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Na terra da Apple e do Google, mulheres e negros ainda enfrentam preconceitos

Sarah Frier e Peter Burrows

14/11/2014 09h55Atualizada em 14/11/2014 17h59

14 de novembro (Bloomberg) -- Ana Medina diz que existe um código silencioso no Vale do Silício. Ela ficou sabendo dele na primeira conferência de desenvolvedores do Google em que participou. Lá, um cara perguntou, pelo fato de ela ser uma garota, se ela havia ganho uma entrada gratuita. Alguém postou uma foto dela no evento, que gerou uma série de comentários sobre seu decote.

O impulso foi difundir seu espanto no Twitter, mas seus amigos a dissuadiram. "Não vale a pena", disseram a Medina, estudante de Ciências da Computação de 20 anos. "Foi algo do tipo 'sacuda a poeira, deixa para lá'".

Esse tipo de situação pode fazer parte do pacote das minorias do setor de alta tecnologia, ou seja, de engenheiros do sexo feminino, negros e hispânicos, em um negócio que tem sido uma das maiores máquinas de criação de riqueza que já existiram para homens brancos e asiáticos.

Medina recebeu um conselho que Lloyd Carney sempre dá aos recém-chegados. "Eu digo de cara às mulheres e às pessoas de cor, 'não ouse defender a diversidade'", diz Carney, que tem 52 anos, é negro e diretor-executivo da Brocade Communications Systems. "'Sua carreira poderia acabar'".

A questão da diversidade está sendo dissecada e debatida como nunca e os líderes do setor têm difundido sua dedicação para tornar o pluralismo uma prioridade.

Tim Cook já estava há três anos no cargo de diretor-executivo da Apple quando tornou público que é gay, duas semanas atrás.

O diretor-executivo da Microsoft, Satya Nadella, atiçou a discussão no mês passado quando sugeriu que as mulheres não pedissem aumentos salariais.

Os homens e mulheres que estão resolvendo o problema --por terem sido contratados e promovidos-- podem ser aqueles que se sentem menos confortáveis para falar sobre o assunto.

Nome de branco

Toda a atenção que está sendo dada às estatísticas desproporcionais não diminuiu a estranheza cotidiana de ser um desses poucos, segundo entrevistas com duas dezenas de engenheiros dos grupos minoritários com experiência em mais de 20 empresas.

Eles dizem ter descoberto que a melhor forma de lidar com muitas das perguntas, suposições e situações esquisitas e irritantes é não dar atenção a elas.

Por isso, Caitie McCaffrey apenas riu quando os homens com quem ela estava conversando em uma festa do setor pensaram que ela era namorada de alguém e não uma desenvolvedora do jogo Halo, da Microsoft.

Makinde Adeagbo aprendeu a cortar seu próprio cabelo quando foi estagiário da Apple porque não conseguia encontrar um barbeiro negro e não havia ninguém no escritório para perguntar.

Kate Matsudaira só suspirou quando conhecidos do setor viram que ela estava grávida e perguntaram se ela ia fechar sua startup.

Harry Sims, um engenheiro de tecnologia celular e perito em julgamentos de patentes, dá de ombros diante dos lampejos de preocupação dos advogados processuais quando o veem pela primeira vez pessoalmente. "Tenho nome de branco", diz ele, "e quem me escuta não imagina que eu sou negro".

Sem raiva

No terraço do Coconuts, um restaurante de Palo Alto onde Carney, nascido na Jamaica, passa tanto tempo que os proprietários deram seu nome a uma bebida, ele explica que entende a situação e que não está dizendo que não existam problemas. Os clientes muitas vezes apertam primeiro a mão de seu vendedor branco quando participam de eventos externos, sem nem imaginar que o negro é que é o diretor executivo.

"Se esse tipo de coisa te deixa com raiva, isso te atrasa", diz ele. "Você não pode ficar com raiva. Você tem que ser melhor que isso. Eu gostaria que não fosse verdade, mas é".

Cerca de 1% dos engenheiros do Facebook, do Google e do Twitter é negro, e em torno de 3% são hispânicos. Apesar de todo o sucesso de mulheres como Sheryl Sandberg, a diretora de operações do Facebook, e Marissa Mayer, diretora-executiva da Yahoo!, os homens preenchem aproximadamente 70% dos empregos e mais de 80% dos cargos técnicos nas principais empresas de tecnologia.

Mais de uma dezena dessas empresas revelou, nos últimos seis meses, como suas folhas de pagamento estão divididas. Essas empresas têm se mobilizado em torno da diversidade, analisando práticas de promoção, melhorando o recrutamento e realizando workshops sobre a luta contra o preconceito inconsciente.

