V, U ou W, os 3 cenários possíveis para a recuperação econômica após a pandemia de covid-19
A pandemia de covid-19 está gestando uma recessão que já foi batizada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de "o Grande Confinamento". E parece haver um consenso de que será a maior crise econômica desde a Grande Depressão de 1929. A pergunta que se fazem os economistas é: qual forma essa crise terá?
Economistas costumam recorrer ao alfabeto para explicar visualmente como preveem a recuperação de uma economia.
"É uma boa simplificação e uma maneira muito gráfica de dizer qual estilo acreditamos que terá a recessão", diz à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) José Tessada, diretor da Escola de Administração da Universidade Católica do Chile.
Algumas das letras mais comumente usadas, explica Tessada, são V, W e U.
E elas ajudam o público a visualizar o gráfico da taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) ao longo do tempo.
Há diferentes conceitos sobre o que é uma recessão. Nos EUA, o Escritório de de Pesquisas Econômicas (NBER, na sigla em inglês) fala de recessão quando há uma queda "significativa" da atividade econômica ao longo de "alguns meses" e que se reflita no PIB real, nos salários, nos empregos, na produção industrial e no comércio.
Em geral, porém, a definição predominante é de que uma economia entra em recessão quando acumula dois trimestres consecutivos de queda no PIB.
Com base nisso é que está sendo feita a maior parte das previsões de como o mundo vai se recuperar do impacto do novo coronavírus e das medidas de confinamento. Vale destacar que a incerteza ante a crise é grande: o economista-chefe para América Latina do Banco Mundial, Martín Rama, disse à BBC que é bom enxergar "todas as previsões feitas neste momento com uma enorme margem de erro".
V, o cenário mais otimista
As recessões formam parte do ciclo econômico e, para algumas correntes do pensamento econômico, são inevitáveis. Dessa forma, o melhor é que, quando ocorram, tenham a forma de V.
"Recessões boas não existem, mas a V tem uma queda pronunciada e uma retomada igualmente pronunciada", explica Tessada. "A ideia é que volta-se a um nível muito similar ao inicial e que a recessão é relativamente rápida. (...) Embora possa durar um par de trimestres ou mais."
O V descreve uma redução forte do PIB, com um ápice breve e uma recuperação acelerada. As previsões mais otimistas consideram que ainda há possibilidade de que a recessão atual acabe tomando essa forma.
Tessada afirma que, nas circunstâncias atuais, todas as três possibilidades ? V, U e W ? "estão sobre a mesa".
"Existe a suspeita de que, se conseguir-se controlar a pandemia, poderíamos estar diante de (uma recessão) V porque poderiam-se suspender as restrições (ao comércio e circulação) e recuperar o crescimento aos níveis anteriores ou parecidos."
Paul Gruenwald, economista-chefe global da agência de classificação de riscos S&P Global Ratings, prevê que no segundo trimestre de 2020 veremos uma queda aguda como as que se dão nas recessões com forma de V.
No entanto, ele recorda que, para isso acontecer, seria necessário retomar a economia de forma ágil e abrupta, o que pode não ser o caso se a pandemia continuar avançando rapidamente em alguns países (como é o caso do Brasil atualmente).
"Digamos que as restrições ao distanciamento social sejam suspensas ou que se desenvolva uma vacina ou tratamento. Daí, voltaríamos rapidamente à rota original", diz Gruenwald à BBC News Mundo.
No entanto, os cenários mais prováveis que ele esboça em um relatório recente não são tão otimistas. O que marcará o ritmo da recuperação, em sua opinião, serão os efeitos sobre o lado da oferta a mão de obra, o capital e o crescimento da produtividade.
"Se nenhum (desses elementos) mudar, a economia regressará a sua rota original, que é um bom cenário." Não seria um V exato, mas sim alargado, diz ele.
"Mas isso não sabemos agora, é algo que vamos acompanhar no próximo ano ou dois anos."
U, o cenário mais provável
As projeções da S&P para a economia global compreendem uma queda no PIB global de 2,4% em 2020, seguida de um crescimento de 5,9% em 2021.
