Ouro e tráfico: Por que aviação ilegal é forte na Amazônia? Veja aeronaves
Todos os anos, diversas aeronaves são apreendidas por envolvimento com o crime organizado na região da Amazônia. Na maioria das situações, aviões e helicópteros irregulares são usados para operações de garimpo ou de tráfico de drogas. A FAB (Força Aérea Brasileira) mantém um banco de dados com os voos ilegais realizados, mas não compartilha essas informações com outras instituições, como o MPF (Ministério Público Federal) ou a PF (Polícia Federal), segundo revelado por reportagem exclusiva do UOL.
Entenda quais aeronaves são usadas e por que a aviação é tão forte nos crimes usados na região.
Deslocamento
Uma das principais formas de transporte na região é a modalidade aérea. Seriam necessários diversos dias para se deslocar no meio da floresta por via terrestre ou pelos rios.
Voos acontecem a baixas altitudes, próximos ao solo ou à copa das das árvores. O objetivo é fugir de radares e de sistemas de monitoramento que possam identificar os voos irregulares.
Quais são as aeronaves?
Entre as aeronaves utilizadas e apreendidas na região se destacam:
Helicópteros
- Bell 206
- Robinson R44
Aviões
- Cessna 206
- Cessna 182
- Cessna 210
Por que essas aeronaves?
Aeronaves a pistão são as preferidas. Elas tendem a ter maior capacidade de operar com certa performance em pistas curtas e sem preparo, como as do garimpo.
Sua manutenção é relativamente mais fácil. Isso se deve ao fato de que esse tipo de aeronave é encontrada em larga escala no mercado, o que facilita o acesso a peças e profissionais capacitados.
Modelos a jato são mais complexos e chamam mais a atenção. Ainda, o fato de aviões modelos citados terem asa alta, ou seja, acima do corpo da aeronave, traz algumas vantagens nesse tipo de operação:
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Qual a origem?
Embora existam muitos aviões legalizados operando nesse ramo na região, nem sempre é isso que ocorre. Segundo Allan de Abreu, jornalista e autor do livro "Cocaína: A rota caipira" (Editora Record, 826 páginas), grande parte dessas aeronaves são roubadas ou furtadas, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Normalmente, esses aviões são levados para os países vizinhos e passam a entrar nessa rota no Paraguai, principalmente na região de Pedro Juan Caballero, onde há muitas pistas clandestinas, e na região de Santa Cruz de La Sierra (Bolívia)
Allan de Abreu
Adaptações
Essas aeronaves costumam ser adaptadas. Elas passam, muitas vezes, por procedimentos fora do Brasil de maneira irregular antes de voltarem para servir ao crime.
Aumento da capacidade de carga é a principal alteração. Com isso, assentos e outras partes não fundamentais são retirados para caber itens como:
- Combustível
- Alimentação
- Roupas
- Ferramentas
É comum que os aviões transportem pesos acima do limite. Isso coloca em risco o piloto, os passageiros e pessoas em solo.
Quanto custam os voos?
Segundo conversas de WhatsApp às quais o UOL teve acesso, o fretamento de voos realizados de maneira irregular em alguns trechos custa entre R$ 8.000 e R$ 9.000. Isso se refere à operação no garimpo, e não há um valor exato, podendo oscilar de acordo com diversos fatores, como carga, distância, entre outros.
Durante a operação Escudo Yanomami 2023, a cobrança aumentou. Diante do cenário de fuga após terem o cerco fechado pelas autoridades, garimpeiros se revoltaram com pilotos que estariam exigindo até R$ 15 mil por pessoa para voos para fora da região.
"Não existe piloto ruim ou mediano em garimpo ou no tráfico. Eles têm de ser acostumados com as piores condições", afirma Abreu.
O uso dessas aeronaves, muitas em empresas regulares, mostra que garimpo na Amazônia hoje não é mais algo caseiro, com o pequeno garimpeiro com sua peneira na beira do rio. Mas, sim, é uma coisa grande e financiada por grandes investidores
Allan de Abreu
Tráfico de drogas
No tráfico, o valor pago pelos voos pode ultrapassar as centenas de milhares de reais. Geralmente, os voos com pasta base de cocaína ou outras drogas partem de outros países na América do Sul, como Colômbia, Paraguai e Bolívia.
A partir destes locais, os aviões são carregados com cerca de 400 kg a 500 kg de cocaína, por exemplo. A partir dali, voam rumo à região da rota caipira, compreendida entre o interior de São Paulo, triângulo mineiro e o norte do Paraná.
Operação Escudo Yanomami
No começo de 2023, uma megaoperação contra o garimpo ilegal foi iniciada pelo governo. O objetivo era proteger a Terra Indígena Yanomami da invasão de garimpeiros e proteger a população indígena local.
A operação ainda está em andamento. O espaço aéreo da região foi fechado para voos, e os militares da FAB têm autorização para derrubar aeronaves sem autorização de voo.
Em 2021, outra ação conjunta de diversos órgãos federais buscou interromper o garimpo ilegal no mesmo território em Roraima. Segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), à época:
- 89 aeronaves foram apreendidas (incluindo aviões e helicópteros)
- 22 aeronaves foram inutilizadas (destruídas)
- 87 pistas de pouso clandestinas foram fiscalizadas
Destruição
Aeronaves nem sempre são recuperadas. Em algumas situações as aeronaves não são apreendidas, mas sim destruídas em campo mesmo. Isso se deve ao fato de ser difícil o transporte delas para um local mais seguro, por exemplo.
Muitas dessas aeronaves não se encontram em condições seguras para o voo. O transporte por via terrestre ou fluvial também se torna inviável.
São tantas alterações sofridas nas aeronaves que não seria possível decolar com elas sem colocar os pilotos em sério risco. Assim, é autorizada a destruição desses bens diretamente no local onde foram encontrados.
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