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Como era a 'Venezuela saudita', um dos países mais ricos dos anos 50 e 80

Diego Pardo - Da BBC News Mundo

02/03/2019 18h10

Das décadas de 50 a 80, a Venezuela nada se parecia ao que é hoje.

Se atualmente o país atravessa uma crise sem precedentes, sem data para terminar, no passado chegou a ser um dos mais ricos da América Latina, dando inveja em seus vizinhos.

Um de seus apelidos era, por exemplo, "Venezuela saudita", em alusão à Arábia Saudita, devido à riqueza por conta do petróleo.

Na capital, Caracas, os prédios eram altos e modernos para a época. As rodovias, largas. Os hotéis eram considerados um "luxo em um paraíso tropical". E os venezuelanos tinham o título de maiores consumidores de uísque do mundo.

Esse cenário faz com que a atual crise venezuelana não seja só dramática por causa da hiperinflação, pobreza e escassez de alimentos e remédios - problemas ocorridos nos últimos anos, sob o governo de Nicolás Maduro. Ela também é dramática porque os venezuelanos estavam acostumados a viver com certo conforto.

No país, algumas pessoas costumam dizer que "éramos felizes e não sabíamos". Outra piada da época era a seguinte: "Isso está barato, então me dê dois".

De certa forma, esse alto poder de compra dos venezuelanos era fictício. Então, quão rica era realmente a Venezuela?

Melhores índices econômicos

Na primeira metade do século 20, a Venezuela já era um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Mas o poder de produção estava na mãos de empresas estrangeiras, enquanto os governos se ocupavam de seguidas crises políticas.

Em 1958, depois da queda do regime militar de Marcos Pérez Jiménez (1914-2001), a Venezuela viveu as três melhores décadas de sua história em termos econômicos.

Entre 1959 e 1983, o desemprego no país se manteve na marca de 10%. No mesmo período, o crescimento médio do país foi de 4,3% por ano - a inflação também era menor do que a registrada em outros países da América Latina.

A estabilidade da moeda local, o bolívar, permitia que muitos venezuelanos conseguissem sair do país para temporadas de férias, principalmente com destino a Miami, nos Estados Unidos, vista como um paraíso do consumo.

Nos anos 70, os venezuelanos tinham o maior poder de compra entre os países América Latina - quase três vezes maior que o dos brasileiros -, segundo um índice da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Esse cenário durou até a década de 1990.

Avanços estruturais

Na década de 50, a ditadura de Marcos Pérez Jiménez ficou marcada por uma série de violações de direitos humanos, como tortura e prisões arbitrárias de opositores.

Por outro lado, seus apoiadores argumentam que o governo de Jiménez foi responsável por uma série de obras importantes para o desenvolvimento do país, como uma importante rodovia que liga Caracas à costa caribenha, hotéis de luxo e dois prédios que por muitos anos foram os mais altos da América Latina.

Os governos democráticos que se seguiram à queda de Jiménez herdaram essa infraestrutura. Por algumas décadas, os presidentes conseguiram manter uma inédita estabilidade econômica e política, além de apaziguar a disputa histórica entre civis e militares, que até então disputaram o poder de forma dura.

Nesse período, entre o final da década de 50 e os anos 80, a Venezuela chegou bem perto de resolver um de seus problema mais profundos: a dependência dos preços do petróleo no mercado mundial. Se o preço estivesse alto, o país desfrutava de um bom retorno financeiro.

Com boas reservas, o governo chegou a construir a siderúrgica Sidor e uma grande hidrelétrica para alavancar o setor de energia - obras consideradas de primeiro mundo.

Na década de 1970, a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), formado principalmente por árabes, suspendeu a venda de petróleo para os Estados Unidos e outros países que forneceram ajuda militar a Israel na Guerra do Yom Kipur. A decisão beneficiou a Venezuela, que tinha acabado de nacionalizar as empresas de petróleo.

O governo de Carlos Andrés Pérez (1922-2010), que por duas vezes governou o país entre 1974 e 1993, combinou as boas relações com os Estados Unidos com o aumento de subsídios para cesta básica e massificação da educação pública.

O governo Pérez também investiu em educação superior, com objetivo de melhorar a qualificação dos jovens venezuelanos.

A Venezuela também investiu em cultura, criando importantes teatros, centros culturais, museus e editoras de livros.

O problemas, no entanto, continuaram

Apesar do crescimento econômico e melhorias de infraestrutura, a Venezuela, no fundo, nunca conseguiu resolver seus problemas mais graves. A educação é um deles.

Mesmo com duas importantes universidades e a tentativa de massificação do ensino, a educação pública continuou excludente para parte da população mais pobre.

Em 1983, o país passou a enfrentar uma crise econômica. A pobreza voltou a crescer exponencialmente depois de três décadas em queda.

Outro problema histórico voltou a aparecer: a corrupção de políticos e servidores públicos.

Os dólares do petróleo que garantiam a estabilidade econômica e política diminuíram. Com isso, aumentou o descontentamento da população com o governo.

A crise econômica e, com ela, a queda do poder de compra e o aumento da pobreza levaram os venezuelanos a se sentirem descrentes em relação aos políticos e partidos tradicionais.

Esses fatores levaram o país a eleger, em 1998, um militar que prometia mudanças: o tenente-coronel Hugo Chávez.

Durante seu governo, país voltou a crescer, impulsionado por uma nova bonança do petróleo. Chávez se tornou o político mais popular da história venezuelana. Ele aproveitou essa chuva dos chamados "petrodólares" para financiar de programas sociais a importações de praticamente tudo que era consumido no país.

Hoje, com Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, o petróleo ainda domina a economia venezuelana e representa praticamente a totalidade de suas receitas de exportação.

Em 2014, no entanto, o preço da matéria-prima desabou e o país entrou em uma severa crise econômica.

O preço caiu em parte devido à recusa de Irã e Arábia Saudita - outros dois dos grandes produtores - em assinar um compromisso para reduzir a produção. Outros fatores foram a desaceleração da economia chinesa e o crescimento, nos EUA, do mercado de produção de óleo e gás pelo método "fracking" - o fraturamento hidráulico de rochas.

Além de receber menos dinheiro por seu principal produto, a Venezuela também teve uma queda significativa na produção. Quando Chávez assumiu pela primeira vez o país, em 1999, a produção era de mais de 3 milhões de barris por dia. Hoje, é de cerca de 1,5 milhão, segundo a Opep - é o pior nível em 33 anos.

Recentemente, os Estados Unidos também impuseram duras sanções à indústria petrolífera do país com o objetivo de pressionar Maduro a renunciar.

A crise afetou fortemente a população. Parte dela faz constantes protestos contra Maduro.

A crise e a fome

A fome fez os venezuelanos perderem, em média, 11 quilos no ano passado. A violência esvazia as ruas das grandes cidades quando anoitece. E a situação provocou um êxodo em massa para países vizinhos, como a Colômbia.

Um relatório de julho de 2018 da OIM (Organização Internacional para Migrações) aponta que pelo menos 50 mil pessoas se fixaram no Brasil vindas da Venezuela até abril de 2018, um aumento de mais de 1.000% em relação a 2015. O número leva em conta pedidos de asilo e residência.

O país vive a maior recessão de sua história: são 12 trimestres seguidos de retração econômica, segundo anunciou em julho a Assembleia Nacional.

A dimensão do colapso pode ser vista nos números do Produto Interno Bruto. Entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve uma queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que, neste ano, caia mais 15%.

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