A turbulenta 'guerra do sorvete' entre a Ben & Jerry's e o governo de Israel
A Ben & Jerry's anunciou que deixará de comercializar seus populares sorvetes nos assentamentos judeus na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. A empresa argumenta que o conflito no Oriente Médio entre israelenses e palestinos "é incompatível" com seus valores.
A empresa de sorvetes informou que pretende continuar em Israel, mas não nos 140 assentamentos classificados como ilegais pela maioria da comunidade internacional e considerados por Israel como "territórios em disputa".
Mais de 600 mil judeus vivem nesses territórios, que Israel anexou após a guerra de 1967.
A empresa de sorvetes, com sede no estado de Vermont, nos Estados Unidos, foi adquirida pelo conglomerado britânico Unilever em 2000, mas como parte da compra, a companhia de sorvetes manteve a sua independência para promover suas políticas de justiça social.
O fato foi lembrado pelo executivo Alan Jope, da Unilever, após a decisão tomada pela Ben & Jerry's. Ele afirmou que o conglomerado britânico continua "totalmente comprometido" com seus negócios em Israel, o que foi interpretado como uma forma de se distanciar da medida tomada pela companhia americana.
O primeiro-ministro israelense comunicou à Unilever, porém, que haverá consequências legais. Naftali Bennet advertiu que seu governo tomará "medidas contundentes".
'Terrorismo'
A reação de Bennet não é a única que ocorreu dentro do governo israelense. O presidente Isaac Herzog classificou a medida da Ben & Jerry's como "uma nova forma de terrorismo".
Já o ministro das Relações Exteriores, Yair Lapid, disse que se trata de uma "capitulação desonrosa" da empresa ao antissemitismo e ao movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que pede o boicote a Israel em razão dos assentamentos nos territórios ocupados e por seu tratamento aos palestinos.
Esse movimento classificou a posição da Ben & Jerry's como "um passo decisivo para acabar com a cumplicidade da companhia com a ocupação e a violação dos direitos palestinos".
O ministro Lapid já antecipou que solicitará aos 35 Estados dos EUA que aprovaram leis contra o BDS que as apliquem contra a empresa de sorvetes.
O jornalista Barak Ravid, de Tel Aviv, escreveu no site Axios que a preocupação do governo israelense é que outras empresas internacionais tomem medidas semelhantes para diferenciar o território do Estado de Israel dos assentamentos.
Palavra dos fundadores
Em uma coluna de opinião no jornal New York Times, os fundadores da Ben & Jerry's, Bennett Cohen e Jerry Greenfield, lembraram que são judeus e depois ressaltaram que após a fundação a empresa, em 1978, Israel foi um dos primeiros mercados internacionais em que eles entraram.
"Porém, é possível apoiar Israel, mas não algumas de suas políticas, da mesma maneira que nos opomos a algumas políticas do governo dos Estados Unidos. Portanto, sem dúvidas apoiamos a decisão da empresa de encerrar seus negócios nos territórios ocupados", escreveram.
Nem Cohen nem Greenfield têm qualquer controle atual sobre a empresa, mas ambos viram a medida como uma das decisões "mais valentes" que a empresa fez em seus 43 anos de história.
Eles acrescentaram na coluna que não se trata de um boicote a Israel e que a Ben & Jerry's não apoia o movimento BDS.
A empresa de sorvetes é popular em Israel e no resto do mundo. Suas vendas superam US$ 1 bilhão (mais de R$ 5 bilhões).
O debate interno
Nos Estados Unidos, onde nasceu como uma empresa independente, a Ben & Jerry's é vista por muitos como um símbolo liberal, por suas campanhas a favor da igualdade racial, dos direitos da comunidade LGBTQIA+ e da sua luta contra as mudanças climáticas.
Durante a gestão de Donald Trump nos EUA, até lançaram um sabor contra as políticas do então presidente.
Para Alex Kane, jornalista do site de notícias Jewish Currents, nos EUA, a decisão da empresa de sorvetes "tem mais consequências no debate político americano do que no conflito entre israelenses e palestinos".
"Isso mostra que entre os liberais estadunidenses há, cada vez menos, intenção de ser cúmplice dessa ocupação", escreveu Kane no Twitter.
Mas a decisão da Ben & Jerry's não foi vista com bons olhos por algumas empresas dos EUA. Segundo a Reuters, a rede de supermercados Morton Williams afirmou que reduzirá drasticamente a quantidade de produtos Ben & Jerry's em suas prateleiras. Outras empresas, como a Gourmet Glatt e a Cedar Market anunciaram que deixarão de comercializar a marca de sorvetes imediatamente.
Políticos também criticaram a decisão da empresa de sorvetes. O governador do Texas, Greg Abbott, disse que a medida da Ben & Jerry's "é um insulto ao aliado mais próximo dos Estados Unidos no Oriente Médio".
Já o governador da Flórida pediu que seja estudada a possibilidade de incluir a Ben & Jerry's e a Unilever na lista de empresas que boicotam Israel, o que significaria que o Estado não poderia investir nessas empresas.
O caso do Airbnb
Em 2018, a empresa Airbnb anunciou que retiraria de sua lista de alojamentos todos os que estivessem dentro dos assentamentos judeus na Cisjordânia.
A medida foi elogiada pela organização Human Rights Watch, de direitos humanos, e classificada como um "grande avanço". No entanto, meses depois o Airbnd desistiu dessa decisão.
Segundo seu site, agora a empresa faz uma análise "caso a caso" sobre o tema.
O diretor da Campanha de Solidariedade à Palestina, Ben Jamal, acredita que o passo para trás do Airbnb se deve à pressão de Israel e dos grupos pró-Israel nos Estados Unidos.
A questão agora é o que acontecerá com o sorvete Ben & Jerry's em uma região tão quente como o Oriente Médio.
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