Por que a rivalidade entre EUA e China não deve acabar com um eventual acordo comercial
Um acordo comercial entre os Estados Unidos e a China - caso se confirme - não deve acabar a rivalidade entre os dois gigantes econômicos.
Os países estão em meio a intensas negociações para terminar uma guerra comercial que já dura meses. No começo de abril, Trump disse que um acordo estava próximo e poderia ser firmado em quatro semanas.
A batalha, que se iniciou no ano passado, levou os países a aumentarem impostos sobre produtos importados do rival e teve graves consequências. Nos EUA, por exemplo, o déficit comercial (diferença entre importação e exportação) subiu 12,5% de 2017 para 2018 no comércio bilateral com a China e atingiu o ponto mais alto desde a crise econômica de 2008.
Mas a disputa vai além do comércio, e representa um conflito de poder entre duas visões de mundo.
Com ou sem acordo, espera-se que a rivalidade cresça e se torne mais difícil de resolver.
"O acordo comercial vai moderar uma fase da luta pelo poder entre EUA e China, mas apenas temporariamente e com efeito limitado", diz Michael Hirson, diretor na empresa de consultoria Eurasia Group.
A rivalidade entre os países deve se aproximar do crucial setor de tecnologia, dizem analistas, já que os dois lados tentam se estabelecer como líderes mundiais nessa área.
As questões relacionadas à transferência de tecnologia foram fundamentais durante as negociações comerciais entre EUA e China nos últimos meses.
"Agora todo país reconhece corretamente que prosperidade, riqueza, segurança econômica e segurança militar estarão ligadas à manutenção de uma vantagem tecnológica", diz Stephen Olson, pesquisador da fundação de assessoria comercial Hinrich Foundation.
A batalha da tecnologia
Muitos dizem que a disputa tecnológica entre EUA e China já está em andamento - e a gigante de tecnologia da China, Huawei, está no centro dela.
A Huawei tem sido foco de escrutínio internacional, com os EUA e outros países levantando preocupações sobre a segurança de seus produtos.
Os EUA restringiram as agências federais de usar produtos da Huawei e incentivaram seus aliados a evitá-los.
A Austrália e a Nova Zelândia bloquearam o uso de equipamentos da marca nas redes móveis 5G de última geração.
Mas a Huawei disse ser independente do governo chinês. Seu fundador, Ren Zhengfei, afirmou à BBC, em fevereiro, que sua empresa nunca realizará atividades de espionagem.
A disputa atingiu seu ponto alto com a prisão da filha do fundador em dezembro e, mais recentemente, com o processo da Huawei contra o governo dos EUA.
A Huawei também fez uma ação ofensiva de relações públicas, colocando um anúncio de página inteira no Wall Street Journal dizendo aos americanos para não "acreditar em tudo que você ouve".
"O termo 'guerra fria' é usado em demasia no contexto das tensões entre EUA e China, mas é cada vez mais preciso ao descrever sua competição tecnológica", diz Hirson.
O conflito ao redor da empresa é "sintomática dessa competição geopolítica intensificada", acrescenta. "Essa rivalidade é muito mais difícil de resolver do que questões puramente comerciais."
Como chegamos até aqui?
As preocupações dos EUA em relação a China cresceram nos últimos anos, juntamente com a influência do país asiático.
A enorme iniciativa Belt and Road (um programa chinês de investimento global, com financiamento de projetos de infraestrutura em outros países), os planos Made in China 2025 (para atualizar e consolidar a indústria manufatureira da China) e a crescente importância de empresas como Huawei e Alibaba contribuíram para esses temores.
O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, resumiu o clima em um discurso em outubro passado, dizendo que a China havia escolhido a "agressão econômica", em vez de "maior parceria", quando abriu sua economia.
As esperanças de que a China abrace um modelo mais ocidental deram lugar ao reconhecimento de que a economia chinesa cresceu ao lado de um sistema estatal, não apesar dele.
"A China se tornou muito mais explícita em suas ambições nos últimos anos", diz Andrew Gilholm, diretor de análise para a China da consultoria Control Risks.
"Portanto, ninguém está imaginando que a China seguirá o modelo democrático liberal do Ocidente ou se converterá em uma economia de mercado da maneira como as pessoas esperavam há alguns anos."
Alguns analistas acreditam que um impasse entre os dois lados é inevitável.
Seus sistemas diferentes sempre os tornaram parceiros estranhos na economia global - e conflitos entre as potências existentes e as emergentes são comuns na história.
"Estamos lidando aqui com o atrito entre a economia tradicional de livre mercado, a economia de livre comércio, princípios consensuais de Washington versus - pela primeira vez - uma economia enorme, tecnologicamente sofisticada e centralizada que está jogando o jogo com um conjunto diferente de regras", diz Olson.
O que acontece agora?
À medida que a corrida tecnológica acelere, analistas esperam que os EUA continuem a usar medidas não-tarifárias para fazer frente à China.
Restrições ao investimento chinês nos EUA, limites à capacidade das empresas norte-americanas de exportar tecnologia para a China e mais pressão sobre as empresas chinesas são ferramentas que poderiam ser usadas, dizem.
"As medidas não-tarifárias não atraem a atenção dos mercados como as tarifárias, em parte porque seu impacto é mais difícil de quantificar, mas elas podem ter um efeito de longo alcance", diz Hirson.
Uma nova lei dos EUA aprovada no ano passado poderia facilitar esse recuo.
Ela fortaleceu o poder do governo de rever - e potencialmente bloquear - negócios envolvendo empresas estrangeiras, expandindo o tipo de acordos que podem ser revisados pelo Comitê de Investimentos Estrangeiros nos EUA (CFIUS, na sigla em inglês).
O comitê examina os investimentos estrangeiros para checar se eles representam um risco à segurança nacional.
No ano passado, mesmo antes da aprovação da nova lei, um acordo gigantesco envolvendo a venda da MoneyGram, empresa de transferência de dinheiro sediada nos Estados Unidos, ao braço de pagamentos digitais da Alibaba, o Ant Financial, desmoronou quando as empresas não obtiveram a aprovação do CFIUS.
Nova norma EUA-China?
Como as relações EUA-China se desenvolverão a partir de agora depende em parte do tipo de acordo fechado.
Sobrecarregados pelas guerras de tarifas, ambos os lados mostraram-se dispostos a conversar desde que, em dezembro, concordaram em fazer uma trégua.
Mas analistas dizem que a relação entre os gigantes pode ficar diferente daqui para frente, independentemente de qualquer acordo.
Eles poderiam ter "uma relação cooperativa, frutífera e mutuamente benéfica" em certas áreas, mas colocariam barreiras em outras, no que Olson descreveu como um "desacoplamento seletivo".
Um número crescente de setores poderia acabar barrado, particularmente aqueles ligados à tecnologia, diz.
"A Huawei vai participar, de maneira significativa, da construção da rede 5G nos Estados Unidos? Parece pouco provável."
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