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Coronavírus: Autor americano aponta potencial da covid-19 para reduzir desigualdade no mundo

Para historiador, epidemias tiveram um efeito "nivelador" da economia ao longo da história - Getty Images
Para historiador, epidemias tiveram um efeito "nivelador' da economia ao longo da história Imagem: Getty Images

Daniel Buarque

De São Paulo para a BBC News Brasil

05/04/2020 07h26

Apesar do duro impacto humano e econômico da pandemia de coronavírus em todo o mundo, a perspectiva histórica aponta que o covid-19 tem o potencial de afetar positivamente o que é apontado como um dos maiores problemas do mundo atual: a desigualdade social.

Isso porque, ao longo da história, grandes epidemias tiveram efeito "nivelador" da economia, defende o historiador Walter Scheidel, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. O princípio visto ao longo da história é simples, ele explica em entrevista à BBC News Brasil: quando muita gente morre, há uma redução de mão de obra, então trabalhadores podem vender sua força de trabalho por salários mais altos, e as pessoas ricas passam a ter uma renda menor.

Assim, a desigualdade diminuiria.

O modelo é apresentado por Scheidel no livro "The Great Leveller: Violence and the History of Inequality from the Stone Age to the Twenty-First Century", obra que traça a história da desigualdade social no mundo e analisa as rupturas levaram a sua diminuição. O livro seria lançado neste mês no Brasil pela editora Zahar, mas teve a publicação em português, com o título "Violência e a história da desigualdade", adiada por conta da pandemia.

A pesquisa de Scheidel diz que apenas essas grandes disrupções, a que ele se refere como "quatro cavaleiros do apocalipse" conseguiram reduzir a desigualdade econômica ao longo da história: grandes epidemias, falências do Estado, revoluções comunistas e esforços em massa para a guerra.

Segundo o historiador, entretanto, este tipo de impacto relacionado a epidemias se adapta melhor ao que acontecia em sociedades agrárias até o século 20. Desde então, com a urbanização e o desenvolvimento da medicina, crises globais como a atual acabam influenciando a desigualdade de outra forma.

"Crises muito sérias podem afetar preferências políticas e escolhas políticas. Então, se este evento for severo o suficiente, ele pode alterar as preferências do eleitorado de forma que se mova para uma defesa de um estado de bem-estar social mais forte, impostos mais altos para pagar pelos déficits causados por pacotes de estímulo, mais assistência médica, maior proteção aos trabalhadores", avalia.

É um modelo mais próximo do que se viu historicamente após esforços em massa de guerra, como na primeira metade do século 20. "Isso poderia no fim ter o efeito de preparar a sociedade para mudanças que a tornem mais inclusiva e progressista", disse.

Historiador Walter Scheidel é professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos - Universidade Stanford/Divulgação - Universidade Stanford/Divulgação
Historiador Walter Scheidel é professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos
Imagem: Universidade Stanford/Divulgação

Leia abaixo a entrevista completa.

BBC News Brasil - Seu livro lista pandemias letais como "cavaleiros do apocalipse", rupturas que reduziram a desigualdade econômica ao longo da história. Como acha que a atual pandemia de covid-19 vai afetar a desigualdade no mundo?

Walter Scheidel - Depende do quão longa e severa ela será. Podemos ver algumas tendências, entretanto. Uma delas é que os ricos neste momento estão menos ricos do que eram menos de um mês atrás, por causa dos efeitos na Bolsa de Valores. É um efeito de curto prazo, e vimos algo parecido após a crise financeira global depois de 2008. E levou alguns anos para que as ações se recuperassem. Então esperaria que algo semelhante acontecesse a partir de agora. Não deve haver tanta equalização nesta frente no longo prazo.

Ao mesmo tempo, vemos que parte da força de trabalho está sendo afetada negativamente, especialmente pessoas em trabalhos menos protegidos, que estão perdendo emprego, trabalhando menos horas, assumindo dívidas. E vai levar mais tempo para eles se recuperarem disso, especialmente por conta das dívidas. Então, mais uma vez, não há efeito equalizador.

