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Coronavírus: 'Deveríamos já começar a nos preparar para a próxima pandemia', diz Nobel de Economia Robert Shiller

Shiller disse que normalmente as situações de guerra tendem a unir as pessoas - Getty Images
Shiller disse que normalmente as situações de guerra tendem a unir as pessoas Imagem: Getty Images

Cecilia Barría

BBC News Mundo

27/05/2020 14h55

Quando recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2013, o americano Robert J. Shiller foi descrito como um inovador que conseguiu incorporar elementos da psicologia na pesquisa econômica e pioneiro na análise da volatilidade do mercado financeiro, preços de ativos e bolhas especulativas.

No fim do ano passado, Shiller publicou Narrative Economics: How Stories Goal Viral e Drive Major Economic Events (Economia Narrativa: Como histórias viralizam e impulsionam eventos econômicos, em tradução livre), pouco antes do início da pandemia de coronavírus.

Em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, conversamos com o professor da Universidade Yale sobre como essa nova "economia pandêmica" está afetando nossas vidas, como se relaciona com outros eventos históricos, como influencia os mercados financeiros e como pode transformar o mundo em vivemos.

Confira os principais trechos.

BBC News Mundo - Estamos à beira de uma recessão econômica global que foi comparada à Grande Depressão. O sr. acha que são eventos comparáveis?

Robert J. Shiller - A maioria das pessoas pensa que não há paralelo com a Grande Depressão porque a Grande Depressão foi causada por erro humano, e não por um evento externo.

Aceito essa ideia, mas não completamente, porque acho que o medo que temos neste evento (a pandemia) pode durar mais tempo, bem como seu impacto em nosso pensamento e psicologia. Não é errado olhar para a Grande Depressão como um indicador.

BBC News Mundo - Quais são as maiores semelhanças entre o que estamos experimentando agora e o que aconteceu com a crise do mercado de ações em 1929?

Shiller - As pessoas experimentam o que os psicólogos chamam de "heurística do afeto", um conceito cunhado por Paul Slovic, que diz que as pessoas tomam decisões com base em eventos que causam medo.

Escrevi um artigo sobre isso com William Goetzmann e Dasol Kim. Por meio de pesquisas, perguntamos às pessoas sobre a probabilidade de um colapso do mercado como a Grande Depressão de 1929.

Durante a Grande Depressão da década de 1930, houve desabastecimento de comida - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Descobrimos que as pessoas estavam muito preocupadas com uma quebra do mercado de ações com base em eventos históricos muito raros. As pessoas têm uma inclinação natural a exagerar os riscos. E descobrimos que após eventos negativos, como um terremoto, o medo do colapso financeiro se acelera.

O evento pandêmico é um exemplo perfeito de "heurística do afeto". Para a maioria, é um evento relacionado a ficar em casa por medo de uma doença que matou muitas pessoas.

A pandemia é mais poderosa que um terremoto no sentido de gerar preocupação e ansiedade nas pessoas. E essa ansiedade pode durar muito tempo.

No final, depende se você está disposto a gastar dinheiro. Você está disposto a gastar dinheiro em férias em um lugar bonito ou fazer um cruzeiro? Bem, eu diria que não é bom fazer algo assim agora.

BBC News Mundo - Em seu livro mais recente, o sr. explica como as histórias que contamos influenciam ou conduzem eventos econômicos. Como isso funciona no contexto da pandemia?

Shiller - A questão da pandemia está em toda parte, assim como as narrativas sobre as respostas à pandemia, se os governos estão fazendo um bom trabalho ou não.

Que efeitos essa narrativa tem? Tem efeitos bons e ruins. Uma é que isso nos deixa com medo, porque vemos o medo que outras pessoas têm quando falam sobre isso. Isso ajuda a exagerar nossos medos.

Vemos isso, por exemplo, quando ocorre uma bolha negativa no mercado de ações.

Shiller diz que há uma pandemia de ansiedade financeira nos mercados - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

As pessoas veem os preços caírem e tentam descobrir o porquê, começam a amplificar histórias que explicam o declínio. As histórias se espalham e os preços caem repetidamente.

BBC News Mundo - Por esse argumento, o sr. diz que não há uma pandemia, mas duas. A pandemia de covid-19 e a pandemia de ansiedade financeira devido às consequências econômicas da primeira. Como essas duas pandemias se relacionam?

Shiller - A intensidade da reação à crise da covid-19 é parcialmente lógica. Muitos países implementaram políticas de ficar em casa ou em quarentena. Essa é uma situação real que afeta a economia.

Mas, ao mesmo tempo, há um aspecto psicológico que gera medo e ansiedade. Um estado mental ansioso é criado e essa ansiedade é uma epidemia em si mesma, não é uma resposta racional às notícias, é por isso que digo que existem duas pandemias.

