Mudança na meta fiscal reabre discussão sobre modelo de cálculo
A proposta apresentada ao Congresso Nacional pelo governo Michel Temer de mudar pela 11ª vez a meta fiscal - ou seja, a conta das receitas e despesas - brasileira reacendeu o debate sobre a rigidez e a eficácia dos objetivos perseguidos pela gestão fiscal no país.
De um lado, economistas apontam que o modelo é, hoje, quase uma jabuticaba: praticamente apenas o Brasil adota uma regra de atingir um resultado antes do pagamento dos juros da dívida, o chamado superávit (ou déficit) primário.
Para cumprir essas metas, são feitos bloqueios de despesas, que são congeladas e liberadas ao longo do ano, a depender da realização das receitas. Com isso, o governo acaba se comprometendo com números que podem não se realizar por diversos fatores e segue preso a uma gestão fiscal de curto prazo.
Mesmo assim, especialistas dizem que qualquer discussão hoje no Brasil sobre o abandono ou a flexibilização da meta de primário teria reações muito negativas no mercado, sobretudo nas agências de classificação de risco, até mesmo porque exigiria mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Países
O mais comum, principalmente em países desenvolvidos, é que a gestão fiscal seja feita de olho no resultado nominal (já considerando o pagamento de juros) e no tamanho da dívida. Por esse critério, o rombo brasileiro seria de R$ 607,5 bilhões nos 12 meses terminados em junho - ou 9,5% do PIB brasileiro. Só de juros, o Brasil pagou R$ 440,3 bilhões nesse período.
Muitos países perseguem metas múltiplas e têm instrumentos de escape que possibilitam flexibilizar essas metas em casos de recessão ou choques na economia. "Depois da crise, a maior parte dos países flexibilizou o regime fiscal e avançou em prestação de contas.
A razão para essa tendência é que ficou clara a dificuldade em cumprir metas de curto prazo mediante recessões significativas", diz o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires.
O economista-chefe do Banco Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, acredita, no entanto, que o Brasil hoje não teria "menor possibilidade" de flexibilizar o sistema de metas fiscais ou trocar o objetivo de resultado primário por outra métrica, como, por exemplo, mirar apenas um determinado nível de dívida na proporção do PIB.
O economista pondera que países como a Alemanha, o Reino Unido, os Estados Unidos e o Japão têm ativos seguros a ponto de aumentarem suas dívidas sem pressionar a taxa de juros ou comprometer o crescimento econômico. "Mas outras economias avançadas, como a Espanha e a Itália, não têm essa tolerância a níveis elevados de dívida. O Brasil e outras economias emergentes estão nesse grupo", disse.
Kawall avalia que a importância da meta de primário está em mostrar a direção do endividamento nos anos à frente. "O problema é menos o nível e mais a tendência da dívida", enfatizou. "Quem leva o ajuste fiscal a sério sabe que não podemos abrir mão da meta de primário."
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