Há um terceiro componente, que tem a ver com o fato de que, se olharmos para a história, crises muito sérias podem afetar preferências políticas e escolhas políticas. Se este evento for severo o suficiente, ele pode alterar as preferências do eleitorado de forma que se mova para uma defesa de um estado de bem-estar social mais forte, impostos mais altos para pagar pelos déficits causados por pacotes de estímulo, mais assistência médica, maior proteção aos trabalhadores, todas essas coisas que estão sendo impulsionadas por Bernie Sanders [pré-candidato democrata à Presidência] nos Estados Unidos, ou que foram defendidas pelos antecessores do atual presidente no Brasil.

Essas ideias estão presentes, mas não são suficientemente fortes ainda. Elas podem se tornar mais fortes, se o deslocamento causado por essa pandemia for grande o suficiente. Essa é a minha previsão com base no que aconteceu em situações semelhantes a estas ao longo da história. Quando há crises fortes o suficiente, há uma mudança no tom do debate político, mudando o equilíbrio.

BBC News Brasil - Isso parece alinhado ao que vemos nos Estados Unidos atualmente, com a aprovação de um pacote que inclui políticas de transferência de renda.

Walter Scheidel - Sim. Todas essas ideias já estão presentes no debate. A ideia de renda básica já está sendo debatida há uma década. Todo o debate sobre desigualdade começou a ganhar força depois da última crise, doze anos atrás. Virou um grande assunto, mas não chegou a acontecer muita coisa em termos práticos.

Acho que uma possibilidade real no caso de uma crise ainda mais severa, como a atual, é que essas ideias, que muita gente chama de radicais, se movam mais para o centro do debate. Isso aconteceu antes. Aconteceu na Grande Depressão, aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, então pode acontecer novamente.

BBC News Brasil - Ainda assim, o senhor acredita que o covid-19 vá se tornar uma pandemia com efeito muito fortes diretamente na desigualdade, como visto na história? Seu livro fala sobre a Peste Negra, e hoje há muitas comparações com a pandemia de influenza em 1918.

Walter Scheidel - A comparação com 1918 é perigosa. Alguns estudos de economistas olham para as repercussões econômicas daquela pandemia, mas isso é algo difícil porque ela se mistura com os efeitos da Primeira Guerra Mundial, que foi um evento mais sério, de certa forma.

Sim, as pandemias mais antigas, como a Peste Negra, ou as que dizimaram as populações indígenas nas Américas após 1492, tiveram impacto direto (na desigualdade). Não estamos falando de nada nesse nível, pois a taxa de mortalidade, mesmo no pior cenário possível, é muito menor e mais concentrada em populações mais velhas, sem afetar tanto a força de trabalho como aconteceu no passado.

Então, não deve haver uma mudança demográfica ou um deslocamento econômico comparável ao que houve no passado mais distante. Por isso eu enfatizei o papel das mudanças políticas como o efeito que a pandemia pode ter na desigualdade. Ela tem o poder de afetar o que as pessoas querem e pensam que querem ao longo dos próximos anos, e como os políticos vão lidar com isso.

BBC News Brasil - O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está indo na contramão de outros políticos do mundo e rejeitando políticas duras de confinamento por conta dos efeitos negativos na economia. Acha que este comportamento pode ter relação com uma tentativa de evitar este tipo de impacto da pandemia na política?

Walter Scheidel - Acho que sim. Vemos isso todas as vezes ao longo da história. A elite entrincheirada não tem interesse nesse tipo de mudança, então sempre há resistência a mudanças trazidas por reformas progressistas. O resultado é determinado em ampla medida por quem vence, por que lado dessa disputa se coloca com mais força. Houve pessoas na Idade Média que tentaram fazer os pobres trabalharem pelos mesmos salários que recebiam antes, apesar de haver apenas metade dos trabalhadores ativos de antes, numa tentativa de coagir as pessoas a continuar no mesmo status quo, o que não era possível. Em outros momentos, isso foi possível, como em situações do feudalismo.

Há diferentes tipos de resposta para este tipo de crise que enfrentamos agora, e vai depender muito do tipo de país em que se vive. É possível que as forças reacionárias do status quo sejam tão fortes que, ao fim da crise, a vida volte ao mesmo sistema que havia antes, mas com mais polarização e desigualdade, o que pode criar instabilidade no longo prazo. Por outro lado, podemos pensar que o outro lado sai com vantagem, e vemos uma mudança de trajetória. Isso está em aberto atualmente, especialmente em países como os Estados Unidos e o Brasil, onde já há muita desigualdade e os interesses entrincheirados são muito poderosos.

