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Riqueza extrema: no Chile, os ultrarricos têm o maior patrimônio da América Latina

Grandes fortunas e população de baixa renda convivem em Santiago, capital do Chile - Getty Images
Grandes fortunas e população de baixa renda convivem em Santiago, capital do Chile Imagem: Getty Images

Cecilia Barría

Da BBC News Mundo

12/03/2022 15h11Atualizada em 12/03/2022 15h21

O Chile foi o país da América Latina que concentrou o maior nível de patrimônio entre seus ultrarricos em 2021, em relação ao tamanho de sua economia.

O patrimônio conjunto dos chilenos mais ricos foi equivalente a 16,1% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, segundo calculou a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), utilizando dados publicados da revista Forbes.

Esses cálculos só consideram os chamados "bilionários", ou seja, aqueles que possuem um patrimônio de ao menos US$ 1 bilhão.

Em todo o mundo, existem 2.755 pessoas que pertencem a essa categoria, numa lista liderada por Jeff Bezos (fundador da Amazon, com US$ 177 bilhões), seguido de Elon Musk (CEO da Tesla) e Bernard Arnault (CEO da LVMH, empresa de artigos de luxo que inclui a marca Louis Vuitton).

Já a América Latina tem 104 ultrarricos, dos quais nove chilenos, segundo a revista americana Forbes. São eles:

  • Iris Fontbona e a família Luksic: US$ 23,3 bilhões
  • Julio Ponce Lerou: US$ 4,1 bilhões
  • Horst Paulmann e família: US$ 3,3 bilhões
  • Sebastián Piñera e família: US$ 2,9 bilhões
  • Jean Salata*: US$ 2,4 bilhões
  • Roberto Angelini: US$ 2 bilhões
  • Alvaro Saeih: US$ 1,8 bilhão
  • Patricia Angelini: US$ 1,6 bilhão
  • Luis Enrique Yarur: US$ 1,3 bilhão

(*Vive e trabalha em Hong Kong desde 1989).

Em quais setores estão os mais ricos

Segundo a lista da Forbes dos bilionários do Chile, suas fortunas estão concentradas principalmente nos setores de finanças, mineração, florestal e varejo.

  • Finanças: Sebastián Piñera, Alvaro Saieh, Luis Enrique Yarur

  • Mineração: Iris Fontbona e Julio Ponce Lerou
  • Mineração e florestal: Roberto Angelini, Patricia Angelini
  • Varejo: Horst Paulmann

A concentração do patrimônio nessas famílias é um reflexo da desigualdade existente na sociedade chilena.

Segundo o relatório World Inequality Report (Relatório da Desigualdade Mundial) de 2022, a parcela de 1% mais rica do Chile concentra 49,6% de toda a riqueza do país, enquanto no Brasil o 1% mais rico detém 48,9%, no México 46,9%, e nos Estados Unidos 34,9%.

Por que a riqueza está tão concentrada no Chile?

Os historiadores geralmente associam a origem do abismo social chileno aos tempos da colonização espanhola, em que a maior parte das terras foi repartida entre espanhóis e seus descendentes.

Família Fontbona, que inclui empresário Jean-Paul Luksic, é uma das mais ricas do Chile - Getty Images - Getty Images
Família Fontbona, que inclui empresário Jean-Paul Luksic, é uma das mais ricas do Chile
Imagem: Getty Images

Nessa época surgiu a grande fazenda, que baseou a estrutura da sociedade, dividida entre patrões, empregados, inquilinos e trabalhadores braçais.

A partir dessa desigualdade agrária, a concentração da riqueza foi se expandindo a outros setores econômicos de exploração de recursos naturais, como, por exemplo, a mineração, que transformou o Chile no maior exportador de cobre do mundo.

Na história mais recente, o abismo social expandiu-se nas décadas de 1970 e 1980, durante o regime do general Augusto Pinochet (1915-2006), com a criação de um modelo econômico de pouca regulação que permitiu o surgimento de grandes fortunas familiares.

Segundo escreveu o economista Osvaldo Larrañaga, no livro La Desigualdad a lo Largo de la Historia de Chile (A Desigualdade ao Longo da História do Chile), o abismo aumentou com Pinochet por meio de mecanismos como "a privatização das empresas públicas, que passam a ser propriedade de um número pequeno de grupos econômicos, a supressão e repressão dos sindicatos e a conversão do Estado benfeitor em um de caráter residual", entre outras medidas.

Algo semelhante aconteceu durante a ditadura militar brasileira, por exemplo. Estudos indicam que a desigualdade social costuma se acentuar durante regimes não democráticos.

Durante governo de Augusto Pinochet, a concentração de renda foi acentuada - Getty Images - Getty Images
Durante governo de Augusto Pinochet, a concentração de renda foi acentuada
Imagem: Getty Images

No grupo dos ultrarricos do Chile atual, o caso de Julio Ponce Lerou é emblemático. Ex-genro de Pinochet, ele se converteu no maior acionista da empresa SQM (Soquimich), uma das maiores produtoras de fertilizantes, iodo e lítio do mundo, após sua privatização.

Com a volta da democracia ao país, em 1990, a pobreza e a desigualdade de renda diminuíram, mas a riqueza permaneceu concentrada na ponta da pirâmide — uma das principais razões dos protestos iniciados no país em outubro de 2019.

