José Paulo Kupfer

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Opinião

Receita de janeiro aponta tendência de alta, mas marcha no ano é incerta

Na série de "surpresas", em geral positivas, com o desempenho da economia brasileira, de meados de 2023 até aqui, a mais recente foi o volume da arrecadação em tributos pelo governo federal em janeiro. O total arrecadado somou R$ 280 bilhões, o que representa recorde absoluto para resultados mensais desde que a atual série de registros teve início, já lá se vão quase 30 anos, em 1995.

A composição dos tributos que levaram ao recorde de janeiro incluiu muitas receitas novas ou atípicas. Por isso, nem mesmo na Receita Federal se considera que o resultado de janeiro já seria suficiente para indicar uma tendência para a marcha da arrecadação ao longo de 2024.

Discussão da meta pode ser adiada

Ainda assim, o resultado positivo acionou revisões das previsões para as contas públicas em 2024. De um déficit primário de 0,8% do PIB no ano, rompendo a meta de equilíbrio entre receitas e despesas perseguida pelo governo, as estimativas para o déficit estão recuando até 0,5% do PIB.

Efeito prático dessas revisões pode ser o de adiar para maio o encontro com a verdade da meta de superávit fiscal primário de 2024, antes esperado para fins de março. É possível que uma melhora na arrecadação, na esteira do bom resultado de janeiro, evite a necessidade de contingenciamento de gastos em fins de março, e jogue mais para frente a decisão de alterar ou não a meta de déficit zero.

O fato é que, depois de uma queda livre entre o segundo semestre de 2022 e o fim do primeiro semestre de 2023, a arrecadação federal se estabilizou na segunda metade do ano passado e acelerou no fim do ano. Em janeiro de 2024, a alta, em termos reais, já descontada a inflação, foi forte, equivalente a um incremento de 6,7% sobre janeiro de 2023.

A parcela da arrecadação administrada pela Receita Federal — Imposto de Renda, Previdência Social, contribuições sobre lucro da empresas, PIS/Pasep, Cofins etc — subiu ainda mais em janeiro. O avanço chegou a 7,1%, também em termos reais.

Receitas "atípicas"

Parte dessa aceleração veio de receitas "atípicas". Uma delas foi o recolhimento de tributos sobre fundos de investimentos exclusivos, que antes não eram taxados, e o governo deu incentivos à antecipação do acerto de acordo com a nova tributação. A reoneração dos combustíveis, que tinham sido dispensados de impostos no esforço do ex-presidente Bolsonaro para driblar a inflação, às vésperas das eleições presidenciais de 2022, também contribuiu para elevar a arrecadação.

Sem essas contribuições, de todo modo, a arrecadação em janeiro avançou 4,3% em termos reais. Esta é uma indicação de que a atividade econômica, embora em ritmo ainda modesto, registrou alguma melhora, em relação às projeções anteriores, a partir do último trimestre de 2023.

A tendência é de que a economia continue a progredir, igualmente em níveis modestos, no restante do ano, com a ajuda, por exemplo, da gradual redução das taxas de juros básicas. A também previsão de novos recuos na inflação, contudo, se confirmada, será um fator de restrição ao aumento da arrecadação.

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Mercado de trabalho ajuda na arrecadação

Um das causas para o aumento da arrecadação em janeiro tem origem no mercado de trabalho mais aquecido. Com o desemprego em queda, é natural que aumentem as contribuições previdenciárias e os recolhimentos do Imposto de Renda, sem falar no impulso ao consumo, que, no fim da linha, se traduz em mais arrecadação de tributos.

Ainda não se sabe como se comportarão as mudanças em regimes tributários aprovados ainda no passado — caso da taxação dos fundos offshore, dos juros sobre capital próprio e das transferências de mercadorias entre parceiros no exterior. Mas é certo que contribuirão para aumentar a arrecadação.

Na busca para elevar a receita pública, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está com uma agenda carregada de medidas em negociação com o Congresso. São, obviamente, fontes incertas de aumento de receitas públicas, pois dependem de negociações difíceis com um Congresso de maioria conservadora, inclusive em questões tributárias, com parlamentares que rezam pela cartilha de um ajuste fiscal feito com corte de gastos, e não aumento de carga tributária.

Medidas fora dos holofotes

Nem tudo que consome dinheiro público, sob a forma de perda de receitas, e Haddad quer barrar, está nos holofotes. Um exemplo são as compensações tributárias, cujo pagamento o governo pretende limitar e parcelar.

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Compensações tributárias são valores que os contribuintes consideram ter recolhido ao fisco mais do que o devido, para os quais pedem ressarcimento na Justiça. Também as compensações escalaram de pouco mais de R$ 80 bilhões, em 2017, quando representavam 1,2% do PIB, para quase R$ 250 bilhões, em 2023, equivalentes a 2,3% do PIB.

Espaço para ampliar receitas

A limitação das compensações tributárias pretendida por Haddad fazia parte da Medida Provisória que reonerava a folha de pagamento de setores antes beneficiados e que foi rejeitada pelo Congresso. Está sendo negociada, sem alarde, mas com prioridade pelo governo, no projeto de lei que tratará da reoneração da folha de pagamento.

Existe um amplo corredor para acomodar gastos, no rumo de um ajuste fiscal, sem pressões sobre a dívida, ou mesmo com superávits primários, a partir da revisão de uma enorme lista de gastos tributários que foram se acumulando ao longo dos anos. Sob a forma de benefícios fiscais — isenções ou reduções de tributos —, nem todos oferecendo as contrapartidas esperadas, somam hoje mais de R$ 650 bilhões anuais, imenso volume de recursos equivalente a 6% do PIB.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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