Desinformação sobre 'taxação do pix' reflete país acostumado a sonegar
O atual tsunami de desinformação em torno da "taxação do pix", falando claro e direto, é reflexo de uma sociedade e de um país acostumados a sonegar.
Qualquer avanço na fiscalização é sempre recebido com paus e pedras por ricos e pobres. É o que está ocorrendo também agora, quando o governo resolveu lembrar aos cidadãos de que dispõe de ferramentas cada vez mais eficientes para identificar os dribles na legislação tributária.
Desinformação de todos os lados
Na inundação de fake news sobre tributação do pix e outras inverdades, misturaram-se desinformados de boa-fé, gente interessada em tumultuar a ação do governo e até o próprio governo Lula.
Isso mesmo, o próprio governo se defendeu com uma meia verdade. Acusado de aprimorar a fiscalização para recolher mais impostos de pequenas empresas e da classe média, o governo, pela palavra do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, soltou um desmentido que não corresponde à realidade.
Haddad afirmou que o volume de transações informadas, em lugar de aumentar, vai diminuir porque o valor mínimo das operações com exigência de informação à Receita Federal pela instituição financeira aumentou de R$ 2 mil para R$ 5 mil.
É difícil acreditar que o volume total em reais de operações com exigência de informação à Receita vá cair com o aumento do limite mínimo. Se as novas normas mantivessem não ampliassem o número e o tipo de instituição financeira obrigada a reportar, de fato, o volume de recursos informados seria menor.
Ocorre que haverá ampliação do número e dos tipos de instituição financeira obrigadas a reportar. Se ampliou o limite, a Receita também ampliou o universo de instituições antes dispensadas da exigência que agora serão obrigadas a informar. Operadoras de cartão de crédito, fintechs, plataformas de pagamento e bancos digitais se juntam agora aos bancos tradicionais que já eram obrigados a informar movimentações a partir de um certo valor.
Resumindo, são milhões de novas operações que serão agora informadas à Receita. Não é crível que o volume total que agora terá de ser informado se reduza em relação ao que já era informado.
O governo pode ter divulgado uma inverdade, contribuindo para a avalanche de desinformação reinante, sem necessidade. Afinal, é sua obrigação coibir a sonegação e cobrar o recolhimento correto dos tributos devidos, de acordo com a legislação vigente. Não custa lembrar que sonegar é crime do qual ninguém está isento — nem mesmo pequenos prestadores de serviço, por mais pobres que sejam.
O mais incrível nessa história da "taxação do pix" é que não se trata de uma novidade. Enquadrar na chamada "malha fina" o contribuinte que não comprova a origem dos recursos para os bens lançados na declaração anual de ajuste do Imposto de Renda, ou, simplesmente, não comprova abatimentos, como os com despesa médica, é ação corriqueira da Receita.
Gambiarras
Sonegar é um outro lado do histórico e famoso "jeitinho brasileiro", do qual muitos ainda hoje se orgulham. Entre outros inúmeros defeitos, o "jeitinho" e a sonegação exigem a aplicação de esforços extras para chegar a resultados piores do que seriam possíveis alcançar apenas cumprindo a lei. O intensivo recurso a gambiarras é uma das razões para a renitentemente baixa produtividade da economia brasileira.
Para muitos, inclusive e em especial, pequenos prestadores de serviço — aquele imenso contingente de gente se virando como pode sob a capa do empreendedorismo —, a sonegação surge como meio de sobrevivência. Com custos altos e produtividade baixa, a saída que se apresenta é em salvar "algum" operando sem recibos ou comprovantes. Trata-se, porém, de um caminho seguro para decepções e fracassos.
Nenhuma razão torna a sonegação uma coisa positiva. Se acaba beneficiando alguns, prejudica a sociedade como um todo, e principalmente os mais pobres. Tanto quanto o governo deixa de arrecadar com o recolhimento obrigatório de tributos, menos recursos estarão disponíveis para programas sociais, segurança e transporte públicos, Saúde e Educação e outras obrigações do Estado.
Um outro ponto que muitos estão esquecendo é a sonegação acaba exigindo aumento de carga tributária para quem não sonega. A carga brasileira, que é, bom lembrar, muito desigual e regressiva, onerando mais quem pode contribuir menos, é alta também por este motivo.
Vejam o que ocorreu com a reforma tributária do consumo, em 2024. Grupos de pressão enfiaram isenções de seus interesses a torto e a direito e disso resultará uma alíquota padrão mais elevada, das mais altas do mundo. O que era, se tantas isenções e reduções de alíquotas não tivessem sido aprovadas, para ter alíquota padrão de 22%, vai para 27% ou mais.
A sonegação, no fim da linha, acaba igualando traficantes, contrabandistas e outros contraventores, que obtém renda à margem da lei, ao cidadão que trabalha na informalidade ou por conta própria e não faz o devido recolhimento dos tributos relativos a seus rendimentos. Cada vez mais, na falta de comprovação da origem de recursos para os bens que adquire ou serviços que consome, a vida desses cidadãos terá de correr numa via paralela e subterrânea. Esse curso paralelo traz custos e riscos muito maiores.
Fiscalizar é obrigação
Aprimorar a fiscalização é uma obrigação governamental e seu principal sentido é o de que tanto os ônus quanto os benefícios da vida em sociedade sejam divididos por todos, de acordo com sua capacidade de contribuição. Combater a sonegação é também uma forma de impedir concorrência desleal, que distorce o funcionamento dos mercados e condena a economia a um menor dinamismo.
Nas democracias, governantes que não agem com o objetivo de coibir a sonegação não deveriam merecer o sufrágio das urnas. Ao fechar os olhos para os dribles, colaboram para a desqualificação da sociedade e para transformá-la numa terra de ninguém, cada um por si, como der e puder. O final desse enredo, não adianta se enganar, não é bom, e só beneficia uns poucos do andar de cima, capazes de se isolar da massa que rala para se manter acima da linha d'água.
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