Inflação: o que está por trás da alta de mais de 30% no preço de 10 produtos
Aumento do preço do petróleo, escassez de matérias-primas, falta de navios e contêineres. A reabertura das economias com os programas de vacinação contra a Covid-19 aqueceu a demanda por bens e serviços e iniciou um ciclo de aumento de preços em dezenas de países.
Em outubro, a inflação nos Estados Unidos atingiu o maior valor dos últimos 30 anos, 6,2% no acumulado em 12 meses. Na Europa, o indicador que agrega os países da zona do Euro atingiu 4,1% no mesmo período, maior percentual em 13 anos.
Ainda que o fenômeno seja, em maior ou menor medida, global, no Brasil a inflação tem piorado em ritmo mais acelerado e já passa de dois dígitos.
Aqui, os fatores externos se somam a um caldeirão de instabilidade política e institucional doméstica que tem afetado a cotação do dólar, diz o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Apesar do aumento das exportações de commodities, que tradicionalmente na história do Brasil ajudam a fortalecer o real, a moeda americana se mantém em nível persistentemente elevado - o que impacta os preços de dezenas de produtos, de alimentos a combustíveis.
"A desvalorização cambial foi o fator que mais pesou para essa diferença entre o nível da inflação aqui e no resto do mundo", destaca Braz.
Nos 12 meses até outubro, o indicador oficial de inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), atingiu 10,67%. Como o IPCA é composto por 377 subitens, o número fechado esconde aumentos bem maiores. O pimentão, por exemplo, acumula alta de 85,3%, a maior da lista.
Pouco mais de 20 produtos estão mais de 30% mais caros do que um ano atrás, muitos daqueles que têm castigado o bolso dos brasileiros nos últimos meses. Detalhamos 10 deles a seguir.
Açúcar e café
Esta é uma crise amarga. Açúcar refinado, cristal e demerara subiram, respectivamente, 47,8%, 42,4% e 30,38% no último ano.
As intempéries climáticas ajudam a explicar parte relevante desse aumento. A combinação de seca e geadas que afetou a região Centro-Sul do país pegou em cheio o Estado que mais produz cana-de-açúcar, São Paulo.
Com a quebra de safra, a oferta do produto diminuiu. A estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é uma colheita 9,5% menor em relação ao período anterior.
A disponibilidade de açúcar no mercado interno, contudo, reduziu ainda mais. Com o aumento dos preços internacionais e a valorização do dólar, os produtores têm um grande incentivo para exportar, o que acaba empurrando para cima os preços domésticos.
A história do café, que acumula alta de 34% no IPCA, é essencialmente a mesma. A seca afetou os Estados produtores, como Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, provocando quebra de safra e uma redução de 25,7% na colheita, conforme os dados da Conab.
Com a menor oferta, o preço da saca mais que dobrou, de cerca de R$ 500 em 2020 para R$ 1,3 mil, lembra César de Castro Alves, da Consultoria Agro do Itaú BBA.
No caso do café, como a colheita se estende entre abril e setembro, as geadas vão afetar principalmente a próxima safra - o que diminui o espaço para uma recuperação mais sustentada da produção.
Em paralelo à questão climática, acrescenta o especialista, os gêneros agrícolas estão, de forma geral, tendo de conviver com "custos de produção exorbitantes".
Boa parte dos insumos, como adubos, fertilizantes e defensivos, é importada e, portanto, fica mais cara com a alta do dólar.
"Mas não é só isso, tem energia e combustível, que também estão mais caros, mão de obra... É um quadro complicado, e que vale para todas as culturas", avalia.
Filé mignon
O corte mais nobre do boi está ainda mais caro - 38% mais que um ano atrás. Mas ele não é o único: praticamente todos os cortes de bovinos subiram dois dígitos nos últimos 12 meses, o que explica porque, para muitas famílias, a carne é hoje inacessível.
O preço do frango, que poderia ser uma alternativa, também não está cabendo no bolso de muitos brasileiros. O frango em pedaços está 33,2% mais caro e o frango inteiro, 29,2%.
Neste caso, a questão das commodities também ajuda a explicar, já que soja e milho, duas culturas castigadas pela seca em 2021, são a base das rações de bovinos e aves.
A estiagem também afetou importantes regiões produtoras dos Estados Unidos (maior exportador de milho do mundo), contribuindo para empurrar as cotações dessas commodities nos mercados internacionais.
Além do aumento de custos para a chamada indústria intensiva em ração - de proteína animal, leite e ovo -, uma menor produção de bois também ajuda a explicar o aumento do preço das proteínas, acrescenta Castro Alves.
Nesse caso, a situação é reflexo do próprio ciclo da bovinocultura, diz ele, relacionado aos períodos de reprodução e reposição dos animais - períodos de 5 ou 6 anos, de acordo com a Embrapa, em que a disponibilidade de bezerros, fêmeas e bois aumenta e diminui, afetando os preços.
Em setembro, um outro fator entrou na equação de preços: a China decretou embargo à carne brasileira depois que dois casos de vaca louca foram identificados em Minas Gerais e Mato Grosso, onde há frigoríficos certificados para exportar para o país asiático.
A situação ainda não foi resolvida: apesar de a Organização Mundial de Saúde Animal afirmar que os casos eram atípicos e espontâneos e que, portanto, não apresentavam risco para a cadeia produtiva, a China mantém o embargo.
Como resultado, as exportações de carne brasileira despencaram e o preço da arroba do boi gordo chegou a recuar R$ 60 entre o início de setembro e o final de outubro, quando valia cerca de R$ 255, conforme o indicador do Cepea.