Algo que, para Gruenwald, faz com que a recuperação pareça mais similar a um U do que a um V.
"O que vemos agora se parece mais a um U, ou um U longo, em que recuperaríamos a maior parte do choque (recessivo), mas a uma taxa menor", prevê.
Uma recessão em forma de U, explica Tessada, é aquela em que "se entra e se sai, mas ficando (com crescimento) baixo um pouco mais de tempo, sendo custoso sair (da crise). A recuperação é difícil, mas com o tempo se sai e se volta a um nível igual ao anterior".
Esse é o cenário previsto também pela diretora administrativa da agência de classificação de riscos Moody's, Elena Duggar.
"Não vamos recuperar durante a segunda metade do ano toda a produção perdida na primeira metade. Há muita atividade, por exemplo no setor de serviços, que não vai ser recuperada: toda a comida perdida nos restaurantes, as férias, os planos de viagem", explica à BBC News Mundo.
"Muito disso será atividade que o PIB perderá. Mas sim acreditamos que, uma vez que acabe o confinamento e as atividades sejam retomadas, haverá uma recuperação na segunda metade do ano."
Recentes previsões da Moody's, no final de fevereiro, estimaram uma queda global de 0,5% do PIB em 2020, seguida de uma alta de 3,2% em 2021.
"Estamos supondo que os confinamentos serão suspensos ao longo do verão (no hemisfério Norte, ou seja, nos meses de junho, julho e agosto) e que a atividade será retomada. Também supomos, e temos visto algo disso, que as respostas dos governos funcionarão: políticas fiscais e monetárias muito fortes e que terão como objetivo ajudar a recuperação", diz Duggar.
Em meio à incerteza com que são feitas essas projeções, uma coisa é dada como certa: o segundo semestre deste ano vai ser economicamente doloroso.
Paul Gruenwald, da S&P, estima que a queda deste trimestre será de 9%. Com uma redução dessa magnitude, não está claro se será possível recuperar a trajetória que a economia parecia seguir antes da pandemia. Ou seja, o mesmo nível de produção e crescimento que se esperava para 2020.
"Mais que um V ou um U, a questão é qual será a trajetória final (da economia). Voltaremos à mesma (trajetória)? E quanto tempo levaremos para chegar a ela?", questiona.
"Vamos ter uma contração muito profunda durante o segundo trimestre", explica Duggar. "Na China, ela começou no primeiro trimestre. No resto do mundo, diante da forma como o vírus avança, há um atraso de alguns meses. Então esperamos que a recuperação comece no terceiro ou no quatro trimestre. Mas a contração neste segundo trimestre vai ser tão grave que provocará cifras de crescimento negativo nos resultados anuais. Veremos o quão profunda será quando começarem a chegar os dados de abril. Só o que vimos até agora são indicadores de aumento agudo no desemprego."
Ao mesmo tempo, os analistas veem sinais positivos que podem levar, por fim, à curva em U.
"Há boas notícias em duas frentes", diz Duggar. "Estamos vendo a China começar a sair do confinamento, reabrir fábricas. Há relatos de que se recuperou de 45% a 70% da capacidade (produtiva). Em termos de capacidade econômica para voltar a funcionar, vemos notícias positivas aí."
A outra frente, acrescenta ela, "são as medidas de apoio fortes. Bancos centrais dos dois lados do oceano (Atlântico) estão agindo com rapidez para dar liquidez ao mercado. Estamos vendo grandes pacotes (de ajudas) em muitos países".
Em seu informe, a S&P vê como sinais positivos que as curvas de contágio do novo coronavírus estejam ficando mais planas e que as intervenções governamentais estejam se refletindo em estabilização da volatilidade do mercado financeiro.
A turbulência do W
Como diz José Tessada, por enquanto "todo o alfabeto" está sobre a mesa nas previsões da crise, uma vez que ainda não está claro se as medidas de confinamento em curso atualmente serão suficientes - ou se precisarão ser estendidas.
