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Tragédia aérea sacode o Quênia, das favelas aos arranha-céus

Eric Ombok e Bella Genga

15/03/2019 13h36

(Bloomberg) -- Uma vez por ano, Abdullahi Ibrahim Mohammed juntava dinheiro suficiente para voar da Arábia Saudita de volta para casa, no Quênia, para visitar a esposa, os pais e os três filhos, sustentados por suas longas horas de trabalho.

Neste ano ele não conseguiu.

O trabalhador da indústria láctea, de 36 anos, foi uma das 157 pessoas que morreram no domingo na queda de um avião da Ethiopian Airlines com destino à sua cidade natal, Nairóbi, em um campo perto da capital da Etiópia. A tragédia chocou o mundo e provocou o cancelamento de voos com o jato Boeing 737 Max, mas foi sentida em especial no Quênia, que perdeu 32 cidadãos -- mais do que qualquer outro país.

"Ele me ligou na sexta-feira e disse que deixaria a Arábia Saudita no sábado", disse a mãe de Mohammed, Kaltuma Yahya Abdallah, em entrevista, em sua casa, em Kibera, Nairóbi, um dos maiores assentamentos informais da África. "Ele perguntou o que eu queria que ele trouxesse para mim e eu disse que qualquer coisa estava bom." Foi a última vez que conversaram.

Professores universitários; um especialista em doenças; funcionários da General Electric e da TechSoup Global; um funcionário da federação nacional de futebol; trabalhadores migrantes levando remessas vitais -- estas foram apenas algumas das vítimas quenianas do acidente. Suas histórias de vida apontam para a riqueza de iniciativas, sonhos e talentos encontrados no centro empresarial da África Oriental, que também abriga a sede regional da Organização das Nações Unidas.

Influência regional

"A influência regional do Quênia pode ser vista desta forma -- no calibre das pessoas que morreram", disse Macharia Munene, professor de História e Relações Internacionais da Universidade Internacional dos Estados Unidos em Nairóbi.

Havia pessoas de outras 34 nacionalidades a bordo do avião etíope, cujo acidente foi o segundo envolvendo um jato 737 Max 8 em apenas cinco meses. A rota programada, com saída de Adis Abeba, sede da organização União Africana, a torna popular entre diplomatas e viajantes de negócios, o que gerou o apelido de "transporte da ONU". Muitos dos mortos deveriam participar de uma cúpula da ONU.

A capital do Quênia abriga também a sede regional de empresas como Toyota Motor, Alphabet, dona do Google, e Coca-Cola.

Assim como Mohammed, muitas vítimas quenianas haviam deixado o país para seguir carreiras, mas mantinham fortes ligações com sua terra natal. As remessas de recursos superam as exportações de chá e o turismo como principais fontes de moeda estrangeira do Quênia e ajudam a impulsionar essa economia de rápido crescimento. Elas chegaram a US$ 2,94 bilhões em 2018, cerca de 50 por cento mais do que no ano anterior.

Em Kibera, cercada por membros da unidade comunidade núbia, a família de Mohammed disse que sua esposa e seu tio tinham partido para a Etiópia para obter mais informações sobre o acidente. A família aceita o fato de não haver restos mortais para enterrar.

"Nossa vida vai mudar, mas o que eu posso fazer?", disse Abdallah, descrevendo um filho que contava piadas, nunca guardava rancor e enviava dinheiro e remédios regularmente para o pai diabético. "Temos que aceitar o que aconteceu."

Em muitas outras famílias e empresas de todo o país, os quenianos estão começando a processar perdas semelhantes.

"É um período traumático para o Quênia", disse Munene, o professor. "As pessoas não devem perder a esperança, apesar da tristeza. Como país, nós vamos nos recuperar."

Repórteres da matéria original: Eric Ombok em Nairóbi, eombok@bloomberg.net;Bella Genga em Nairóbi, bgenga2@bloomberg.net