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Para chegar a 1 milhão de investidores, Bolsa fez campanha até na praia

Espaço de eventos da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo - ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Espaço de eventos da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo Imagem: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

09/05/2019 11h20

A Bolsa de Valores (B3) finalmente alcançou em abril a marca de 1 milhão de investidores pessoas físicas, depois de quase uma década patinando na casa dos 600 mil. Embora o número seja relevante, não há muito o que comemorar: ele representa menos de 0,5% da população brasileira. Nos Estados Unidos, metade dos norte-americanos investe em renda variável. Na Europa e na Ásia, a proporção gira entre 20% e 30% da população, dependendo do país.

A marca histórica também está aquém do que os próprios dirigentes da antiga Bovespa imaginavam no início dos anos 2000, quando menos de 100 mil pessoas físicas estavam na Bolsa. Naquela época, a meta era alcançar 5 milhões em uma década. Em 2014, a meta foi reiterada para 2018. No final do ano passado, a Bolsa contabilizava 813 mil pessoas, 200 mil a mais do que em 2017. De janeiro a abril de 2019, outras 200 mil pessoas passaram a investir em ações.

Afinal, por que o primeiro milhão de investidores da Bolsa demorou tanto para se tornar realidade? Será que a cultura de investimento em ações no país finalmente vai deslanchar ou a marca de 5 milhões de pessoas físicas ainda é um sonho distante? Veja a avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL.

Queda dos juros faz investidor migrar para a Bolsa

O número de pessoas físicas na Bolsa só deslanchou após a queda da taxa básica de juros, a Selic, o que tornou as aplicações tradicionais de renda fixa, como a poupança e os fundos DI dos grandes bancos, menos atraentes. A taxa recuou de 14,25% ao ano em outubro de 2016 para 6,5% ao ano em março de 2018.

"A Bolsa sofria a concorrência desleal da renda fixa. Era muito mais racional investir em um fundo ou título de renda fixa, que é um investimento de baixo risco, e ter um ganho de 1% ao mês, do que correr alto risco ao comprar ações para tentar ganhar um pouco mais", disse Valdir Pereira, professor do Insper Direito.

Segundo Pereira, os investidores foram obrigados a sair da zona de conforto e a buscar produtos de maior risco, como as ações, para aumentar o rendimento de suas aplicações.

Aumento de investidores depende de educação financeira

A queda dos juros, por si só, não é suficiente para fazer com que mais brasileiros comecem a investir na Bolsa. Segundo os especialistas, é necessário um grande esforço de educação financeira para estimular as pessoas a sair da poupança e dos fundos de renda fixa de grandes bancos para diversificar investimentos, inclusive com aplicações de maior risco, como ações, com foco no ganho de longo prazo.

"Sem dúvida, o juro baixo ajuda porque torna a renda variável mais atraente. Mas, para se chegar a 5 milhões de investidores na Bolsa, temos que avançar na educação financeira. Não será um processo rápido", afirmou Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV (Fundação Getulio Vargas).

"Não adianta só o juro cair. É necessário mudar a cultura de investimento das pessoas. Ainda há um fator psicológico de insegurança muito forte, uma herança da época da hiperinflação. As pessoas só se sentem seguras em produtos que tenham liquidez, ou seja, que elas possam sacar o dinheiro a qualquer momento, ainda que eles rendam pouco. Por isso elas deixam o dinheiro na poupança por anos, em vez de procurar outra aplicação melhor", disse Pereira.

Brasileiro não suporta perder dinheiro

A intensa oscilação no preço das ações costuma assustar os novatos, especialmente em momentos de grande nervosismo no mercado. Em geral, as pessoas não aceitam perder dinheiro, ainda que seja por um período curto de tempo, e acabam vendendo as ações e "realizando o prejuízo", no jargão do mercado, em vez de esperar pela recuperação do preço delas no longo prazo.

"Infelizmente, o brasileiro médio não está capacitado para investir. Muitos entram na Bolsa na empolgação, quando o mercado está registrando recordes, como a recente marca de 100 mil pontos do Ibovespa. Mas eles não têm maturidade nem sangue frio para suportar a primeira queda. Acham que vão ganhar dinheiro rapidamente, acabam se decepcionando e viram detratores do mercado", disse Pereira.