"Mas o consumidor final nem viu a cor dessa redução de preço", pondera o especialista, referindo-se ao fato de que a carne bovina não retraiu na mesma magnitude no IPCA. Parte desses ganhos foi absorvida pelos frigoríficos e outra parte ficou no próprio varejo, que aproveitou para aumentar sua margem de lucro.
"O boi caiu mais que no atacado, que, por sua vez, caiu mais do que no varejo."
Combustíveis (gasolina, etanol, GLP, óleo diesel) e energia elétrica
O aumento expressivo da inflação em 2021 se deve em boa parte ao grupo dos "energéticos", diz André Braz, do Ibre-FGV.
"Diesel, gasolina, GLP, etanol, energia elétrica... Tudo isso é cerca de 50% do IPCA acumulado até outubro", destaca o economista.
A energia elétrica residencial, diretamente afetada pela crise hídrica, acumula 30,2% de alta em 12 meses.
Praticamente todos os combustíveis na cesta do IPCA ficaram mais de 30% mais caros no último ano. Entre os derivados do petróleo, a gasolina subiu 42,7%, o óleo diesel, 41,3%, o gás veicular, 39,5%, e o gás de botijão, 37,8%.
Pelo menos quatro fatores têm empurrado os preços para cima. De um lado, a maior demanda por combustíveis de forma geral, fruto da própria reabertura das economias após o início dos programas de vacinação.
De outro, uma restrição de oferta, já que a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), um cartel que reúne 13 países e concentra cerca de 33% da produção global da commodity, não retomou o ritmo de extração pré-pandemia - apesar dos pedidos da comunidade internacional e de pressões dos EUA.
No caso do Brasil, a esses dois fatores se soma a questão do aumento do dólar, pois a política de preços da Petrobras leva em consideração a cotação da moeda americana, além do comportamento dos preços internacionais do barril de petróleo.
Por fim, os biocombustíveis que são misturados ao diesel e à gasolina também ficaram muito mais caros em 2021. O etanol, que responde por 27% da composição da gasolina C, vendida nos postos de combustível, está 67,4% mais caro - depois do pimentão, é o segundo item com maior aumento de preço no último ano.
E este é um reflexo direto da dinâmica do açúcar. Com aumento do preço internacional, parte relevante da produção a partir da cana-de-açúcar foi direcionada para a commodity e exportada, reduzindo a matéria-prima disponível para o etanol, explica Castro Alves, da Consultoria Agro do Itaú BBA.
No caso do diesel, entra o biodiesel, que responde por cerca de 10% da composição e é feito a partir da soja, que também acumula alta expressiva.
O aumento generalizado no grupo dos energéticos, por sua vez, contamina uma série de outros preços, ressalta Braz.
"Esses aumentos não se esgotam em si. A alta da energia elétrica eleva o custo da indústria, por exemplo, que pode repassar o aumento para seus preços. O diesel mais caro aumenta o preço do frete. Há um espalhamento das pressões."
Transporte por aplicativo
O transporte por aplicativo ficou 36,7% mais caro nos 12 meses até outubro. Para a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitc), que representa empresas como Uber e 99, a alta é explicada pelo aumento da procura.
"É preciso considerar que o setor vem registrando um aumento exponencial na demanda por corridas nos últimos meses, o que têm levado a um desequilíbrio temporário entre a oferta e a demanda no mercado", declarou, em nota.
Questionada se houve aumento das tarifas, a Amobitc afirmou que "as empresas têm políticas e estratégias próprias relacionadas a preços, já que se trata de um setor dinâmico e competitivo, porém, em linhas gerais, o preço das corridas é influenciado por fatores como: tempo e distância dos deslocamentos, incluindo as condições de trânsito e congestionamentos; categoria de veículo escolhida; existência de promoções ou descontos para o passageiro; nível de demanda por corridas no horário e local específicos".
Em setembro, os aplicativos chegaram a anunciar reajustes dos repasses feitos aos motoristas, diante de reiteradas queixas de aumento de custos por conta da alta expressiva dos preços dos combustíveis.
No caso da 99, o aumento variou entre 10% a 25% nas mais de 1,6 mil cidades em que opera. "Grande parte desse reajuste está sendo subsidiado pela plataforma", disse a empresa em nota.
O valor da corrida, segundo a companhia, "é definido a partir de uma equação que considera distância percorrida e tempo".
"Ainda, em períodos de alta demanda, os valores podem sofrer alterações. Nos últimos meses, tivemos um aumento significativo no volume de corridas, impulsionado principalmente por dois fatores: a retomada das atividades nas cidades devido ao avanço da vacinação e à alta adoção de carros por aplicativo pela população da classe C", acrescentou a associação.
A Uber não respondeu aos pedidos da reportagem para esclarecimento da política de reajustes aos motoristas.
Passagem aérea
Outro item impactado pela retomada das atividades é passagem aérea, que acumula alta de 50,1%.
Essa elevação se deve, de um lado, a uma pressão maior de custos das companhias aéreas, com o dólar mais caro e o aumento forte dos combustíveis - nesse caso, do querosene de aviação.
De outro lado, há a demanda, bastante aquecida com a reabertura da economia e formada por consumidores com renda disponível para absorver os aumentos de custos das empresas.
"O setor aéreo atende a um público de mais alta renda, que foi menos prejudicado pela pandemia. Esse foi o grupo que menos perdeu emprego, que conseguiu migrar para o home office. A tendência é de aumento da demanda", avalia Braz.
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