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Crise na Venezuela: Por que sanções econômicas de Trump desagradam investidores de Wall Street

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Leah Millis/Reuters
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump Imagem: Leah Millis/Reuters

Guillermo D. Olmo

Correspondente da BBC News Mundo na Venezuela

10/12/2018 14h54

As sanções econômicas são contra a Venezuela, mas elas também afetam Wall Street, coração financeiro dos Estados Unidos.

O presidente americano, Donald Trump, ordenou uma série de medidas para pressionar o governo de Nicolás Maduro e assim tentar provocar uma mudança política no país latino-americano.

Historicamente, essas sanções econômicas são ferramentas usadas por Washington para pressionar países considerados um problema para os americanos. Elas já foram utilizadas contra Cuba, de Fidel Castro, que há décadas sofre com embargo econômico dos EUA, e também contra a Coreia do Norte, de Kim Jong-un. Assim como Maduro, os dois países são acusados de violações de direitos humanos e de não respeitarem as regras democráticas.

Maduro, no entanto, diz que as sanções fazem parte de uma "guerra econômica" empreendida pelo "imperialismo americano" contra o povo venezuelano. Críticos da estratégia de Trump concordam que as medidas que restringem a atividade econômica da Venezuela apenas aumentam o sofrimento da população.

Há anos, o país sofre com uma crise econômica e política no seio do governo chavista, o que se reflete em hiperinflação, desemprego, aumento da pobreza e da fome, além de uma fuga de milhões de refugiados para países vizinhos, como o Brasil.

Porém, alguns bancos e fundos de investimento americanos também estão sentindo os efeitos da crise venezuelana.

Em colapso econômico, a Venezuela parou de pagar alguns de seus títulos em novembro de 2017, o que levou algumas agências de classificação de risco, como a Standard & Poor's, a falar em "calote seletivo".

Grande parte desses títulos está em posse de fundos de investimentos que operam em Wall Street, a grande praça do capitalismo global. Portanto, as sanções econômicas impostas à Venezuela têm impedido que os investidores recebam parte do que aplicaram.

Por que as sanções à Venezuela prejudicam os credores?

Especialistas ouvidos pela BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, concordam que a dívida venezuelana é insustentável.

Luis Vicente León, economista e diretor do instituto de pesquisa Datánalisis, diz ser "impossível para a Venezuela pagar sua dívida tal como ela está posta hoje".

Já Francisco Rodríguez, da consultoria Torino Capital, explica que, quando países entram em calote, "é normal que credores procurem as autoridades para negociar termos mais razoáveis de pagamento e, assim, evitar uma inadimplência definitiva".

Ou seja, é possível alongar os prazos de pagamento ou, em casos extremos, até concordar em reduzir os valores devidos.

Em novembro do ano passado, Maduro anunciou uma "reestruturação da dívida venezuelana". Recentemente, afirmou que "o processo está ocorrendo muito bem", embora não tenha entrado em detalhes.

A BBC questionou o governo de Caracas a respeito das dívidas, mas não obteve resposta.

Essa reestruturação da dívida entre a Venezuela e seus credores americanos é considerada impossível no momento. Eles não cobram, e a Venezuela continua incapaz de se financiar nos mercados globais de dívida.

Por que isso ocorre? Por causa das sanções.

A Ordem Executiva 13.835 assinada por Trump em 21 de maio proíbe que cidadãos e entidades com presença nos Estados Unidos comprem novos títulos da dívida venezuelana.

A ordem não impede a compra nem a venda nos mercados secundários para títulos já emitidos, mas qualquer refinanciamento necessita da emissão de novos títulos que substituam os já expirados. E os investidores americanos não podem negociar a transação sem infringir as disposições do OFAC (Agência de Controle de Ativos Estrangeiros), órgão do Departamento do Tesouro americano encarregado de fiscalizar as sanções.

"Isso complica dramaticamente o problema", diz León.

As sanções, que apontam diretamente para o vice-presidente Tareck El Aissami e a outros dirigente chavistas da área econômica, impedem acordos com as autoridades que manejam as contas públicas da Venezuela.

"Chegamos a uma situação em que a dívida venezuelana não é paga nem reestruturada, de modo que os detentores de títulos ficam, ao final, com um instrumento de pouco valor", diz Rodríguez.

Tudo isso explica por que os títulos que podem ser trocados perderam até 80% de seu valor inicial. Muita gente de Wall Street está perdendo muito dinheiro.

Qual o valor da dívida da Venezuela?

Como as autoridades venezuelanas há tempos não divulgam as estatísticas macroeconômicas, é impossível precisar o montante total da dívida do país.

Em 2015, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) calculou que a dívida externa bruta da Venezuela chegaria a U$ 139 bilhões (cerca de R$ 544 bilhões, em valores atuais).

