'Vai se isolar': as diaristas dispensadas sem pagamento em meio à crise do coronavírus
Faz cinco anos que Carolina* trabalha limpando a casa de uma família em São Paulo, mas nesta terça-feira (16/03), foi dispensada por tempo indeterminado.
"Ela me falou que vai ficar em casa e não quer ficar em contato comigo." "Vai se isolar", disse a empregadora. Ela não falou em dinheiro, e Carolina, 31, não sentiu abertura para tocar no assunto.
A diarista mora na zona norte de São Paulo e limpa esta casa na zona oeste, e outras seis por semana, de segunda a sábado.
Outro empregador seu, professor que dá aulas em casa, também dispensou a diarista, avisando que, daqui em diante, não irá mais precisar dos serviços dela e não pagará pelos dias parados.
"Não tem muito o que ser feito. Eu sou diarista, não tem como cobrar alguma coisa."
Diante da chegada do coronavírus ao Brasil, muitas faxineiras receberam esta semana a notícia de que não terão mais trabalho até que o medo e os riscos do novo vírus diminuam.
Diaristas são trabalhadores autônomos, sem compromisso, portanto não é ilegal demiti-los sem compensação. Já no sistema de mensalista, quem é demitido tem direito a verbas indenizatórias.
A BBC News Brasil ouviu relatos de diversas trabalhadoras, principalmente da capital paulista, de que poucos foram os patrões que se dispuseram a continuar pagando as faxineiras durante o período de distanciamento social.
Os nomes nesta reportagem são fictícios — as trabalhadoras não quiseram se identificar com medo de represálias ou porque, diante de qualquer queixa pública, as contratações futuras possam se tornar ainda mais incertas.
Para a grande maioria, isso significa de uma hora para outra não ter renda para o básico, como aluguel e comida. "Vivíamos bem, porque diarista não ganha tão mal. Agora, vai apertar, não sei como vai ser", diz Carolina, que mora com o marido, jardineiro desempregado há um ano, e a filha de seis anos.
Sua renda mensal era de R$ 4 mil. "A preocupação maior agora é aluguel, água, luz. Pago R$ 850 de aluguel. Acabei de comprar um carro, estou pagando a prestação, R$ 700."
Carteira assinada
A súbita falta de renda diante da pandemia é um trágico desfecho para muitas trabalhadoras (as mulheres são maioria absoluta entre os trabalhadores domésticos) que já amargaram perda de direitos nos últimos anos.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, 6,24 milhões de pessoas trabalhavam como domésticas, maior número desde 2012.
Desde 2016, o total de domésticos com carteira caiu 11,2% e, sem carteira, subiu 7,3%. Desse total de 6,24 milhões de trabalhadores domésticos, 4,42 milhões não têm carteira assinada como é o caso de Carolina.
A renda desses trabalhadores também vinha caindo: era de R$ 879 no último trimestre de 2018, 0,9% menos em relação a um ano antes.
Teresa*, 38 anos, por exemplo, trabalhava há dois meses como mensalista em São Paulo e ia ser registrada com carteira assinada a partir do mês que vem, mas tudo mudou com a chegada do coronavírus.
Ela tinha trocado a vida de diarista por mensalista justamente para ter mais segurança na relação trabalhista.
"Trabalho em casa de família. Me disseram que esse mês eles vão me pagar, mas no mês que vem já não mais. Vou ficar desempregada. Acho que a nossa área vai ser afetada demais. Muitos vamos ficar desempregados."
Ela mora sozinha com a filha de seis anos na zona sul de São Paulo, e diz que, agora, vai depender de conseguir bicos para conseguir sustentar as duas. "Me preocupa tudo: contas de água, luz, internet, filha para criar, aluguel, tudo sozinha."
A filha de teve as aulas suspensas por tempo indeterminado e está em casa. Mesmo assim, a faxineira diz que pretende continuar a pagar os R$ 100 mensais do transporte escolar da menina. "Temos que pagar, é um transporte pequeno. É igual quando tem férias na escola e você continua pagando."
Teresa diz que ouviu de colegas que também estão em isolamento, mas continuaram a receber as diárias dos contratantes. "Tinham que fazer isso pra todas. Porque a gente não tem culpa. Com o mundo parado, não arrumamos nada."
Maria*, de 46 anos, também não é registrada. Ela trabalha em cinco casas — pega ônibus e metrô todos os dias do Ipiranga para Moema, na zona sul, e ganha um total de R$ 2.800 por mês.
Na segunda-feira, ansiosa com a incerteza causada pela pandemia do novo coronavírus, ligou do trabalho para o filho de 22 anos chorando.
"Falei: 'a mãe está preocupada pelo fato de tudo isso estar acontecendo e o que pode acontecer se eu precisar ficar em casa'. Entrei em pânico", conta ela, que teve tuberculose pleural no começo do ano.
Maria diz que comentou com um dos seus empregadores sobre o vírus e ele deu risada de sua preocupação. "Ele me disse: 'Não é para ficar preocupada, você não está limpando a casa de pessoas que viajaram'", relata. "Mas eu sei que não é assim. O vírus espalha. Estão falando para ficarmos isolados."
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