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Mariana Londres

REPORTAGEM

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Carvão polui, mas indústria diz que gera empregos e não pode ser abandonado

Do UOL, em Brasília

14/01/2023 04h00

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Foco do novo governo, a transição energética é vital, mas carrega riscos. A situação da Alemanha, refém das suas escolhas para energia, sinaliza que por aqui também não poderemos abrir mão dos fósseis, petróleo, gás natural e até o carvão mineral, de uma hora para outra, sob vários riscos:

  • Geopolíticos: A globalização elevou os riscos geopolíticos como a segurança do abastecimento de energia, como estamos vendo agora na Guerra da Ucrânia;
  • Aumento de custos: Alemanha apostou nos renováveis e no gás da Rússia e hoje sua energia está mais cara. O Brasil precisa de energia barata para respeitar a modicidade tarifária;
  • Desemprego: Acabar com a indústria fóssil sem planejamento pode gerar desemprego;
  • Insegurança energética: Parte da energia renovável, solar e eólica, além de ser intermitente depende de minerais tanto para instalação (exemplo parque eólico) quanto das baterias.

Nesse cenário de riscos da transição energética, a indústria de combustíveis fósseis defende que se acelere a regulamentação tanto do mercado quanto da captura de carbono. Ter uma matriz diversificada mantendo os fósseis, mesmo que em patamares mínimos, e nessa transição, descarbonizar as cadeias.

Patinho feio entre os fósseis pelo alto grau de emissões, jurado de morte entre especialistas em mudanças climáticas, o carvão mineral foi fundamental durante a industrialização, mas foi substituído por outros fósseis menos poluentes. No Brasil, corresponde a menos de 2% da matriz elétrica (dados da Aneel), mas tem polos importantes em algumas regiões (CE,SC e RS). O presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral, Fernando Zancan, conversou comigo. Ele defende que os legisladores acelerem a regulamentação do mercado e captura do carbono.

"Transição energética justa é sair do mundo de alto carbono, para o mundo de baixo carbono e o justo é na transição não destruir valor econômico e nem social. Por isso, para os fósseis precisamos descarbonizar. Temos o pré-sal que terá que ser descarbonizado por lei até 2026 e temos o carvão mineral. Precisamos regulamentar a captura e o armazenamento de carbono".

Especificamente na cadeia do carvão mineral, ele explica como é feita a descarbonização.

"Na chaminé de uma usina térmica, ao fazer combustão de carvão, 12% dos gases que saem são CO2, que eu tenho que tirar. Há processos desde a década de 30, físicos e químicos. Pode-se usar esse CO2 para gaseificar água, fazer metanol e a grande massa você tem que devolver em áreas geológicas, áreas de carvão, poços de petróleo e gás exauridos, aquíferos profundos".

Após a captura de CO2 das emissões da queima do carvão mineral, Zancan defende a produção de hidrogênio azul e cita o Japão, que usa hidrogênio azul da queima do carvão na Austrália. Aepsar do hidrogênio azul ser considerado um gás de baixo carbono, ele é controverso por ser obtido pela queima de combustíveis fósseis.

O governo Lula tem se mostrado alinhado com a demanda da descarbonização. Ele criou uma nova secretaria para se dedicar exclusivamente à transição energética (de Planejamento e Transição Energética dentro do Ministério de Minas e Energia). Na posse, o ministro Alexandre Silveira enfatizou que o futuro da geração de energia deve se guiar rumo "à inovação e ampliação das fontes renováveis aliada a tecnologias de armazenamento e hidrogênio de baixo carbono".

O marco legal para a captura de carbono já está em discussão no Congresso Nacional, mas ainda não foi aprovado. O projeto de lei 1425/2022 cria regras para a exploração da atividade de armazenamento permanente de dióxido de carbono de interesse público, em reservatórios geológicos ou temporários, e seu reaproveitamento. O texto é de autoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN), indicado para a presidência da Petrobras. A estatal também deve se beneficiar de um mercado regulado de captura de carbono.

Conversei com Gustavo Luedemann, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).e coordenador da sub-rede de Políticas Públicas da Rede Clima. Ele defende a regulamentação do mercado de carbono e da captura do carbono, mas é contrário à manutenção da cadeia do carvão mineral, mesmo descarbonizada.

"Além da questão de mudança do clima, pois o carvão é muito intensivo na emissão de gases de efeito estufa, como o CO2, ele também é um grande emissor de gases poluentes locais e o quanto pudermos não usar o carvão é melhor, pois é a energia mais suja que existe. O Brasil não depende do carvão e o ideal é estabelecer um prazo para encerrar as atividades do setor. A captura e o armazenamento do carbono são essenciais para outros fósseis, mas para o carvão, se for cobrada a emissão, ele não vai mais ser competitivo. Especialmente se ele pagar pelos gases do efeito estufa e pelos poluentes locais".

Luedemann concorda que não podemos abrir mão dos fósseis de repente na transição energética.

"Do dia para a noite a gente não consegue abrir mão dos fósseis. Sabemos do impacto, por exemplo, de sobretaxar a gasolina da forma como ela é necessária hoje. Precisa ter um planejamento de políticas públicas e sabemos que precisa haver segurança energética, mas já há alternativas desenhadas".

Também conversei com Maurício Tomalsquim, que comandou o GT de Energia durante a transição de governo. Ele já foi presidente da Empresa de Pesquisa Energética e hoje está na academia. Ele me disse que do ponto de vista energético, o Brasil poderia e deveria acabar com a exploração do carvão mineral hoje, pois o carvão representa um percentual mínimo da matriz e o seu fim não comprometeria o sistema. Mas, do ponto de vista regional e social, especialmente dos empregos, ele concorda que não se pode acabar com uma cadeia de uma hora para outra. É preciso fazer uma transição nas regiões para outra atividade econômica, mas sem explorar carvão. "O Brasil não pode perder a oportunidade de fazer a transição energética e estar na vanguarda. Ele tem que liderar esse processo".