Temos epidemias de gripe todos os anos, eles não matam tantas pessoas quanto a covid-19 e as pessoas, ao que me parece, as ignoram. O aumento do medo de uma gripe para um coronavírus provavelmente é alimentado por essa narrativa, pois todos estão falando sobre isso intensamente.

BBC News Mundo - Cientistas e governos estão lidando com a pandemia da covid-19. Mas como os efeitos da pandemia de ansiedade financeira podem ser gerenciados?

Shiller - Infelizmente, é um problema difícil, porque o governo não pode controlar a ansiedade do público. Isso é uma coisa de psicoterapia. Acho que todos nós poderíamos visitar o terapeuta. Não sei se isso seria suficiente (risos).

Talvez junto com o cheque de US$ 1,2 mil que o governo dos Estados Unidos enviou às pessoas para aumentar o consumo...

Isso cobriria apenas uma sessão com alguns psiquiatras.

BBC News Mundo - Quase dois meses se passaram desde que o mercado de ações dos EUA atingiu o pico em 23 de março. Se olharmos para o índice de ações S&P 500, a curva está subindo após um declínio brutal. O que isso nos diz sobre os mercados? Por que eles estão se recuperando se a incerteza ainda persiste?

Shiller - Porque existe FOMO ("fear of missing out", ou medo de perder alguma coisa, em tradução livre), um termo cunhado pelo banco de investimentos Goldman Sachs para descrever um estado de espírito.

Fala-se de uma nova vacina que está a caminho, notícias positivas sobre a vacina aparecem. E o mesmo vale para tratamentos para a doença.

Vemos uma narrativa que influencia a percepção dos investidores. Você poderia dizer que o mercado pode subir quando estiver claramente confirmado que existe uma vacina ou tratamento.

Mas o que acontece é que algumas pessoas ficam ansiosas e não querem olhar para trás e perceber que perderam dinheiro com uma das maiores altas da história do mercado financeiro. Então, elas investem no mercado e nos deixam nessa situação ambígua.

Isso faz parte da narrativa, pois a ideia de uma possível recuperação em forma de V é vívida na imaginação das pessoas, porque tivemos uma recuperação em forma de V quando houve uma queda de 20% no mercado de ações no final de 2018. E depois subiu para novos recordes.

'A ideia de uma possível recuperação em forma de V é vívida na imaginação das pessoas', diz Shiller - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Isso ainda está em nossa memória de curto prazo, aconteceu apenas um ano e meio atrás.

Se olharmos para trás, há outros exemplos. No início de 2018, também vimos uma recuperação na forma de V. O mesmo em 2009.

O que vemos é uma combinação das notícias sobre o vírus e as recentes experiências de recuperação nos mercados em forma de V, que fizeram as pessoas quererem permanecer no mercado e causaram um aumento nos preços das ações.

Economista alerta que 'está chegando uma viagem louca na bolsa', como se fosse uma montanha-russa - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

BBC News Mundo - Se os investidores acreditam que teremos uma rápida recuperação na forma de um V, podemos pensar que o pior já passou nos mercados financeiros?

Shiller - Não, não podemos esperar isso. Depois de 1929, o mercado de ações caiu um terço, depois recuperou metade do terreno perdido em 1930, mas depois desabou novamente. E em 1936, subiu novamente e depois caiu novamente.

A economia estava fraca ao longo da década, mas o mercado de ações estava em uma viagem louca.

Acho que é isso que podemos guardar agora: uma viagem louca na bolsa.

É que as pessoas estão muito focadas na pandemia da covid-19 e em como pensam que isso afetará os mercados... isso, por si, já afeta os mercados.

BBC News Mundo - O sr. disse que a pandemia poderia abrir uma oportunidade para diminuir a desigualdade, mas outros economistas são mais céticos. O que explica seu otimismo?

Shiller - Não consigo prever o futuro. A desigualdade pode crescer. Está crescendo há algum tempo. É como uma situação de guerra.

Felizmente, não é uma guerra real, mas geralmente as situações de guerra tendem a unir as pessoas. Desta vez, estamos todos do mesmo lado. Todos os países do mundo estão do mesmo lado nesta guerra.

A pandemia ocorre em um momento de divisão em que os governos populistas do mundo estão defendendo diferenças étnicas e religiosas. Portanto, pode ser uma mudança bem-vinda.

Robert Shiller, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, considera que existem duas pandemias no mundo - Getty Images - Getty Images
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Isso não causa necessariamente uma diminuição da desigualdade, embora a desigualdade geralmente diminua durante ou após uma guerra, porque as pessoas estão impressionadas com o heroísmo da guerra.

BBC News Mundo - Que resultados positivos essa pandemia poderia trazer?

Shiller - Suponho que possa haver algumas melhorias nos programas sociais. Vimos durante a pandemia como as pessoas vulneráveis que vivem perto da fronteira são. Vimos como eles sofreram durante a pandemia.

