Mariana Grilli

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Opinião

Mudança climática: Agropecuária deve ter prejuízo bilionário em agosto

Recentemente, estive viajando entre os estados de Mato Grosso e Pará. Dizer que a paisagem estava lamentável e a sensação era de claustrofobia não é um exagero, diante de tantas queimadas que cercavam a rodovia. Somente em agosto, até a presente data, os dois estados somam 20.889 focos de incêndio, de acordo com o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Por aquelas bandas, é inevitável reparar que áreas recém queimadas viram palco para o gado. O setor da pecuária pode torcer o nariz para a afirmação, mas é a realidade. Em muitos casos, os animais parecem comer terra pura, pois a pastagem nem se refez ainda, mas o rebanho já está lá. O boi pode ser o laranja da criminalidade da terra. E um problema que, a princípio, é fundiário e ambiental, vira ônus para todo o agronegócio e à economia.

O município que lidera a aparição do fogo é Novo Progresso (PA), conhecido pela conversão de áreas de floresta para uso agropecuário. Entre 2006 e 2022, o PIB municipal cresceu 230,9%, conforme dados da Câmara Municipal, resultado da expansão da agropecuária, garimpo e construção civil. Vale lembrar que fazendeiros de Novo Progresso estavam envolvidos no episódio que ficou conhecido como o "Dia do Fogo", em agosto de 2019.

Prejuízos para o país

O contexto é importante para entender que, embora nem todos os atores do agronegócio corroborem com as queimadas, a expansão da agropecuária a "qualquer custo", na realidade, custa caro para o país.

De acordo com dados preliminares da Confederação Nacional de Municípios (CNM), a estimativa é de que as queimadas somem prejuízos de, ao menos, R$ 38 milhões ao país, somente no mês de agosto. Deste valor, R$ 13,6 milhões recaem sobre a agricultura e R$ 9,2 milhões na pecuária. Na ponta do lápis, chega a ser impraticável calcular os investimentos perdidos em sementes, adubos, combustível, suplementação para pastagem, vacinas, e tantos outros insumos.

"Do ponto de vista ambiental, a Confederação aponta que os impactos com a perda da biodiversidade do país são incalculáveis. No aspecto financeiro, os danos e prejuízos ainda estão sendo mensurados pelas gestões municipais", informa a CNM, em nota.

Em São Paulo, as queimadas criminosas que destruíram produções de cana-de-açúcar, grãos, café e pecuária devem somar prejuízos de R$ 1 bilhão ao setor, conforme estimou o governador Tarcísio de Freitas. Cinco pessoas foram indicadas como autores dos incêndios, apesar de a legislação sobre a queima da cana-de-açúcar no estado ser regulamentada pelo Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético e pela Lei nº 11.241/2002.

Quando o assunto são as mudanças climáticas em geral, a CNM calcula que o país tenha perdas de R$ 6,7 bilhões, incluindo as enchentes no Rio Grande do Sul e a estiagem no Norte.

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Em relatório publicado na quarta-feira, 27, a XP Investimentos destaca que incêndios, altas temperaturas e escassez de água são os maiores riscos para quem investe no agronegócio. "Estes fatores afetam particularmente as produtividades dos produtores agrícolas (SLC e Brasil Agro) e consequentemente a demanda pelos produtos dos players de insumos agrícolas (3Tentos, Boa Safra, Vittia e AgroGalaxy)", indica o boletim.

Fogo: ultrapassado e poluidor

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) se reuniram nesta quarta-feira, 28, e discutiram o avanço de políticas públicas para substituir o uso do fogo, já que é uma técnica antiga, mas ainda permitida por lei - a exemplo da nova Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, aprovada em julho.

"[O fogo] tem que ser extinto de fato, porque não faz sentido nem do ponto de vista ecológico, nem agronômico. Você queimar a matéria orgânica é uma coisa impensável, temos que manter a matéria orgânica no solo para conseguir os nutrientes para as plantas. Então temos que avançar na substituição do uso do fogo por algo mais estratégico, além de trabalhar na conscientização dos agricultores", afirma Moisés Savian, secretário de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do MDA.

Enquanto isso, o Observatório do Clima encaminhou ao governo brasileiro uma proposta para que o país diminua as emissões de gases de efeito estufa em 92% até 2035, se quiser contribuir para limitar o aquecimento do planeta em 1,5º C. O desmatamento, as queimadas e a emissão de gás metano emitido pela pecuária são fatores relevantes para o Brasil ser um grande poluidor.

Além da eliminação do desmatamento, sobretudo ilegal, Renata Potenza, especialista de políticas climáticas do Imaflora, defende uma política nacional de rastreabilidade, a fim de saber sob quais condições os grãos e o gado são produzidos.

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"Para o setor da agropecuária, um dos grandes potenciais para reduzir as emissões está na remoção do carbono da atmosfera pelo solo, pois solos bem manejados têm esse potencial. Outra alternativa é o abate precoce do bovino, pois isso reduziria de forma substancial a emissão de metano", ela exemplifica. E complementa que nada disso é "reinventar a roda", porque o país já sabe como colocar as ações em prática.

No entanto, a realidade é que as mudanças do clima já afetaram a safra de arroz e agora devem influenciar o açúcar e o etanol. Grãos e carne também entram na conta da possibilidade de uma cesta básica mais cara. Quem paga a conta do clima é o cidadão.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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