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Setor crítico da França mostra por que Le Pen veio para ficar

Marc Champion

05/04/2017 12h33

(Bloomberg) -- No hotel-restaurante Relais des Hayons, no norte da França, 180 caminhoneiros desfrutam de cabeças de vitela, morcela e outras iguarias da promoção de refeição de quatro pratos com vinho antes de saírem rumo às fileiras de caminhões estacionados do lado de fora.

Com seu próprio guia estilo Michelin, as paradas Relais Routiers são uma instituição inconfundivelmente francesa. Contudo, por trás da nostalgia e da cordialidade grosseira dos motoristas -- todos homens, todos brancos e a maioria de meia idade -- há uma realidade supurante: os caminhoneiros da França, estimados em 350.000, são um exército móvel de descontentes, um sinal de que o confronto da Europa com o populismo continuará independentemente do resultado das eleições francesas, que começam neste mês.

O caminhoneiro Laurent Radier, de 54 anos, ex-paraquedista de uma unidade de elite do exército francês, tinha algo a dizer sobre os políticos de Paris e de Bruxelas. "São todos mentirosos", disse, antes de levantar para ir embora em vez de assistir ao debate presidencial que estava prestes a começar nas telas de TV. Ninguém aumentou o volume para escutar.

As empresas de transporte rodoviário dependem das fronteiras abertas e do comércio ininterrupto que a União Europeia criou. Mas na França e em outros estados mais ricos da UE os motoristas que elas empregam também estão à mercê da concorrência de baixo custo do antigo Leste comunista que vem junto com o bloco. Os caminhões poloneses, por si só, atualmente representam um quarto de todo o negócio de transporte rodoviário internacional da UE. Isto está derrubando os preços das entregas para os consumidores e também os salários de uma força de trabalho descontente e com poucas alternativas diferentes de carreira.

Se não houver nenhuma grande surpresa, a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, provavelmente perderá para o centrista pró-Europa e ex-executivo bancário Emmanuel Macron no segundo turno, em 7 de maio. Mas a insatisfação, que segundo as pesquisas de opinião darão a ela 40 por cento dos votos, o dobro da fatia obtida por seu pai em 2002, veio para ficar.

"Superar o voto populista não é suficiente para resolver nossos problemas reais", disse Guntram Wolff, diretor do think tank econômico Bruegel, com sede em Bruxelas. "Há muita complacência, um desejo de manter a situação como está."

Existem evidências de que a perspectiva de efeito dominó decorrente da decisão do Reino Unido de deixar a UE e da eleição de Donald Trump como presidente dos EUA foi exagerada. Geert Wilders e seu Partido para a Liberdade viram a liderança nas pesquisas desaparecer e ficaram em segundo lugar nas eleições holandesas, em 15 de março. Mais recentemente, a União Democrata Cristã da chanceler alemã Angela Merkel teve uma grande vitória na eleição estadual em Sarre, região próxima à França construída com base no carvão e no aço.

Mas há poucos sinais até aqui de que as autoridades e os governos nacionais da UE tenham descoberto de repente as soluções para a desigualdade de renda, para o impacto social das rápidas mudanças tecnológicas e da economia globalizada, para a fraqueza estrutural do euro ou para o aumento da imigração. A tecnologia dos caminhões sem motoristas já está no horizonte e, apesar da possibilidade de que a crescente indústria robótica gere empregos qualificados, os caminhoneiros não estarão entre os ganhadores.

"Quem acha que a França deveria sair da UE?", perguntou Franck Bosval, 50, a um grupo de cerca de 10 caminhoneiros franceses, perto da balsa que sai da Normandia para entregar produtos no Reino Unido, país que iniciou na semana passada o período de dois anos de negociações do Brexit. Com exceção de um, todos concordaram. "Para nós", disse Bosval, "a UE já não serve para nada".