Bolsonaro em Davos: o que a agenda de reuniões diz sobre a visita do presidente à Suíça
Na sua primeira viagem internacional como presidente da República, Jair Bolsonaro agendou uma série de reuniões com chefes de Estado e de governo de diferentes países da Europa, da Ásia e da América do Sul.
A maioria deles tem uma característica em comum: são líderes nacionalistas ou integrantes de partidos conservadores que representam a direita ou a centro-direita.
Na quarta-feira, ele se reuniu com os primeiros-ministros da Itália, Giuseppe Conte, e do Japão, Shinzo Abe, e o presidente da Suíça, Ueli Maurer. Também participou de um jantar com líderes da América Latina.
Na quinta, a previsão é de reuniões com os presidentes da Ucrânia, Petro Poroshenko, da Polônia, Andrzej Dude, da Colômbia, Iván Duque Marquez, e da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e os primeiros-ministros da Holanda, Mark Rutte, e da República Tcheca, Andrej Babis.
Mas quem são esses líderes? Que setores eles representam? E o que a opção por essas reuniões bilaterais dizem sobre o papel que o Brasil quer assumir no cenário internacional?
Líderes nacionalistas
Bolsonaro agendou reuniões com alguns expoentes do movimento nacionalista que vem ganhando força pelo mundo, principalmente na Europa.
Líderes céticos dos benefícios gerados pela integração regional se alçaram ao poder em diferentes países europeus com uma plataforma de defesa da soberania e contrária à imigração e ao multilateralismo.
É o caso da Itália e da Polônia, países que agendaram reuniões com Bolsonaro.
Giuseppe Conte, premiê italiano, foi escolhido para o cargo pelos líderes do Movimento Cinco Estelas e da Liga, partidos de direita que defendem um forte controle nas fronteiras.
A Polônia também vivencia uma ascensão de grupos nacionalistas. E, recentemente, o presidente polonês Andrzej Dude ignorou pressões da União Europeia, da qual a Polônia faz parte, ao adotar medidas para aumentar seu controle sobre a Suprema Corte.
Ele reduziu a idade de aposentadoria dos ministros, forçando vários deles a se retirarem, e indicou, em seguida, 27 novos integrantes. Os demais países-membros da União Europeia criticaram a medida dizendo que ela representa uma interferência do Executivo sobre o Judiciário.
Já o primeiro-ministro da República Tcheca é crítico da adoção do euro como moeda comum da União Europeia e defende maior controle das fronteiras contra a imigração.
"Esses líderes com quem Bolsonaro deve se reunir defendem uma agenda alternativa à globalização e apresentam um nacionalismo mais intenso", define o professor de Relações Internacionais Marcos Vinicius de Freitas, da Universidade de Relações Exteriores da China, em Pequim.
Segundo ele, a opção de Bolsonaro por reuniões com líderes nacionalistas ou de direita demonstra uma intenção de ruptura com a diplomacia dos governos do PT, que priorizava relações com países sul-americanos e da África.
"Esse governo pretende transmitir uma mensagem de rompimento com a política tradicional do Brasil dos últimos anos do governo petista", diz Freitas, lembrando as relações próximas que o Brasil estabeleceu nos governos do PT com Venezuela, China, países árabes, Irã, e os palestinos.
"A mensagem é clara de que pretende se distanciar daqueles que seriam os parceiros naturais do PT e buscar uma nova estrutura de relacionamentos."
Em várias ocasiões, o governo Bolsonaro expressou admiração por líderes nacionalistas da Hungria, Itália e Polônia, pelo presidente americano, Donald Trump, e por Israel.
"Admiramos aqueles que lutam pela sua pátria e aqueles que se amam como povo, por isso admiramos, por exemplo, Israel. Por isso admiramos os Estados Unidos da América, aqueles que hasteiam sua bandeira e cultuam seus heróis. Por isso admiramos a nova Itália, por isso admiramos a Hungria e a Polônia", disse o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acrescentando que, para ele, o problema do mundo "não é a xenofobia, mas sim a oikofobia".
"Oikofobia é odiar o próprio lar, o próprio povo, repudiar o próprio passado", especificou.
Japão e Holanda
Outra reunião bilateral de Bolsonaro em Davos foi com o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, também conhecido por promover uma agenda interna nacionalista. A reunião, conforme a BBC News Brasil apurou, foi solicitada pelo governo japonês, que teria dois interesses específicos no Brasil.
Um deles é manter o vínculo com a comunidade japonesa no país e, eventualmente, atrair migrantes brasileiros de origem japonesa. Considerado um dos países mais restritivos à imigração, o governo japonês anunciou um programa para flexibilizar a entrada de estrangeiros no país.
"Para o Japão, interessa manter aceso o vínculo de nacionalidade com a quarta e a quinta geração de japoneses no Brasil. Até porque, eventualmente, esses descendentes poderiam ser aqueles que migrarão ao Japão, que enfrenta um problema enorme de natalidade", explica Marcus Vinicius de Freitas, que é especialista em relação do Brasil com a Ásia.
O segundo interesse do Japão em se aproximar do Brasil, segundo Freitas, é obter apoio em eventuais conflitos com a China ou a Coreia do Norte.
"Historicamente, o Brasil se absteria, mas há uma preocupação em saber qual seria a postura no governo Bolsonaro. Como o Brasil é um dos cogitados para ser um membro adicional ao Conselho de Segurança da ONU, os japoneses entendem que seria necessário um alinhamento mais próximo."
