José Paulo Kupfer

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Opinião

Recuo nas regras de fiscalização traz risco de incentivo à sonegação 

A revogação da instrução normativa que ampliava o acompanhamento e a fiscalização sobre movimentações financeiras, numa primeira avaliação, é um recuo equivocado do governo. Cedeu à onda de desinformação e, pode-se quase apostar, não vai ganhar nenhum reconhecimento por isso.

Depois da revogação da medida, uma primeira interpretação torta já ganhou as redes sociais: se era fake news que ia taxar o Pix, por que a revogou?

Não haveria taxação do Pix porque receber informação de movimentações financeiras não significa, em hipótese alguma, tributar essas movimentações, como insiste uma das muitas inverdades sobre o tema. Não existe CPMF — esta sim uma tributação sobre movimentação financeira — e há regras legais que tornam sua volta muito difícil.

O governo Lula está agora na obrigação de apertar o combate à sonegação, sob risco de se tornar incentivador dos dribles na legislação tributária. São vários os riscos que a volta atrás, sob pressão de redes sociais, podem trazer.

Um deles, entre muitos, por exemplo, é distorcer o mercado bancário. Ao voltar a isentar bancos digitais, plataformas de pagamento e operadores de cartão de crédito, de prestar informações à Receita sobre movimentações de seus clientes, criam-se duas categorias de instituições financeiras.

A sonegação, assim como uma infinidade de isenções e regimes privilegiados, produz distorções generalizadas na economia e na sociedade. Concorrência desleal e uma saída fácil para a incompetência e a baixa produtividade são algumas dessas distorções. A diferença é que a sonegação é um drible tributário ilegal e as isenções são amparadas por leis.

Se alguns conseguem driblar a legislação tributária, o peso da carga tributária sobre os demais será, obviamente, maior. Isso ficou claro recentemente, na regulamentação da reforma tributária do consumo.

Variados grupos de interesses conseguiram, no Congresso, isenções e reduções de alíquotas para os bens que produzem ou serviços que prestam. O resultado é que a alíquota padrão, desenhada para ficar em torno de 22%, vai bater no mínimo em 27%, ocupando o desonroso lugar de a mais alta do mundo.

Um festival de justificativas que não se justificam foi invocado, na esteira da insatisfação com a "cobrança de mais impostos". Uma das mais comuns foi a "preocupação" com ambulantes, vendedores de farol de trânsito, camelôs e outros que se viram à margem das leis. É mais do que evidente que jamais somariam renda líquida tributável para serem taxados, ainda que, eventualmente, pudessem movimentar mais recursos do que os limites mínimos mensais. Trata-se aqui do velho estratagema de invocar preocupação com os pobres para safar-se a si mesmo.

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Outra justificativa apontava a falta de retorno em serviços públicos para o sufoco tributário imposto pelo governo. "Saúde, educação e segurança zero é o que recebemos em troca", eis um resumo do argumento no mínimo muito exagerado para descumprir regras tributárias. Dedo apontado para mordomias dos Três Poderes, supersalários, sigilo em cartões corporativos também foram usados para justificar a sonegação.

A balela de que os brasileiros trabalham quatro ou cinco meses do ano só para pagar impostos, um modo dramático de dizer que pagam impostos demais, mas muito impreciso diante da carga tributária ultra-desequilibrada, foi outra que entrou na festa das justificativas para, no fim da linha, dar um ar de resistência civil à sonegação. Bom lembrar que, em 2024, apenas 20% dos brasileiros em idade de trabalhar apresentaram declaração anual de ajuste do IR.

Ao ceder a pressões de redes sociais, sem razão concreta para isso, no fim de tudo, o governo Lula avançou para a beira de um abismo. A pergunta que fica agora é: quanto mais e em que circunstâncias, Lula vai ceder a pressões alimentadas por desinformações?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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