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Uma história sobre cavalos, melões e um papagaio morto

Robert Hutton

28/12/2018 18h58

(Bloomberg) -- Nesta época do ano, lembramos que é melhor dar do que receber. E, como revelam arquivos divulgados pelo governo britânico, isso é ainda mais verdadeiro se o presente for um cavalo turcomano.

Em 1993, Saparmurat Niyazov, o presidente do Turcomenistão, país que acabava de se tornar independente da União Soviética, fez uma visita ao primeiro-ministro britânico, John Major. Como agradecimento ao anfitrião, Niyazov presenteou Major com uma foto emoldurada de um cavalo. Ele explicou que aquele não era um cavalo qualquer. Chamava-se Maksat, um garanhão de raça pura Akhal-Teke, e que a partir daquele momento pertencia ao Reino Unido.

Mas havia um pequeno detalhe. Maksat estava no Turcomenistão, e esperava-se que o Reino Unido organizasse a viagem para levá-lo para seu novo lar. A viagem foi o assunto de um despacho do Foreign Office publicado nesta sexta-feira nos Arquivos Nacionais em Londres.

"Os cavalos turcomenos" -- eram dois, porque a França também tinha ganhado um -- "chegaram a Moscou", escreveu Laura Brady, diplomata da embaixada britânica.

A viagem até lá, de trem, tinha sido agitada. Bandidos armados tentaram roubar os animais quando viajavam pelo Cazaquistão, mas os cavalos se recusaram a sair do vagão. No entanto, naquele momento, os animais estavam à mercê de algo muito mais perigoso: a burocracia pós-soviética.

Papagaio morto

Brady e sua contraparte francesa marcaram uma reunião com funcionários da alfândega para as 13:00. Quando chegaram, foram avisados de que todos estavam almoçando e que, por isso, teriam que voltar às 15:00. Os diplomatas explicaram à recepcionista que estavam preocupados com os cavalos, que fazia quatro dias e meio que estavam de pé em um vagão.

"Isso provocou em resposta a triste história do papagaio do embaixador finlandês, o único ser vivo que ela lembrava ter caído nas mãos do Décimo Segundo Posto de Alfândega Diplomático", relatou Brady. A recepcionista, "quase chorando ao pensar no papagaio", levou os dois a um galpão, onde encontraram o pessoal da alfândega jogando pôquer.

Tendo cumprido as formalidades, os adidos britânico e francês se dirigiram para o outro lado de Moscou, para o escritório de contabilidade da companhia ferroviária. Chegaram às 16:45 e apresentaram os documentos, mas foram informados de que a equipe já tinha parado de trabalhar e que o expediente acabava às 17:00. Ao ouvir a história dos cavalos, a funcionária cedeu. Mas não por muito tempo. Olhando os documentos, ela disse aos diplomatas que os turcomanos não tinham pago o total das taxas de transporte ferroviário e que as embaixadas deveriam pagar a diferença à companhia ferroviária russa.

Os sagazes adidos sugeriram que, como os turcomanos haviam fornecido um vagão de trem para os cavalos e não o queriam de volta, ele poderia usado para pagar a dívida. Os funcionários da companhia concordaram. "Mas já tinha passado das cinco. Nós teríamos que voltar no dia seguinte."

Na manhã seguinte, os dois diplomatas se apresentaram mais uma vez e os funcionários da estrada de ferro explicaram que a papelada estava desatualizada. Os cavalos precisariam ser reexaminados pela veterinária da empresa. Depois de uma hora, a veterinária, sem sair do lugar, apresentou um certificado dizendo que tinha inspecionado os animais e que eles estavam em boas condições.

Melões amarelos

Às 10:00, os diplomatas finalmente viram os cavalos. Mas a batalha não tinha acabado. Do vagão saíram três cavalariços, que viajaram com os cavalos, e que levavam 200 melões amarelos grandes. Eles explicaram que tinham trazido a mercadoria para vender em Moscou, para conseguir dinheiro para comprar suas passagens de volta.

Depois de carregar os animais -- e os melões -- em um reboque para cavalos, os diplomatas acharam que já estavam na reta final. Mas não estavam. Para sair da estação de trem precisavam de mais um papel. E para obter esse papel eles precisavam que um adesivo fosse colado no vagão em que os cavalos viajaram certificando que o vagão estava vazio. Eram 11:40 e os funcionários estavam se preparando para a pausa do almoço, que começava às 12:00.

Eles convenceram uma funcionária a ir até o vagão, mas ela se recusou a colar o adesivo. O vagão estava cheio de estrume de cavalo, protestou ela. "Nós teríamos que limpá-lo e não, não poderíamos jogar o estrume nas lixeiras da estação. A essas alturas, o adido francês já estava ficando histérico."

Brady também estava ficando desesperada. "Eu pensei em colocar o estrume no porta-malas do meu carro e levar para adubar as rosas da residência", disse ela. Felizmente, um maquinista que passava por lá foi subornado, com vários melões "particularmente grandes", para empurrar o vagão pelos trilhos, e depois limpou o estrume que caiu na linha.

Depois de enviar a carga em segurança, Brady concluiu seu memorando com uma nota de otimismo. "Eu fiz alguns contatos úteis nos últimos dias, então da próxima vez que quisermos importar um cavalo da Rússia, vai ser muito mais fácil."