dessas pessoas e sua capacidade de enxergar que fazemos parte de algo além dos nossos propósitos pessoais ou de nossos negócios privados me deixou ainda mais feliz de ser frequentador do restaurante antes de conhecer essa história (e outras do mesmo veio).
A solidariedade floresceu, de um modo bonito, ali no Arouche, ofuscando até mesmo todas aquelas orquídeas e rosas de encher os olhos avistadas pela janela do La Casserole, do outro lado da rua. Que coisa bela!
É muito curioso como a vida nos reserva momentos de aprendizado para renovar a esperança e nos encher de alegria e de disposição para brigar pelo que realmente importa: dirimir o sofrimento alheio, daqueles que mais dependem do outro. O amor ao próximo é a mais antiga mensagem cristã, ideário tão arraigado na nossa sociedade, cujo matiz principal de sua formação histórico-cultural é justamente esse.
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Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberAndré Franco Montoro, um dos maiores governadores da história de São Paulo, disse: "O cidadão não mora na União. O cidadão não mora no Estado. O cidadão mora no município". Se não cuidarmos bem da nossa casa, do nosso bairro, da nossa comunidade, do nosso município, não cuidaremos bem de coisa alguma.
O sentimento de pertencimento, sobretudo numa realidade ainda tão desigual como a nossa, a brasileira — e a paulistana, em especial — leva à ação. A ação permite bonitas transformações, a partir do setor privado, do governo ou do terceiro setor.
Nessa celebração dos 70 anos do restaurante preferido de tantos paulistanos, paulistas, brasileiros e estrangeiros, espero que possamos comemorar as boas coisas da vida, como as risadas de um jantar inesquecível, o prazer de uma comida bem temperada, a delícia de uma sobremesa com açúcar na medida certa e o prazer de ser bem recebido por figuras como o Moisés (um dos garçons mais gentis dessa cidade, que nos recebe sempre com um sorriso no rosto, por meio de quem homenageio a todos os funcionários da casa).
Mas, sobretudo, que possamos celebrar os bons sentimentos e as boas ações que o trabalho realizado com amor e carinho é capaz de suscitar!
Feliz 70 anos, La Casserole!
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