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O perigo de estar morto de sono: Bloomberg Opinion

Faye Flam

19/12/2018 16h49

(Bloomberg) -- Os americanos associam o sono à preguiça, mas especialistas em sono dizem que pessoas saudáveis não conseguem dormir demais. Algumas podem desejar mais comida do que o necessário, mas apenas quem tem problemas físicos ou mentais deseja dormir mais do que precisa. E nós, humanos, precisamos muito.

Algumas pessoas gostam de dizer que dormirão quando morrerem, mas estudos após estudos mostram que dormir muito pouco nos deixa meio mortos mesmo acordados -- com menor capacidade de aprender, realizar, lembrar, reagir rapidamente ou tomar boas decisões.

É assim que estamos ensinando os jovens a viver. Um dos hábitos americanos mais contraproducentes é obrigar adolescentes a acordar ao nascer do Sol para ir à escola. Arrancá-los da cama com o som do despertador pode ajudar a ensiná-los a lidar com a privação e o sacrifício, mas desta forma eles não aprenderão tanto de Matemática, Ciência, Literatura ou História.

Horacio de la Iglesia, neurobiólogo da Universidade de Washington, diz que os adolescentes desenvolvem um ritmo circadiano diferente de crianças ou adultos. Os adolescentes realmente precisam de cerca de nove horas de sono, embora poucos tenham essa chance. E quando passam pela puberdade, seus corpos querem ficar acordados até a meia-noite e levantar depois das oito. Segundo ele, a sensação de um adolescente que se levanta às 6h30 é a mesma de um adulto típico ao acordar às 4h30.

Mas é assim nos EUA, onde as pessoas têm uma desconfiança profunda em relação ao conforto pessoal. Permitir que os adolescentes tenham o tempo de sono que desejam? Qual será o impacto disso em sua produtividade? De la Iglesia e seus colegas tiveram a chance de descobrir a resposta, há alguns anos, quando as escolas do distrito de Seattle passaram o início das aulas de 7h50 para 8h45, um horário muito mais civilizado.

Para monitorar um grupo de estudantes de duas escolas antes e depois da mudança, os pesquisadores colocaram sensores de movimentos nos pulsos dos participantes da pesquisa, método considerado mais preciso para medição do sono do que o autorrelato. Existe uma suposição, disse ele, "de que os adolescentes são preguiçosos e que, portanto, se os deixamos dormir, eles irão para a cama mais tarde". Mas não foi isso que o estudo apontou.

Os estudantes cujas aulas começavam mais tarde foram para a cama aproximadamente no horário de costume, adormeceram mais ou menos no mesmo horário e dormiram em média 35 minutos a mais por noite. As notas melhoraram em ambas as escolas, e na mais carente das duas os alunos mostraram uma tendência maior a chegar no horário. De la Iglesia diz que isso pode ter relação com a probabilidade maior de os pais destes alunos trabalharem desde cedo e, portanto, transferirem para os filhos a responsabilidade de chegar pontualmente à escola. Os resultados foram publicados na última quarta-feira na revista Science Advances.

Uma pista para a atitude contraproducente dos americanos em relação ao sono surge de uma entrevista recente à Boston Magazine com o biólogo do sono Charles Czeisler, da Faculdade de Medicina de Harvard e do Brigham and Women's Hospital. Ele disse que os militares costumavam privar os soldados do sono, acreditando que assim os "treinariam" para lidar com a privação do sono em combate -- assim como os exercícios treinam o indivíduo para lidar com o esforço físico. Mas isso não tem sentido. Czeisler comparou a prática a deixar as pessoas com muita fome para prepará-las para uma situação em que não tenham a quantidade apropriada de alimento.

Quanto às escolas, Czeisler disse na entrevista que, até 1910, as aulas nas escolas americanas começavam às 9h e que especialistas em educação defendiam que os EUA evitassem o erro dos alemães e dos britânicos, que iniciavam as aulas 7h ou 7h30. Mas esses horários escolares posteriormente chegaram aos EUA. O sono insuficiente, na opinião de Czeisler, impede os alunos de aproveitar sua máxima capacidade.

Imagine o frenesi que provocaria a invenção de uma droga capaz de melhorar tanto o desempenho quanto o sono adequado. Mas essa droga não é necessária; essa vantagem pode ser conseguida gratuitamente e sem receita médica.

Ensinar as pessoas a respeito do sono adequado seria uma das formas mais econômicas de melhorar a saúde pública, segundo De la Iglesia. Infelizmente, muitas pessoas não reconhecem que seu desempenho está degradado. A autoavaliação ruim é outro efeito colateral da perda do sono, disse: "As pessoas acham que está tudo bem."

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.