Se estivéssemos falando da Suécia, a diferença não seria tão grande, já que já existe um estado de bem-estar social, que deve dar ainda mais apoio à população. Mas em países como os nossos, está tudo muito em aberto e não temos como saber que lado vai vencer. Ainda assim, acredito que as forças progressistas agora têm uma chance maior de serem bem-sucedidas enquanto a crise piora, pois se torna mais fácil eles apresentarem seus argumentos.

BBC News Brasil - O confinamento reduz o número de mortes, mas afeta a economia e os argumentos da política. Mas, se a população abandonar o confinamento, como o presidente do Brasil chegou a sugerir, podemos ver uma taxa de mortalidade maior, o que pode até afetar o tamanho da população e o número de trabalhadores também, não?

Walter Scheidel - Sim e não. Precisamos levar em consideração que, todos os anos, 1% da população morre. E muitas das pessoas que agora são vítimas da covid-19 talvez fossem morrer de qualquer forma, já que são especialmente pessoas idosas e com outras doenças. Não está inteiramente claro quanto o resultado da pandemia será terrível do ponto de vista quantitativo. Um ponto importante é que isso assusta as pessoas, e o medo vai ser um aspecto importante para definir mudanças de prioridade política - mais até do que o número de mortos.

Atualmente, nos EUA, vemos pressão de políticos dos Estados contra o governo, com uma perspectiva muito mais séria do que a de Trump. São os Estados que estão propondo ações mais radicais de confinamento. Pelo que sei, isso é parecido com o que acontece no Brasil.

BBC News Brasil - O senhor fala sobre os impactos de pandemias em desigualdades, e falou sobre as mudanças de prioridades por conta da propagação do coronavírus. Aqui no Brasil há uma expectativa de que a população mais pobre sofra mais com os efeitos da doença, por conta de uma desigualdade já muito grande. Acha que esse tipo de situação pode ter impactos políticos e econômicos no país?

Walter Scheidel - No curto prazo, sem dúvida isso vai aumentar a polarização, pois vai fazer com que as pessoas se sintam ainda mais alienadas por verem que não são parte do sistema. Se nada mudar, isso pode desestabilizar a sociedade além do que já vemos no Brasil atualmente. Isso ainda pode ser usado por políticos para acelerar mudanças para um lado ou o outro do espectro político dessa polarização. Mas acho que há um potencial para um reforço a políticas progressistas, muito mais do que havia um mês atrás.

BBC News Brasil - Seu livro fala de pandemias como "niveladores", rupturas que diminuíram a desigualdade no mundo ao longo da história. Pode explicar como isso acontece?

Walter Scheidel - Isso está muito claro na história, especialmente até o século 20, quando o mundo era formado por sociedades agrárias. O princípio é muito simples: Se pessoas demais morrerem, vai haver uma redução de mão de obra, mas a quantidade de terra para o trabalho continua sendo a mesma, então o valor do trabalho sobe enquanto o valor da terra cai. Como resultado, trabalhadores podem vender sua força de trabalho por salários mais altos, e as pessoas ricas que são proprietárias de terra vão ter uma renda menor, pois a terra vai valer menos e vão ter que pagar salários mais altos.

É um mecanismo muito simples, mas que vemos se repetir ao longo da história até o século 20. É fácil ver ao longo da história como epidemias severas tinham um resultado positivo - se é que se pode dizer isso - em termo de empoderamento da classe trabalhadora e atrapalhando os interesses dos mais ricos. Isso não funciona mais exatamente assim porque não somos mais uma sociedade agrária.

BBC News Brasil - Desde que deixamos de viver em sociedades agrárias, nenhuma pandemia teria mais esse tipo de efeito?