Poderia haver melhorias no sistema de redistribuição, progressividade no sistema tributário no mundo e serviços oferecidos ao público, como o sistema de saúde e a educação.

O sistema de saúde é particularmente importante porque estamos cientes de suas deficiências e sabemos que as instalações não são adequadas para enfrentar esta crise.

Economista sustenta que Estados Unidos não estavam preparados para enfrentar pandemia e não tomou medidas necessárias a tempo - Getty - Getty
Imagem: Getty

O papel do Estado como provedor de saúde e o Estado como peça-chave em tempos de crise também foram reavaliados de alguma forma.

Isso também aconteceu na Grande Depressão. Havia algumas políticas redistributivas focadas nos setores de baixa renda. Após essa pandemia, pode haver algumas mudanças, parece provável, mas não posso provar nada.

Nos Estados Unidos, escolhemos um presidente mais individualista e que deseja abolir o sistema nacional de saúde. É difícil prever a política, embora eu ainda tenha a sensação de que poderíamos nos tornar melhores com essa experiência.

BBC News Mundo - Qual é a sua opinião sobre a maneira como o governo dos Estados Unidos lidou com a crise e as decisões que Donald Trump tomou?

Shiller - Pelo que entendi, ele não prestou atenção ao que estava acontecendo por um longo tempo e confiou em seu instinto de que este era um alarme falso que desapareceria em breve.

Não houve aumento na capacidade de testagem ou equipamentos de proteção. Não o fez porque provavelmente estava ocupado assistindo à TV, devido à possibilidade de um impeachment. Você sabe, é difícil estar no seu melhor quando você está sendo criticado por todos.

'É muito ruim que nossas discussões políticas não sejam mais racionais', argumenta Shiller - Getty Images - Getty Images
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Ele teria então uma grande responsabilidade em tudo isso.

Ele não é meu candidato favorito, tenho que dizer. É muito ruim que nossas discussões políticas não sejam mais racionais. O problema é que ele é um showman, ele estava fazendo um show quando essa pandemia o surpreendeu. Não estava preparado.

BBC News Mundo - Se Trump continuar com a narrativa de que a China é o grande inimigo dos Estados Unidos e promover histórias relacionadas à ideia de que eles criaram o vírus em laboratório, essa narrativa pode ajudá-lo a se reeleger?

Shiller - Acredito que é isso que ele está pensando. Ele é bom nesse tipo de coisa, ele é bom em correr riscos em termos de criação de narrativas falsas. Fala coisas que deveria saber que são falsas e, no entanto, fala mesmo assim.

Shiller acredita que Donald Trump tem uma grande parte da responsabilidade pelas milhares de mortes nos Estados Unidos, devido à pandemia - Getty - Getty
Imagem: Getty

Isso é problemático. Estamos vendo parte do problema agora com o que está acontecendo.

Temos mais de 90 mil americanos mortos e ele é responsável por grande parte disso.

BBC News Mundo - De uma perspectiva global, quais medidas econômicas são mais eficazes para lidar com a pandemia?

Shiller - O mais importante é desenvolver uma rotina sistemática de testes e rastreamento de contatos. Isso deveria ter sido implementado com mais força, porque se tivéssemos isso, poderíamos ter deixado a economia seguir em frente.

Nos Estados Unidos, há uma reação negativa a essas medidas de pessoas que não querem ser controladas pelo governo.

Mas acho que uma política de quarentena de pessoas infectadas por algumas semanas é muito razoável. Essa é a melhor cura.

'Devemos começar a nos preparar para a próxima pandemia', diz Shiller - Getty Images - Getty Images
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BBC News Mundo - Que lições aprendemos em termos econômicos dessa pandemia?

Shiller - A primeira é que as pandemias são reais e devemos começar a nos preparar para a próxima pandemia. Quando as pessoas começarem a viajar novamente, os viajantes vão espalhar a pandemia pelo mundo.

E a outra lição é que precisamos de bons governos. Precisamos de governos que preparem e respondam a tempo.

O papel de qualquer presidente ou primeiro-ministro é enfrentar problemas. Talvez as pessoas tenham aprendido essa lição. Precisamos de alguém que seja um verdadeiro administrador no comando.

BBC News Mundo - Além da pandemia, existem outras narrativas que o preocupam?

Shiller - Existem outros problemas que foram de alguma forma encobertos pela atenção gigantesca que prestamos à pandemia.

Há outra narrativa preocupante, que é a de robôs substituindo empregos humanos. A narrativa da inteligência artificial e a ideia de que poderia ser uma boa parte do aumento da desigualdade. Não é a única causa que pode ser estabelecida posteriormente.

Nossas vidas parecem ser dominadas pela tecnologia de tal maneira que não mais deixamos nossas casas. Conversamos através das redes sociais e as redes sociais estão se tornando uma realidade virtual com vínculos mais fortes.