A S&P aponta em seu informe que alguns fatores podem colocar em risco a recuperação econômica - por exemplo que, depois de enormes gastos públicos durante a pandemia, governos comecem a aplicar medidas de austeridade antes do tempo.
Mas Gruenwald acha que o maior risco ainda é a questão de saúde e a possível necessidade de períodos intermitentes de isolamento social.
"Se tivermos um cenário em que o distanciamento social é relaxado e o número de infecções voltar a subir, iremos para frente e para trás e teremos uma recuperação muito mais lenta."
Uma curva de contágio da covid-19 que suba e desça acabaria provocando uma recessão com forma de W.
"O W é quando se entra e sai e depois volta-se a entrar (em recessão)", explica Tessada. "A recuperação final não ocorre, e no meio há um momento de aceleração que não se sustenta e (a economia) volta a cair."
Esse percurso turbulento rumo à normalidade causaria perdas de produção, diz o informe da S&P, acrescentando que "o mais inquietante é que é possível que não consigamos uma vacina ou tratamento no período desse prognóstico, o que significaria que voltar à normalidade pode ser impossível."
Vem à mente também a letra L: nesse cenário, depois de uma queda, a economia se manteria estável em um ritmo muito menor, sem se recuperar.
"Mas isso, no fundo, mais que uma recessão é uma mudança permanente no nível de crescimento", afirma Tessada.
E a América Latina?
No Brasil, a previsão de 14 de abril do FMI (Fundo Monetário Internacional) é de que a economia despenque 5,3% em 2020 (contra uma previsão anterior, de janeiro, de crescimento de 2,2%).
No continente em geral, o Banco Mundial prevê que a economia latino-americana e do Caribe (descartando-se a Venezuela do cenário) caia 4,6% em 2020 e cresça 2,6% no ano que vem. Isso esboçaria uma recessão em forma de U, diz Martín Rama, economista-chefe do banco para a região.
"Vejo como um U porque somos otimistas para o ano que vem porque achamos que a essa altura a pandemia vai ser melhor entendida, haverá mais capacidade de testes e talvez uma vacina. E achamos que as economias avançadas, como EUA, China e Europa, podem mobilizar os meios financeiros e têm a estrutura necessária para se recuperar", diz à BBC News Mundo.
Com economias fortemente ligadas ao desempenho da China e dos países do G7, os países da América Latina terão uma capacidade de resposta à crise que dependerá, em grande parte, da velocidade como as nações mais ricas se recuperarão, diz Rama.
"Nosso temor é que, nos próximos meses, os países da América Latina vão sofrer a segunda fase (da crise): haverá empresas que não vão conseguir se custear, que vão demitir trabalhadores, haverá famílias e empresas que não conseguirão pagar impostos, a demanda vai cair, as finanças públicas vão sofrer, os bancos hoje sólidos podem se ver afetados pela inadimplência", prossegue.
"Agora, as necessidades financeiras dos nossos países são basicamente para atender as emergências médicas e para ajudar quem não pode trabalhar, que é informal e vive do dia a dia. Essas são cifras gerenciáveis, mas com o pouco espaço fiscal que temos na América Latina serão necessárias medidas mais extraordinárias para apoiar a atividade econômica ou para impedir uma crise financeira - é daí que vem o grande risco."
Por um lado, a região tem a "vantagem" de a epidemia ter chegado aqui um pouco mais tarde, o que lhe dá uma margem de aprendizado com os demais países.
Só que, diz Rama, há desvantagens: "(a pandemia) ocorre na região depois de praticamente cinco anos de crescimento bastante reduzido, com exceções como República Dominicana, Panamá, Colômbia".
A isso se soma a instabilidade política vivida no ano passado em países como Chile, Equador e Bolívia: "o descontentamento social que tivemos no ano passado mostra uma dificuldade para uma população que havia aspirado a um nível de vida de classe média, mas havia se desiludido", agrega Rama.
"O que for feito agora nesta emergência vai ter também consequências de longo prazo. Manter o olhar no desenvolvimento de longo prazo é importante também em (um período de) urgência como este."
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