Walter Scheidel - Quando escrevi o livro, tentei pensar que tipo de cenário terrível poderia criar impactos assim atualmente. Epidemiologistas explicam que hoje, se uma epidemia for muito letal, ela não se espalha tão rapidamente pelo mundo. Além disso, com o desenvolvimento das últimas décadas, a ciência passou a ter a capacidade de salvar o status quo. Pois a ciência é muito mais rápida em produzir tratamentos e vacinas para diminuir o impacto dessas epidemias e fazer mais fácil voltar à vida normal. Há tantos avanços científicos, que a realidade é muito diferente do que era um século atrás. Assim, diminuiu muito a probabilidade de uma praga realmente devastadora que tenha potencial de reduzir tanto a população.

BBC News Brasil - Pode falar mais sobre os outros três "cavaleiros do apocalipse" que afetam a desigualdade e que apresenta no livro?

Walter Scheidel - Em sociedades mais antigas, eram pandemias e o colapso do Estado que reduziam a desigualdade. Eram sociedades muito desiguais e que tendiam a beneficiar os ricos e poderosos. Então, se os Estados se desfaziam, os ricos perdiam seus privilégios e seu poder e sua riqueza. E todo mundo podia acabar pior do que estava antes, mas os ricos tinham mais a perder. Era um mecanismo bem simples, que vimos por milhares de anos. A partir do século 20, temos dois novos "niveladores", que estão muito conectados, que são a mobilização em massa para guerra, nas duas Guerras Mundiais, e as revoluções comunistas, especialmente na Rússia e na China. As revoluções são autoexplicativas, já que a função delas é buscar uma redução da desigualdade e atacar os ricos.

A mobilização para a guerra é um caso interessante porque o que temos é uma intervenção maciça do Estado na economia para impulsionar os esforços de guerra. Assim temos controles sobre lucros, preços, salários, e fica mais difícil para os donos do capital terem lucro. Os impostos costumam aumentar para pagar pela guerra e controlar a inflação. Ao mesmo tempo, temos pleno emprego e o poder de barganha dos trabalhadores aumenta. Além disso, a experiência compartilhada de medo, mortes, racionamento, estar sob ataque, muda a atitude das pessoas e faz com que haja mais apoio após guerras a políticas de redistribuição de renda. Por isso vimos o Ocidente desenvolver o Estado de Bem-Estar Social logo após a Segunda Guerra Mundial. Eles tinham dinheiro para investir em saúde pública, educação, previdência, e uma rede de proteção que não existia da mesma forma antes. Então houve uma mudança no que o Estado oferecia por conta do aumento da capacidade do Estado, do aumento de impostos e das atitudes das pessoas. Assim, acabamos com sociedades mais igualitárias. Isso não vai durar para sempre necessariamente.

Desde os anos 1970, começou a haver várias ondas de liberalização da economia, e as populações que viveram o processo de maior igualdade começaram a morrer, e novas gerações têm perspectivas diferentes, o que acabou aumentando a desigualdade. Mas podemos ver um efeito muito claro da guerra numa redução de desigualdades por mais de uma geração. É importante deixar claro que isso não aconteceu na América do Sul, pois o continente ficou de fora da guerra, então não vemos efeitos semelhantes aí.

BBC News Brasil - Alguns governos ocidentais falam em "esforço de guerra" contra a propagação da doença. Isso pode ter efeito parecido com o que guerras tiveram sobre a desigualdade no passado?

Walter Scheidel - Políticos fazem isso porque eles sabem que a retórica de guerra funciona. A atenção das pessoas fica preparada para isso. Pode-se dizer que essa retórica vai ser útil, no fim das contas, se puder criar um senso de que a população está nisso junta, e que vai haver um sacrifício compartilhado por todos. Claro que só a retórica não vai ser suficiente, mas algumas das medidas realmente são similares às que vemos em guerras, como intervenção do Estado na economia, restrição de liberdades, déficits gigantescos para manter a economia ativa. No longo prazo, podemos ver nacionalizações de algumas indústrias, intervenção em setores privados para fazer as empresas terem uma participação maior na área de saúde. Não é nada que chegue perto do que há numa guerra, mas vai um pouco nessa direção. Então temos a retórica de guerra e ações que vão na direção de políticas de tempos de guerra. Isso poderia no fim ter o efeito de preparar a sociedade para mudanças que tornam ela mais inclusiva e progressista.