León eleva essa cifra para U$ 175 bilhões (R$ 685 bilhões) somente em dívidas soberanas, aquelas emitidas pelo Estado. Esse valor não inclui as dívidas da petroleira estatal PDVSA nem empréstimos bilaterais com países como China e Rússia.

Os pagamentos atrasados podem ser calculados com maior exatidão, pois quase sempre são registrados nos Estados Unidos, onde ocorre a maioria das transações.

Desde o primeiro calote, no final do ano passado, a Venezuela deixou de pagar cerca de U$ 9 bilhões (cerca de R$ 35 bilhões, em valor atualizado).

Segundo economistas próximos ao governo de Maduro, como Óscar Forero, esse montante deve aumentar em 2019, à medida que se acumulam mais vencimentos.

Forero tem um prognóstico: "Não haverá mais escolha a não ser vender ativos no exterior".

O mais estratégico desses ativos é a Citgo, uma filial da PDVSA nos Estados Unidos. A empresa está ameaçada de ser anexada pela mineradora canadense Crystallex.

A empresa do Canadá solicita o controle da Citigo caso a Venezuela não pague o que lhe deve. A Crystallex já conseguiu uma série de posicionamentos favoráveis a sua demanda em tribunais americanos.

Até agora, porém, a Venezuela tem pago os vencimentos que poderiam comprometer seu controle sobre a Citgo. Recentemente, o país também chegou a um acordo provisório com a Crystallex em uma corte do Canadá.

Esse termo prevê que o governo venezuelano cumpra um rígido cronograma de pagamentos caso não queira entrar em uma batalha judicial pelo controle da empresa nos EUA.

Se reestruturar a dívida é impossível, o que os credores podem fazer?

Os credores da dívida venezuelana podem recorrer a um mecanismo legal conhecido como aceleração da dívida, estratégia reconhecidamente dura com o devedor.

Essa aceleração implica que, se um país não cumprir com suas obrigações, toda a dívida deve ser liquidada sumariamente. Rodríguez, da Torino Capital, resume: "Se em uma emissão de dívida de U$ 1 bilhão a Venezuela deixasse de pagar os U$ 100 milhões de juros, toda a dívida de U$ 1 bilhão e mais os U$ 100 milhões de juros seriam cobrados de uma vez".

O calote também pode levar à tomada de ativos no exterior, como plataformas e navios petroleiros da PDVSA. Mas, na prática, esse é um precedimento muito caro e que não garante aos credores a devolução de todo seu capital investido, nem os juros. "Talvez os investidores recebam uns 5% dos valor investido, o que não dá para pagar nem os advogados", explica León.

Segundo ele, navios petroleiros não seduzem os credores. "Se a Venezuela perder seus barcos, não vai conseguir exportar seu petróleo. Se não exportar, como vai conseguir dinheiro para pagar suas dívidas?", questiona o analista.

Os numerosos investidores afetados pela crise venezuelana, entre eles algumas das maiores empresas de capital do mundo, como as americanas Blackrock e Contrarian Capital Management, têm se reunido em diversas instâncias para defender seus interesses.

Em muitos casos, é necessário que ao menos 25% dos donos de um título concordem entre si para que haja uma ação judicial de aceleração da dívida. Esses processos, no entanto, ficam meses em discussão. Por enquanto, esse mecanismo não está sendo utilizado.

Rodríguez acredita que essa espera aconteceu porque investidores aguardaram a evolução dos acontecimentos de 2017, quando houve uma série de protestos exigindo a saída de Maduro do poder.

O presidente resistiu e as expectativas de mudança evaporaram. "Acredito que devem ocorrer ações judiciais significativas nas próximas semanas", diz Rodríguez.

Lee Buchheit, especialista do escritório de advocacia americano Cleary Gottlieb, considera que os credores, sem mudanças na Venezuela, "tentam fazer movimentos de lobby para que o governo Trump elimine as sanções". Mas ele acredita que, no cenário atual, é pouco provável que o presidente dos Estados Unidos mude de ideia.

Já Rodríguez não descarta que esse movimentos estejam ocorrendo nos corredores de Washington, mas adverte que o lobby teria um alto custo. "Ninguém quer aparecer como alguém que está pedindo o fim das sanções contra Maduro."

Em 2017, o gigante financeiro Goldman Sachs foi criticado por adquirir U$ 3 bilhões (cerca de R$ 11,3 bilhões) em títulos da PDVSA, pejorativamente batizados de "bônus da fome", em alusão à situação humanitária caótica vivida pelos venezuelanos.

Há uma última brecha que pode ser utilizada pelos credores da Venezuela, artifício conhecido como "licenças".

São autorizações excepcionais que o Departamento do Tesouro americano pode dar a indivíduos ou entidades para renegociar suas dívidas diretamente, mesmo se isso contrariar o plano geral das sanções.

Rodríguez acredita que, com o passar do tempo e o acúmulo de dívidas da Venezuela, "os argumentos dos investidores serão mais fortes".

Entenda a crise econômica na Venezuela

TV Folha