Demorou menos de um dia para que Nadella declarasse que estava "completamente errado" quando disse que as mulheres deveriam evitar pedir aumentos, conselho que provocou uma onda de indignação e gozações no Twitter.

Superminoria

Formada na Universidade Brown, Emuye Reynolds é de uma superminoria: uma mulher negra. Ela trabalhou como engenheira de software em empresas como Apple e Zite. Com uma camiseta de manga larga e jeans, empoleirada em um sofá colocado contra uma parede de tijolos no escritório de uma startup, a mulher de 30 anos diz que o desenvolvimento de software é um emprego ideal, mesmo que às vezes possa parecer muito louco pelo fato de você nunca trabalhar com uma pessoa parecida com você.

Atos explícitos de discriminação e assédio não são a preocupação. Reynolds sabe lidar com esse tipo de coisa e eles praticamente não existem no ambiente de trabalho. O isolamento e a imaginação é que podem te deixar maluco. Por que eu não consegui aquele trabalho? Por que esse novo funcionário questiona a minha autoridade?

"É como morrer com mil cortes", diz Reynolds, muitos deles auto-infligidos pelo debate interno. "Eu vejo as coisas e penso: é por isso? Não é por isso?". Às vezes o assunto termina com o seguinte pensamento: "Talvez eu esteja maluca".

Mulher nerd

Kate Matsudaira a entende. Ela diria a Reynolds que ela não está louca e que não deveria falar desse assunto. Ela diz algo parecido com o que Lloyd Carney disse.

"Assim que você se colocar na lista das pessoas que falam sobre 'os problemas', você já não será uma pessoa que trabalha duro", diz ela. "Você será uma pessoa que se manifestou".

Aos 34, com a Amazon.com e outras quatro empresas no currículo, Matsudaira é praticamente da velha guarda. Quando começou na Microsoft, em 2002, ela usava calça cargo para se misturar; quando estava na Delve Networks, em 2007, ela se somou a um jogo de managers de futebol americano porque era assim que os caras se conectavam.

Ao longo dos anos, ela teve seus desentendimentos com o sexismo, alguns deles divertidos, como uma vez em que alguém em uma reunião do conselho pediu a ela uma xícara de café, sem se dar conta de que ela era uma das diretoras.

Atualmente, ela é dona de uma empresa em Seattle, o site de orientação profissional Popforms, e usa vestido e salto quando quer --de forma deliberada nas festas do setor, nas quais ela quer se destacar como uma nerd mulher.

Tornando-se inesquecível

"Se você se expressa de maneira inteligente, é técnica e se veste como mulher", diz ela, "você é inesquecível". Ser uma mulher em um clube do Bolinha ajudou na carreira, diz Matsudaira, e rendeu palestras em conferências quando os organizadores queriam melhorar o equilíbrio entre os gêneros.

Ela provava que sabia do que estava falando, diz, e era convidada a voltar por causa de seus conhecimentos e não por causa dos seus dois cromossomos X.

Em San Francisco, na mesa de conferência perto de uma das janelas do Pinterest que vão do chão até o teto, Makinde Adeagbo diz que entende o que está por trás da preocupação de ser visto como um ativista: as empresas que estão sob pressão para lançar o próximo grande produto querem talentos que possam impulsioná-las a chegar a esse lançamento e não rebeldes que as distrairão na missão.

Com uma pós-graduação no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Adeagbo aprendeu rápido contra o que ele teria que se enfrentar quando chegou ao Vale do Silício. Racismo? Não exatamente.

"O que existe é um desconforto, conversas estranhas", diz ele, porque muitas pessoas do setor apenas "não estão acostumadas a conviver com pessoas negras".

"O fato de ser negro no Vale do Silício é que você é uma minoria não só no ambiente de trabalho, mas também na comunidade", diz ele, citando as estatísticas: os negros representam 6% da população de San Francisco e 2% da de Palo Alto; sua namorada era uma das poucas mulheres negras em sua classe na Universidade de Stanford; há sete negros na folha de pagamento do Pinterest, formada por 450 pessoas.

Então, qual é a solução? Ela deveria ser simples, segundo os engenheiros: contratar e promover mais negros e mulheres.

Ana Medina, caloura da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, pretende ser uma das contratadas. Ela participou da conferência Google I/O em junho com uma bolsa de estudos que cobria o preço do ingresso, de US$ 900. Agora ela está pronta para conversar sobre o que aconteceu com ela, porque ela não considera correto o conselho de seus amigos do setor para simplesmente deixar para lá.

"Esse conselho te faz pensar que você provavelmente não é a única pessoa que está passando por coisas como essa", diz ela. Medina sente que tem a responsabilidade de se manifestar. "O setor de tecnologia não deveria ser assim. Isso não está certo".