Já a reunião com o primeiro-ministro Holanda, prevista para esta quinta, seria para discutir parcerias comerciais e investimentos, já que o país europeu tem presença significativa no Brasil, especialmente na área de extração de petróleo.
Colômbia
Uma reunião com o presidente da Colômbia, Iván Duque, também está sendo negociada para quinta, e Bolsonaro terá um jantar nesta quarta com os presidentes de países da América Latina presentes a Davos.
Duque é integrante do partido de centro-direita Centro Democrático e, assim como Bolsonaro, se apresentou na campanha como candidato "pró-mercado" e que adotaria medidas duras contra o crime organizado e a corrupção.
Até o momento, no âmbito da América do Sul, Bolsonaro priorizou reuniões e conversas por telefone com presidentes de partidos de centro-direita e direita, entre os quais o presidente da Argentina, Mauricio Macri, com quem se reuniu em Brasília, e Sebastián Piñera, do Chile, com quem teve conversas por telefone.
Em discurso no Fórum Econômico de Davos, Bolsonaro voltou a sugerir que pretende flexibilizar as regras do Mercosul para permitir que os países-membros possam negociar acordos de comércio isoladamente e não obrigatoriamente em grupo.
"Acho que vamos ter, no governo Bolsonaro, enfoque em acordos bilaterais e, na América do Sul, uma postura geopolítica mais próxima com a Colômbia e Argentina", disse à BBC News Brasil Christopher Garman, diretor da consultoria política Eurasia.
Suíça e colaboração na Lava Jato
À primeira vista, a reunião com o presidente da Suíça, Ueli Maurer, parece protocolar, já que o Fórum Econômico Mundial é sediado em Davos, cidade suíça. E, assim como a maioria dos líderes com quem Bolsonaro marcou reuniões, Maurer é de um partido considerado de direita na Suíça.
Mas outro motivo também pode ter incentivado o encontro bilateral, segundo especialistas. A Suíça tem tido papel importante nas investigações da Operação Lava Jato, colaborando com a Polícia Federal e o Ministério Público na tentativa de rastrear lavagem de dinheiro por parte dos políticos e empresários envolvidos no esquema de corrupção.
Autoridades suíças compartilharam informações sobre contas bancárias de suspeitos e negociam com o Brasil a remessa de dinheiro do esquema.
"Faz sentido que Bolsonaro se encontre com o presidente da Suíça já que Davos é lá. Mas talvez seja uma relação importante a se fomentar para ampliar a cooperação em investigações de lavagem de dinheiro", diz o professor de Relações Internacionais Marcos Vinicius de Freitas. .
Paulo Guedes x Ernesto Araújo
Para alguns especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o discurso de Bolsonaro em Davos e as reuniões bilaterais agendadas pelo governo revelam uma "contradição" entre duas alas do governo.
Uma delas, liderada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, vê com suspeição investimentos chineses no Brasil, defende aproximação forte com os EUA e Israel e rejeita mecanismos multilaterais de tomada de decisões.
A outra, comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, defende a abertura do Brasil para o mercado, privatizações e a manutenção das boas relações do Brasil com seus principais parceiros comerciais - China e países árabes, certamente, estão entre eles.
Alguns trechos do discurso de Bolsonaro demonstram influência de Guedes. Em sua fala de 8 minutos no Fórum Econômico Mundial, Bolsonaro defendeu abrir o mercado brasileiro, fazer comércio com "todos" e tornar o Brasil uma das 50 melhores nações para investir em negócios.
Mas a agenda de reuniões bilaterais parece estar mais alinhada com a visão do ministro das Relações Exteriores.
Para Marcus Vinicius de Freitas, a prioridade dada a governos nacionalistas ou de direita, em certa medida, contradiz o próprio discurso de Bolsonaro de evitar que a ideologia interfira nas relações internacionais.
"Existe uma inconsistência entre a palavra e a ação", diz Marcus Vinicius de Freitas, que já foi pesquisador da Blavatnik School of Government, da Universidade de Oxford.
Em discurso no Fórum Econômico Mundial, Bolsonaro repetiu diversas vezes ao longo da fala que quer tirar a influência "ideológica" das decisões políticas e econômicas do Brasil.
"Apesar de você falar que não quer ideologizar, quando você proclama uma aproximação cada vez mais próxima com os Estados Unidos, decide transferir a embaixada para Jerusalém ou se encontra com o primeiro-ministro da Itália e outros governos em que há discriminação ideológica, o discurso se distancia da ação", observa Freitas.
Para o professor de Relações Internacionais, tanto a esquerda brasileira quanto a direita têm fugido do pragmatismo para adotar posições ideológicas nas relações exteriores. "O que deve prevalecer no campo das relações internacionais é o pragmatismo, a gente observa que tanto um lado do espectro político quanto o outro tem abandonado esse pragmatismo."
Já Christopher Garman afirma que o enfoque da agenda internacional em criar alianças com governos de viés nacionalista não se contrapõe à agenda econômica de abertura de mercados, redução do tamanho do Estado e privatização.
"No Brasil, o antiglobalismo nada tem a ver com imigração, fechar fronteiras ou comércio, como ocorre na Europa. Tem raiz numa raiva em relação à classe política. O presidente tem uma visão mais antiglobalista, mas não é anti-livre comércio", argumenta.
"Talvez, você tenha mais conflito com a China, já que existe uma desconfiança em termos ideológicos em relação à China, por parte de setores do governo, e uma intenção de aproximação com os Estados Unidos. A pergunta é se esse movimento pode minar a relação comercial com a China ou não."
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