Felipe Salto

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Opinião

Decisão do STF enseja boa discussão sobre reforma orçamentária

A recente decisão do STF, que confirmou a direção indicada pelas liminares do ministro Flávio Dino, é muito positiva para o debate sobre o equilíbrio intertemporal das contas públicas. A fundamentação é direta: é preciso ter eficiência, transparência e respeito às funções precípuas do poder executivo no processo de alocação de recursos públicos.

Tenho escrito neste espaço sobre a importância de se avançar com uma reforma orçamentária ampla. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101/2000) foi um marco importante na institucionalidade das finanças públicas, mas ainda falta debater e aprovar uma nova Lei Geral de Finanças Públicas.

A atual, a Lei n.º 4.320/1964, data ainda do governo João Goulart. Ela foi recepcionada pela Constituição Cidadã, em 1988, mas está pendente a tarefa de casa de discutir uma nova lei complementar que a pudesse substituir, à luz das inovações das normas de finanças, orçamento e tributação trazidas pela nova Carta.

Há alguns temas fundamentais nessa matéria, que poderiam ajudar a organizar de modo mais racional, técnico, democrático e transparente as finanças do país. No caso das emendas parlamentares, o debate tornou-se mais premente após a decisão do STF.

Ao deparar-se com o modus operandi das emendas parlamentares e com seu aumento, em termos absolutos e relativos, no Orçamento, o STF mostrou que não é possível seguir com emendas, ao mesmo tempo, especiais, do ponto de vista da ordenação das despesas públicas e das prioridades de uso de recursos escassos, e cuja cunha orçamentária representa praticamente o mesmo valor destinado ao programa de investimentos do governo.

Não se deve descartar a importância de emendas para tratar de demandas locais, guarnecer instituições de saúde, colaborar com políticas públicas municipais e fortalecer projetos estruturantes pretendidos pelo governo. Entretanto, não se pode, igualmente, ignorar que a pulverização de uma cifra de dezenas de bilhões que prejudica a lógica de direcionar esforços fiscais e orçamentários para um projeto de desenvolvimento econômico nacional.

O Plano Plurianual (PPA) foi pensado para isto: ser o lugar geométrico das pretensões de médio prazo do Estado brasileiro. Ainda mais, ele deveria ter tanta força e peso quanto a própria Lei Orçamentária Anual (LOA). Não obstante ser vinculante, no sentido de que a LOA deve seguir as programações gerais do PPA, este último é adaptado ao sabor da conjuntura.

É um problema de falta de planejamento a ser corrigido no âmbito de uma reforma orçamentária com objetivo de fixar um padrão mínimo de responsabilidade social, econômica e fiscal. O Orçamento deveria ser o ápice do processo democrático. É a hora da partilha do bolo. Não podemos mais tratar esse assunto com tanto descaso.

As emendas parlamentares poderiam guiar-se por um sistema de avaliação, monitoramento e controle. Em paralelo, a criação de mecanismos permanentes de avaliação ex ante e ex post para cada centavo direcionado seria muito útil. Não há problema em parte da verba seguir servindo ao propósito de guarnecer o custeio e o investimento locais, mas ela não pode representar o cerne da distribuição desses recursos.

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A atuação parlamentar, legítima, desejável e necessária, numa democracia consolidada, poderia estar mais diretamente associada aos objetivos estratégicos do país. O critério regional cabe muito bem nessa proposta.

Obras de infraestrutura com multiplicador econômico elevado, fixadas previamente no PPA, poderiam ser turbinadas pelas verbas dos parlamentares que exercem sua liderança política sob uma lógica também regionalizada. É possível repensar o sistema atual seguindo essa nova lógica; na verdade, resgatando o espírito do legislador constituinte.

O desafio é grande, porque o volume de emendas atingiu um patamar historicamente alto, de cerca de ¼ do volume total de despesas não obrigatórias, ditas discricionárias. As discussões não podem tomar um rumo unilateral, evidentemente. Ao contrário, os atores relevantes têm de ocupar seus lugares à mesa para travar um debate republicano, justo e, sobretudo, orientado pela premissa mais importante: como financiar adequadamente o desenvolvimento do país.

Em oposição aos pessimistas de plantão, entendo que a atuação do STF, correta e tempestiva, poderá ensejar um debate estrutural como há muito não se via no país. A organização das contas públicas passa, necessariamente, por uma melhor regulamentação e normatização da lógica das emendas ao Orçamento público.

Não custa lembrar que vivenciamos, neste momento, um quadro fiscal pouco trivial. A meta fiscal deste ano deverá ser cumprida, pelas nossas contas na Warren, usando-se a banda permitida por lei e considerando-se que os gastos do Rio Grande do Sul são extra regras fiscais. Para o ano que vem, contudo, o desafio de melhorar as contas primárias continuará vivo. Nesse aspecto, o debate das emendas será providencial para contribuir com um regime orçamentário mais transparente e eficiente.

Dinheiro público é coisa séria e deve ser tratado com cuidado redobrado. É hora de discutir temas difíceis, mas por que não dar um voto de confiança às nossas lideranças políticas? O STF, uma vez provocado para opinar, iniciou o processo.

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Agora, como disse o também colunista do UOL Tales Faria, a pasta de dente já saiu do tubo. Vejamos a nossa capacidade, enquanto coletividade, de construir um novo modelo para esse tema.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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