Felipe Salto

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Opinião

É preciso reformar o RH do Estado brasileiro

A discussão sobre a limitação dos chamados supersalários é bem-vinda. O problema é o tratamento superficial dessa temática. O Estado precisa ser probo, eficiente e remunerar a contento os servidores públicos. Por outro lado, deve bloquear iniciativas de quem almeja enriquecer no setor público. O lugar para isso é o setor privado.

Quando fui secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, em 2022, testemunhei o elevado nível da burocracia permanente e mesmo dos servidores comissionados da máquina estadual. Destaco sempre o impressionante nível técnico dos auditores fiscais da Receita Estadual e dos procuradores, por exemplo.

Ocorre que enfrentei uma dificuldade enorme para remunerar melhor aqueles que assumem mais riscos, que estão à frente de postos que exigem uma dedicação, não raro, de 14 horas por dia. Isso sem mencionar funções que requerem um comprometimento pessoal gigantesco e riscos jurídicos, dado que cada um responde pelos seus atos praticados, resoluções e documentos assinados.

Observe, leitor, portanto, que não se trata, meramente, de afirmar: vamos cortar os penduricalhos e moralizar o serviço público. Há sempre soluções fáceis para problemas complexos e que se comprovam rapidamente erradas.

O então Ministro da Reforma e Administração do Estado, Luiz Carlos Bresser-Pereira, no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, conduziu uma importante modernização do aparelho do Estado. Criou a carreira de gestor, melhorou e reorganizou as remunerações, deu publicidade a elas, inclusive, e fortaleceu a Escola Nacional de Administração Pública. Essa agenda precisa ser resgatada.

Algumas perguntas têm de fundamentar o diagnóstico que eventualmente catapulte uma nova reforma de fôlego. Levanto alguns pontos importantes:

  • Como combater os exageros e enquadrar vantagens pessoais, indenizações e outros penduricalhos numa regra que faça sentido do ponto de vista do estímulo à conduta eficiente dos servidores em todos os Poderes?
  • Quais as carreiras de Estado, na conformação atual das administrações públicas pelo mundo e no caso brasileiro?
  • Como diferenciar os servidores que desejam tomar mais e maiores riscos e colaborar para a execução de projetos fundamentais à melhoria das políticas públicas nas mais diversas áreas?
  • Como tornar o Estado mais ágil e eficaz, para que possa responder aos anseios da sociedade, sobretudo das parcelas que tanto dependem do Poder Público?
  • De que maneira fazer cumprir os preceitos da responsabilidade fiscal, evitando gastos irresponsáveis, mas garantindo e viabilizando o avanço da ação do Estado?

A meu ver, são estes os pontos fundamentais. Por aqui, com a tal PEC aprovada pelo Congresso, estamos começando pelo lado errado e de maneira torta.

Evidentemente que discutir apenas os penduricalhos remuneratórios não vai lograr bom resultado. Os lobistas de plantão já se mexeram para garantir suas explorações históricas de estamentos estatais, verdadeiros nichos privados para beneficiar certas castas do serviço público.

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Não dá para ser assim. A reforma do Estado que vale a pena - e dará trabalho fazer isso - é aquela que combina legitimidade política e social, responsabilidade social e eficiência da ação do Estado. Eis as premissas basilares.

Não adianta enfrentar, de peito aberto, a título de exemplo, os setores do Poder Judiciário que hoje convalidaram múltiplos benefícios para si próprios com as bênçãos deles mesmos. A esse respeito, o Estadão fez um bom editorial. Mas é preciso inteligência para colocar o dedo nessa ferida aberta.

A verdade é que não existe um teto remuneratório como preconiza a Constituição Cidadã. A elite burocrática, no bom sentido da palavra, não pode fingir que respeita o teto e ao mesmo tempo usufruir de benefícios, em muitos casos, não legítimos. A saída da remuneração obtida em conselhos de estatais é um paliativo necessário. Hoje não há outro meio de motivar a que os melhores quadros das boas carreiras, das realmente essenciais, ocupem cargos de risco elevado, tão fundamentais à elaboração e à execução dos planos de governo nas três esferas da Federação.

Aliás, os conselhos não consistem em atividades isentas de responsabilidade, importância e alto risco, em muitos casos. Demandam atuação diligente, tempo e dedicação técnica à altura, vale dizer.

Dar cabo à hipocrisia pode ser um bom começo. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal de ratificar a possibilidade de contratação pelo regime da CLT é uma boa flexibilização derivada da Emenda Bresser-Pereira. Mas é pouco.

A remuneração precisa ser pensada à luz das novas metodologias e tecnologias disponíveis para introduzir maior inteligência nesses quesitos. Como usar eficientemente os recursos humanos, avaliar bem o seu trabalho e resultado e promover bem-estar, quem sabe até com economias importantes ao Erário? Essa é a pergunta ótima, no sentido de ideal, a ser feita constantemente.

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Vamos regulamentar a remuneração que se possa conceber para cargos de chefia e funções de alto risco e responsabilidade. A meu ver, é o caminho. Não sejamos ingênuos de imaginar que as remunerações hoje dependuradas nos orçamentos públicos vão sumir. Lembremo-nos de que os Poderes são autônomos e isso sempre poderá ser um obstáculo a iniciativas atropeladas e não construídas coletivamente, pelas mãos de todos os envolvidos.

Uma avenida de mudanças importantes poderia ser pavimentada com seriedade e a partir das boas experiências do passado recente. Reinventar a roda é bobagem e vai fazer água, haja vista os textos obscuros já inseridos na mencionada PEC do combate aos supersalários.

Ou enfrentamos o problema com os adultos sentados à mesa, sob a liderança do governo federal, ou podem esquecer qualquer melhoria nessas questões tão caras à vida de todos nós.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do informado em versão anterior deste artigo, Bresser-Pereira não criou a Escola Nacional de Administração Pública, mas a fortaleceu. O texto foi corrigido.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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