BBC News Brasil - Como a desigualdade mudou ao longo da história?

Walter Scheidel - Sempre que temos tempos de paz e estabilidade por muito tempo, a desigualdade tende a se tornar muito alta, pois isso favorece as pessoas que têm predisposição a tirarem vantagem desse contexto. Quanto mais tempo esse período dura, mais a riqueza fica concentrada no topo, pois as pessoas herdam e passam ela adiante. Quando temos grandes disrupções da história, temos potencial de mudanças que não favorecem os mais ricos.

Então, a história é marcada por altos e baixos de desigualdade. Vimos a formação de grandes impérios, como em Roma, e a desigualdade cresceu. O império caiu, e a desigualdade diminuiu. Na Idade Média, a peste negra veio, e a desigualdade caiu. Nas Américas, a sociedade colonial era muito desigual, mas as guerras de liberação diminuíram ao menos um pouco a desigualdade. Podemos ver isso acontecer em vários momentos, e isso ainda se aplica aos dias de hoje. Não é surpreendente que a desigualdade esteja mais alta hoje do que duas gerações atrás, mas no passado ela também já foi muito grande.

BBC News Brasil - Um ponto da sua análise histórica diz que, apesar de a desigualdade ser apontada como fonte de muitos dos problemas do mundo hoje, os momentos que a diminuíram não foram necessariamente para beneficiar os mais pobres, mas mais para tirar dos mais ricos... Fora o pós-Segunda Guerra Mundial, é possível pensar em um mecanismo que levante as populações das camadas mais baixas?

Walter Scheidel - Isso depende muito do tipo de crise. Quando um Estado colapsa, todo mundo fica numa situação pior do que estava antes. A diferença é que os pobres têm menos dinheiro a perder. Em pandemias, os ricos ficaram menos ricos e os pobres ficaram menos pobres, então há um pouco esse efeito de favorecer os mais pobres. Depois da Segunda Guerra Mundial, os pobres ficaram significativamente menos pobres. Nas revoluções comunistas, depende muito. Os ricos perdem tudo, e em algumas situações os pobres ficaram menos pobres, mas em outras eles ficaram mais pobres. Depende do tipo de sistema. Depende da natureza do desastre, ou da crise, que altera a distribuição. Por isso não está muito claro na situação atual se os pobres vão se beneficiar da pandemia. Há potencial para que isso aconteça, mas não é garantido.

BBC News Brasil - O seu livro termina com uma conclusão um tanto pessimista sobre o futuro. Mesmo que as pessoas estejam falando mais sobre desigualdade, o senhor não vê uma possibilidade de esse quadro de distribuição de riqueza mudar sem uma grande disrupção?

Walter Scheidel - Não acho que vá acontecer porque isso nunca aconteceu na história. Isso não significa que não possa acontecer, e há muita coisa imprevisível no século 21. Há sempre o potencial de vermos alguma mudança pacífica, mas considerando o que vimos ao longo da história, não há um modelo muito claro sobre como isso pode acontecer.

BBC Brasil News - Ainda assim, seu livro menciona a América Latina do início do século 21 como um dos principais candidatos para uma equalização sem violência. Olhando para esse movimento, quão importante acha que ele foi e por que acha que ele não foi mais bem sucedido no sentido de diminuir as desigualdades?

Walter Scheidel - É uma questão muito difícil, e tem muita gente tentando entender esse movimento. Aparentemente, foi um progresso muito limitado a um período de cerca de uma década em que o progresso foi alcançado por uma combinação rara de circunstâncias: havia mudança política, havia o resultado de reformas aprovadas nos anos 1990, havia demanda por commodities na China e em outras economias emergentes, havia o resultado de investimentos em educação feitos nos anos 1990. Foi a culminação de fatores que levaram a esse resultado, mas não está claro o quanto esses resultados eram sustentáveis. Além disso, sempre houve forças de reação presentes, que esperavam suas chances de se impor contra esses movimentos, o que vemos claramente no Brasil atualmente, mas também em outros países. Houve uma reação contra isso. Parece que as condições que favoreciam o movimento por menor desigualdade se enfraqueceram, e as forças de reação conseguiram ganhar mais força para lutar contra ela.