Crises e escândalos afugentaram investidores

Eike - Mario Anzuoni/Reuters - Mario Anzuoni/Reuters
Eike Batista, presidente do grupo EBX
Imagem: Mario Anzuoni/Reuters

A falta de educação financeira não é o único fator que dificulta o acesso da pessoa física à Bolsa. As diversas crises econômicas e políticas vividas pelo país e os escândalos envolvendo grandes empresas, como a Petrobras e grupo "X" (OGX, MMX, LLX) do empresário Eike Batista, acabaram afugentando os investidores do mercado.

"Episódios como a investigação da Lava Jato na Petrobras e o 'Joesley Day' passam uma imagem ruim para quem está querendo entrar na Bolsa. Depois de uma situação dessas, os órgãos reguladores como a própria Bolsa e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) precisam fazer trabalho dobrado para restabelecer a confiança e a transparência do mercado", disse Pereira.

Bolsa já foi até à praia para atrair investidor

Em 2002, o então presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, lançou uma campanha de marketing inusitada para tentar convencer os pequenos investidores a entrar na Bolsa. De bermudas e camisa polo, a bordo do "Bovmóvel" -- um furgão adesivado com o logotipo da Bovespa -, Magliano desembarcou nas praias do litoral paulista com uma equipe de assessores para divulgar o investimento em ações.

Magliano - Caio Guatelli/Folha Imagem - Caio Guatelli/Folha Imagem
04.abr.2003 - O ex-presidente da Bovespa Raymundo Magliano Filho (dir.) acompanha visita do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci à Bolsa
Imagem: Caio Guatelli/Folha Imagem

A repercussão foi tão positiva que o projeto "Bovespa vai até você" viajou para outros estados e ganhou desdobramentos. Nos anos seguintes, o roteiro do furgão incluiu empresas, escolas e sindicatos, com intuito de trazer o pequeno investidor para a Bolsa.

O número de pessoas físicas saltou de 85 mil em 2002 para 610 mil em 2010. Depois disso, houve uma pequena retração e a marca só foi superada em 2017, quando chegou a 619 mil investidores.

"O Magliano ajudou muito na popularização do mercado. Ele colocou a Bolsa na mídia. Ainda assim, o número de investidores naquela época ficou limitado às pessoas que já tinham algum conhecimento sobre ações", disse Pablo Spyer, diretor da corretora Mirae Asset.

Na Coreia do Sul, corretora tem 10 milhões de clientes

O número de pessoas que aplicam em ações no Brasil representa menos de 0,5% da população, de mais de 200 milhões de pessoas. A proporção é muito pequena se comparada a outros países. Nos Estados Unidos, 54% das famílias investem nas Bolsas, segundo o instituto Gallup. Na Coreia do Sul, essa proporção é da ordem de 20% da população.

"A Coreia do Sul viveu há 20 anos o que o Brasil está passando agora. No fim dos anos 90, os juros caíram e os sul-coreanos foram estimulados a investir em renda variável. Hoje, só a Mirae Asset possui quase 10 milhões de clientes na Coreia, a maior parte investindo em Bolsa. O Brasil está exatamente nesse momento de virar a chave e dar um salto em direção à renda variável, como fizeram os sul-coreanos ", disse Spyer, que é diretor da corretora coreana no Brasil.

Segundo ele, a Mirae Asset chegou ao Brasil em 2010 com objetivo de adotar a mesma estratégia usada pela matriz coreana. "Estreamos no país oferecendo corretagem a R$ 2,90 por operação, quando a maioria das corretoras cobrava R$ 10, até R$ 20 por transação. Queremos ganhar na escala, com o crescimento do número de investidores."

Recentemente, outras corretoras brasileiras, como Clear e Modalmais, também passaram a adotar estratégias agressivas para atrair novos clientes, oferecendo corretagem com custo zero para alguns tipos de operações.

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