Dessa forma, o tema da desigualdade social converteu-se em uma parte fundamental do debate da campanha eleitoral das eleições presidenciais de 2021, vencidas pelo esquerdista Gabriel Boric, de 35 anos.

O que é o "imposto dos super-ricos"

Na última sexta-feira (11/3), Boric tomou posse como novo presidente do Chile. Ele pretende pôr em prática um ambicioso programa de governo que inclui medidas como eliminar o atual sistema previdenciário, transformar o sistema de saúde e aumentar impostos, criando um Estado de bem-estar social.

A pobreza no Chile é visível em várias cidades, como Valparaíso - Getty Images - Getty Images
A pobreza no Chile é visível em várias cidades, como Valparaíso
Imagem: Getty Images

Essa pauta "transformadora", que exigirá uma maior arrecadação fiscal, enfrentará uma série de obstáculos como, por exemplo, a falta de maioria no Congresso, um orçamento limitado e um crescimento econômico baixo, segundo as projeções para 2022.

Para financiar seus planos, Boric propôs uma reforma tributária "com gradualidade e responsabilidade fiscal", que pretende arrecadar 5% do PIB durante seu mandato.

A reforma considera mudanças no imposto de renda para as grandes empresas, redução de isenções, impostos verdes (a favor do meio ambiente), cobrança de royalties das grandes mineradoras, medidas contra a evasão e a elusão fiscais e um imposto sobre a riqueza.

Este último, conhecido como o "imposto dos super-ricos", incidiria sobre cerca de 0,1% da população chilena.

Um golpe contra o investimento?

A proposta de reforma tributária foi alvo de duras críticas. Aqueles que se opõem à ideia dizem que, em outras partes do mundo, ela não serviu para arrecadar quantidades significativas de recursos.

Os participantes dos protestos iniciados em 2019 exigiam melhor distribuição de renda - Getty Images - Getty Images
Os participantes dos protestos iniciados em 2019 exigiam melhor distribuição de renda
Imagem: Getty Images

"O caso mais famoso é o da França, onde os milionários foram viver na Bélgica. Depois foi eliminado, porque acabou sendo inútil", diz o economista Bernardo Fontaine à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

Em muitos dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), a proposta "foi retirada", acrescenta o especialista.

Outro dos argumentos mais citados contra a iniciativa é o que ela desincentivará o investimento e, com isso, prejudicará o crescimento econômico.

Por que criar um imposto sobre a riqueza?

Na maioria dos países, são taxados os rendimentos de cada pessoa, não sua riqueza. Esta última inclui, além dos rendimentos, os ativos financeiros, propriedades, terras, iates ou qualquer ative que faça parte do patrimônio.

"Em países como Chile, Brasil e México, temos visto que a desigualdade de renda vinda do trabalho tem sido reduzida, mas se agregarmos as rendas do capital, a desigualdade mantém-se mais constante", explica Ignacio Flores, coordenador para a América Latina do World Inequality Database (Banco de Dados da Desigualdade no Mundo) da Escola de Economia de Paris, na França, e pesquisador da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos.

Os participantes dos protestos iniciados em 2019 exigiam melhor distribuição de renda - Getty Images - Getty Images
Os participantes dos protestos iniciados em 2019 exigiam melhor distribuição de renda
Imagem: Getty Images

Nos mercados financeiros, "quanto mais dinheiro se tem, mais rápido ele se reproduz", fenômeno que torna muito difícil o movimento das pessoas na direção do topo da pirâmide.

"No Chile, a mobilidade social é baixíssima", afirma Flores, especialmente para se chegar ao grupo de 10% mais ricos.

Pouca competição

No Chile e na América Latina há níveis mais altos de concentração de riqueza porque em alguns setores há muito poucas empresas, diz Luis Felipe López-Calva, diretor regional para América Latian e Caribe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

"A riqueza nos preocupa quando vem da falta de competição, não quando é riqueza produtiva que gera bem-estar para um país", acrescenta ele, em conversa com a BBC News Mundo.

Antes da discussão que se avizinha no Chile, sobre como aplicar um imposto sobre a riqueza, os especialistas têm debatido qual a melhor maneira de taxar esses recursos.

Alguns afirmam que o mais eficaz é criar um imposto sobre as propriedades, dado que é muito complexo identificar onde estão os fundos investidos nos mercados financeiros internacionais. Outros consideram factível introduzir um tributo que também inclua os fluxos de capital.

"Grande parte da riqueza é financeira", diz à BBC News Mundo Pablo Gutiérrez, pesquisador da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.

Diante do argumento de que um imposto sobre a riqueza provocaria uma saída de capitais na direção de outros países, onde os investidores possam obter rentabilidades melhores, o economista afirma que as pessoas com alto patrimônio preferem um país estável, em vez de se arriscar a buscar retorno em nações com vantagens tributárias, mas baixa classificação em avaliações de risco.

"Com um imposto sobre a riqueza, você está controlando um pouco o descontentamento social", argumenta Gutiérrez. "Ainda que seja verdade que os empresários terão um retorno menor, a médio prazo haverá uma maior estabilidade social, e seus negócios poderão crescer."

"Ninguém gosta de cobrança de impostos. Ninguém. Mas, se é feito de uma forma gradual e com consenso, assegurando uma maior estabilidade social, eles não vão sair do país."