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Lei para sementes trava investimento em algodão na Argentina

Jonathan Gilbert

25/10/2018 14h34

(Bloomberg) -- O bilionário argentino Eduardo Eurnekián está pronto para somar o algodão a um império que já engloba aeroportos e petróleo. Ele tem 10.000 hectares lavrados para plantar e um descaroçador pronto para entrar em funcionamento. Só tem um problema: ele não está conseguindo nenhuma semente moderna.

Na Argentina, as últimas sementes de algodão patenteadas disponíveis têm pelo menos uma década. Usá-las para iniciar um negócio em 2018 é "como andar com uma Ferrari com gás natural comprimido", disse David Hughes, consultor agrícola da Corporación América, a empresa holding de Eurnekián.

O problema é que o país sul-americano -- uma potência agrícola e o maior exportador de farelo de soja do mundo -- não consegue decidir como atualizar a legislação sobre propriedade intelectual.

A indecisão prejudica o avanço de vários setores agrícolas porque as empresas de sementes não têm garantido o pagamento de royalties por meio de uma lei de 1973. Consequentemente, elas não levarão ao país as novas variedades geneticamente modificadas.

Filho de imigrantes armênios, Eurnekián, 85, gostaria de plantar sementes como a Roundup Ready Flex, produzida pela Monsanto, com sua empresa de algodão, que renderia cerca de US$ 20 milhões por ano em receitas para a indústria têxtil.

Essas sementes, segundo Hughes, podem mais que dobrar os rendimentos em seus campos do norte, onde os produtores estão colhendo apenas 510 quilos por hectare. A Corporación América está fazendo o possível com variedades antigas em uma pequena colheita de teste, neste ano.

'Atraso enorme'

A tecnologia das sementes está em constante evolução, já que os cientistas modificam estruturas genéticas para obter resistência a doenças, aos produtos químicos usados para controlá-las e a condições meteorológicas extremas. Na Austrália, por exemplo, onde muitos campos são irrigados e os agricultores têm acesso à Flex, os rendimentos estão mais próximos de 2.000 quilos.

"O atraso é enorme", disse Pablo Vaquero, presidente da Gensus, uma distribuidora argentina de sementes de algodão. "Estamos duas gerações tecnológicas atrás do resto do mundo."

Os produtores de sementes e as associações de agricultores vêm debatendo há anos um projeto de lei a ser enviado ao Congresso. A disputa é centrada em pagamentos de royalties. O costume nos Pampas, as férteis planícies da Argentina, é que os agricultores reutilizem as sementes sem pagar royalties. Muitos veem as taxas anuais cobradas em outros países como um custo oneroso, e não como investimento em rendimentos melhores.

Projeto de lei

Em março, o governo anunciou que finalmente havia negociado um acordo para que os agricultores pagassem. O objetivo era sancionar uma nova lei neste ano, mas o projeto de lei ainda está em uma comissão do Congresso, longe de ser adequadamente debatido na Câmara dos Deputados ou no Senado.

O impasse tem atraído críticas, e instituições importantes, como a Bolsa de Cereais de Buenos Aires, se manifestaram. Se não houver uma nova lei em vigor em breve, a Argentina correrá o risco de perder o lugar no pódio dos principais países agrícolas, advertiu a bolsa.

Houve algum progresso em 2016, quando o governo fez uma concessão à Monsanto -- posteriormente adquirida pela Bayer --, permitindo que as bolsas inspecionassem as colheitas de soja dos produtores com a tecnologia Intacta, patenteada pela empresa.

Nesta semana, as inspeções foram estendidas ao algodão e ao trigo. Apesar do novo sinal de progresso, não foi fácil para a Monsanto cobrar os royalties pela Intacta, e a Argentina ainda tem muito trabalho pela frente para atrair as empresas de sementes, segundo Vaquero.

"A nova lei precisa resolver a questão da implementação", disse.