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Guerra entre Rússia e Ucrânia deve fazer preço de alimentos subir no Brasil

Wilian Miron

São Paulo

28/02/2022 08h35Atualizada em 28/02/2022 10h00

A inflação brasileira, que terminou 2021 acima dos 10%, começou este ano ainda bastante pressionada e com números ainda altos. O IPCA de janeiro ficou em 0,54%, o maior número para o mês desde 2016, puxado principalmente pelos alimentos. As previsões para o ano, até agora, vinham variando entre 5,5% a algo pouco acima dos 6% (lembrando que o teto da meta perseguida pelo Banco Central é de 5%). Mas essas previsões devem mudar, e para pior, por conta da guerra na Ucrânia.

Um dos impactos mais imediatos é no preço do trigo, um dos grãos mais importantes usados na alimentação — está presente nos pães, nas massas, nas bebidas e também nas rações animais. O Brasil é um importador desse produto, já que produz menos do que consome. Em 2021, o País produziu 7,7 milhões de toneladas e importou um pouco mais de 6,2 milhões de toneladas, principalmente da Argentina.

E, embora a importação direta da Rússia ou da Ucrânia (respectivamente o primeiro e o quarto maiores exportadores mundiais) não seja relevante, o Brasil sentirá o efeito da alta nos preços que pode ocorrer por conta da guerra. Segundo a consultoria Agroconsult, os preços internacionais já subiram 20% desde o início do ano e tendem a subir ainda mais com o conflito.

O milho, grão fundamental para a alimentação animal, é outro que afetar a inflação. Segundo os especialistas, o produto já está com cotações muito elevadas no mercado internacional, e qualquer aumento adicional vai pressionar ainda mais os custos dos produtores de carne. A Ucrânia é responsável por cerca de 16% das exportações mundiais de milho.

Também há o impacto nos fertilizantes. A Rússia é o maior fornecedor desse produto para o Brasil, com cerca de 20% dos adubos comprados pelo País. Este é exatamente o momento do ano em que os produtores estão comprando os fertilizantes para a safra 2022/2023, e o aumento dos custos por conta do conflito tornou-se motivo de grande preocupação.

Petróleo

A tudo isso se junta o preço dos combustíveis, que tem impacto direto e indireto na inflação. Na semana passada, após o início da invasão russa, o barril do petróleo chegou a passar dos US$ 105. O dólar, que tende a se fortalecer, também deve pressionar os preços.

Com esse cenário, especialistas já começaram a prever um quadro de estagflação — mistura de inflação alta com atividade econômica estagnada. O economista Armando Castellar, pesquisador associado da FGV/Ibre, por exemplo, disse esperar agora uma inflação na casa dos 6,2% ou 6,3%, com o PIB subindo entre 0,3% ou 0,4%, números piores que os projetados antes do início da guerra.

Mas todos esses ainda são números preliminares, que vão depender da extensão da guerra, das sanções, dos efeitos que virão. O certo mesmo é que nada de positivo se pode esperar dessa situação.

Gás natural

A invasão da Rússia à Ucrânia deve ter reflexos no mercado global de gás natural, encarecendo ainda mais o preço do produto também no mercado brasileiro nos próximos meses, segundo especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast. Nesse cenário, haveria pressão também sobre o custo da geração de energia em termoelétricas, embora não se fale, nesse momento, em risco de falta de gás.

Isso ocorre porque a Rússia responde sozinha por 40% do gás utilizado na Europa, que, em meio ao conflito diplomático e econômico com seu principal fornecedor, pode recorrer ao Gás Natural Liquefeito (GNL) importado de outras localidades para suprir sua demanda, pressionando ainda mais os preços globais. Além disso, um encarecimento do gás na Europa tem reflexos diretos em parte dos contratos de importação para o Brasil, uma vez que esses documentos costumam atrelar os valores às rubricas praticadas no mercado global.

Retaliação

"Não é apenas a questão militar, com as sanções, há também um risco econômico e regulatório, por isso há uma situação tensa no mercado", disse o professor do Instituto de Energia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Edmar Luiz Fagundes de Almeida.

Segundo ele, as retaliações econômicas e sanções impostas à Rússia, além da suspensão da licença do gasoduto Nord Stream 2, construído para levar gás diretamente da Rússia à Alemanha — mas que ainda não começou a operar —, têm potencial para gerar desarranjo na economia global, mesmo que as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não partam para um conflito armado.

"É um momento muito delicado porque, dependendo do desenrolar da questão, pode trazer muitos malefícios para a economia mundial", disse.

Opinião semelhante tem o engenheiro e fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires. Ele, contudo, lembra que o Brasil adquire no mercado internacional, principalmente da Bolívia, boa parte do gás que consome, mas ele acredita que no caso do produto entregue pelas concessionárias de distribuição, os aumentos devem acontecer apenas no momento das revisões tarifárias feitas pelas agências reguladoras estaduais.

"Antes havia a percepção de que no segundo semestre teríamos uma estabilidade, mas (com essa situação) provavelmente teremos novos aumentos no preço do gás esse ano", avaliou.

Ele também lembrou que no ano passado, quando a cadeia global de fornecimento de gás deu os primeiros sinais de desarranjo, o mercado já sentiu um estresse com aumentos de preços pela Petrobras, principal fornecedora nacional do produto no Brasil. Na época, a estatal anunciou elevação superior a 50% para contratos no mercado nacional, o que provocou uma onda de judicialização da questão e reclamações contra a empresa no Cade.

Infraestrutura

Embora o Brasil tenha uma grande reserva de gás natural, o País reinjeta pelo menos metade desse insumo de volta nos campos de petróleo, pois falta infraestrutura de gasodutos para escoamento desse gás. Caso ela existisse, o cenário poderia ser diferente e o País teria mais fôlego para enfrentar a crises como a atual.

Outro especialista que enxerga pressão nos preços do gás como consequência dos conflitos na Europa é o advogado Ali El Hage Filho, sócio do escritório Veirano. "O GNL acaba influenciando os preços do gás no mundo todo, e a gente já vinha de um cenário de pressão de preços mesmo antes da situação da Ucrânia. Acho que certamente vai continuar aumentando", disse.

Ele lembrou que, nos últimos anos, a Petrobras tem buscado paridade internacional para seus preços, e que outros supridores compram gás no exterior para atender contratos no mercado brasileiro. Essa situação de novos reajustes neste ano pode intensificar os problemas políticos e econômicos que a escalada nos preços do gás e dos combustíveis tem provocado no País.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.