Congresso quer reforma tributária 'verde' de olho no meio ambiente
Em um momento de desgaste internacional causado pelos desencontros do governo Jair Bolsonaro (sem partido) na agenda de preservação do meio ambiente, o Congresso tenta usar a reforma tributária para fincar uma bandeira verde na retomada da economia.
Com o aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entidades de defesa ambiental passaram a se reunir com parlamentares para a criação de uma "proposta tributária verde". A intenção é acoplar as sugestões ao relatório do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), em gestação na comissão mista do Congresso.
A reforma tributária verde quer, por exemplo, vetar isenções tributárias a setores e atividades em desacordo com metas de emissões de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, criar uma compensação para os que contribuem com a redução das emissões.
Além disso, os ambientalistas propõem a destinação de 0,5% da arrecadação do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) para um fundo especial de governança local sustentável.
Os consultores técnicos que auxiliam o relator da reforma tributária já estão trabalhando em propostas para integrar instrumentos de proteção ambiental ao texto. Elas serão sugeridas ao relator, que tomará a decisão final sobre incluir ou não pontos da agenda verde no parecer final que cria o IBS.
Com o crescimento da agenda de retomada econômica verde pós-pandemia da covid-19, a expectativa é de que Aguinaldo Ribeiro incorpore alguns desses pontos.
Entre as propostas em discussão, está a formulação de um tributo mais próximo do imposto sobre carbono, repartição de receita com critérios ambientais e "isenções personalizadas", na forma de devolução do tributo ao comprador de produtos ambientalmente corretos.
Com a pressão que vem recebendo em vários pontos da reforma, não apenas ambiental, o relator tem adotado a estratégia de manter reserva sobre os temas mais polêmicos.
Ribeiro tem optado por fazer comentários mais genéricos para não provocar ruídos que possam prejudicar o calendário da reforma - prevista para ter uma primeira votação ainda em 2020.
'Imposto do pecado'
O tributarista Luiz Bichara, da Bichara Advogados, diz que um dos pontos de atenção na reforma é o chamado Imposto Seletivo, apelidado de "imposto do pecado".
"Uma preocupação é que nele se pretenda incluir a questão das atividades potencialmente poluentes", diz. Para ele, esse não é um tributo que possa ser criado sem uma discussão prévia, como foi feito na Europa. "O Brasil nem começou esse debate ainda."
O economista Bernard Appy, diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), avalia que faz sentido ter tributos ambientais do ponto de vista de um bom sistema tributário (mais informações nesta página). A grande questão é o desenho desses tributos.
"Essa é uma questão que não está totalmente resolvida nem no mundo. A tributação do carbono é um pouco mais fácil, porque se consegue fazer a tributação por tonelada de carbono emitida", avalia Appy, que trabalhou na elaboração da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, conhecida como a reforma tributária da Câmara.
Segundo Appy, um debate que pode ser feito é a tributação de combustíveis fósseis. Hoje, o Brasil tributa os combustíveis fósseis por meio da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), cuja alíquota é de R$ 0,10 por litro de gasolina e de R$ 0,05 por litro de diesel.
O problema, diz Appy, é que o tributo não é usado para fins ambientais, mas para controlar preços e investimentos rodoviários. Uma das alternativas é transformar a Cide num tributo mais próximo do imposto sobre carbono. "Essa talvez seja uma possibilidade que interessa para o setor", diz.
Para o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Evandro Gussi, é indiscutível que a retomada da economia no Brasil e no mundo terá de se basear em um modelo de baixo carbono. "Se a reforma tributária é para ganho de eficiência da economia brasileira, sem dúvida vai ter de ser pensada nesses termos", disse.
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar do Meio Ambiente, aposta no protagonismo do Congresso para as escolhas que vão ter impacto nas próximas décadas. "Deputados e senadores têm a chance de auxiliar na construção de um futuro melhor, a começar por uma reforma tributária que vá além da simplificação", disse.
O Brasil é signatário do Acordo de Paris, tratado internacional que impõe compromissos relacionados à redução da emissão de gases de efeito estufa, com o objetivo global de limitar o aumento da temperatura do planeta. Até 2025, a meta é reduzir em 37% a emissão de gases sobre os níveis de 2005; até 2030, em 43%.
As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".
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