Por que os prédios do centro de SP possuem alto risco para incêndios?
"É possível afirmar com todas as letras que existe risco de incêndio em grande parte dos edifícios comerciais e residenciais da região central da cidade", afirma Roberto Racanicchi, coordenador adjunto da Câmara Especializada de Engenharia Civil do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP). "Não há dúvidas de que existe o risco de início de incêndio", concorda Antonio Fernando Berto, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Grandes incêndios na região central ainda estão na memória do paulistano. O Edifício Joelma foi o local de uma tragédia no Edifício Praça da Bandeira, em 1974. Morreram 187 pessoas e mais de 300 ficaram feridas. Os cadáveres se amontoavam na rua cobertos por cobertores, jornais e capas de chuva. O socorro mobilizou 1.500 homens. O incêndio aconteceu menos de dois anos depois de outro incêndio de grandes proporções no Edifício Andraus, na Avenida São João. Na ocasião, morreram 16 pessoas e 320 ficaram feridas. Um luminoso de propaganda foi o início do incêndio.
Um dos fatores de risco tem relação com a própria "cara" do centrão. São prédios antigos sem características estruturais alinhadas às exigências atuais de segurança. Uma delas é a presença de pavimentos entre os andares com apenas 20 cm de proteção. Prédios mais modernos têm uma separação maior, de pelo menos um metro, para impedir que o fogo passe de um andar para o outro.
Berto observa que praticamente não havia divisão entre os pavimentos no incêndio do número 78, da Rua Comendador Abdo Schahim.
A modernização desses prédios é difícil, pois há pouco espaço físico para reformas estruturais. Não é possível demolir uma escada sem comprometer o prédio vizinho, por exemplo. Engenheiros relataram ao Estadão um episódio recente de ampliação de um prédio na Rua 7 de Abril. Não foi possível entrar com o caminhão de concreto para fazer a obra. A solução foi demolir uma parede para que o veículo entrasse.
As construções antigas também não possuem todos os itens de segurança exigidos pelos projetos atuais, como dutos de ventilação, escadas de incêndio mais largas ou portas corta-fogo.
Prédios com documentação irregular
Por conta dessas características, os prédios têm dificuldade para conseguir o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), documento que atesta o funcionamento da edificação dentro das condições de segurança contra incêndio e pânico.
Nesse contexto, o Ministério Público do Estado deu prazo de 30 dias para que o Corpo de Bombeiros explique se fiscalizou a existência de AVCB nos edifícios atingidos pelo fogo e nos imóveis do entorno na região da 25 de Março.
O ofício está relacionado a um inquérito civil aberto em 2019 para investigar outro incêndio em um edifício comercial de três andares na Rua Cavalheiro Basílio Jafet na esquina com a Rua Jorge Azem, pertinho da Rua 25 de Março. Não houve vítimas.
A investigação, chamada inquérito civil estrutural, ainda está em andamento e pretende fazer uma apuração mais ampla acerca da própria política pública sobre prevenção e combate a incêndios.
O problema não acontece só na capital, diz o MP. Cerca de 5% dos municípios de São Paulo possuem a maioria de suas edificações regulares. Ainda de acordo com o órgão, 90% dos incêndios ocorrem em imóveis irregulares.
O risco do armazenamento de materiais inflamáveis
O armazenamento de materiais inflamáveis torna a situação ainda mais complexa. Na semana passada, o prédio "Comércio e Indústria" tinha vários andares que eram utilizados como depósito de metal, plástico e papel.
Berto afirma que a grande presença de materiais inflamáveis facilita a propagação do incêndio. "A partir de um foco, é muito fácil o incêndio crescer em uma ocupação desorganizada e distante do que seria adequado da segurança contra incêndios", afirma.
O Estadão apurou que os proprietários do edifício estavam modificando a licença do imóvel de "lojas e escritórios abertos" para "depósitos de mercadorias" quando o início da pandemia interrompeu os trâmites burocráticos. Aqui, Racanicchi salienta a importância da fiscalização do poder público para verificar se o uso e ocupação dos empreendimentos está de acordo com a licença e funcionamento.
Falta de manutenção elétrica, um dos vilões
Outro fator de risco é a falta de manutenção das instalações elétricas internas dos condomínios residenciais e comerciais. Valdir Pignatto, professor da Escola Politécnica da USP, explica que a maioria dos incêndios no Brasil é causada pelas instalações elétricas, como fios desencapados, fiação antiga sem manutenção.
Com o tempo, os condutores perdem suas propriedades de levar a energia, esquentam e pegam fogo. "Temos um problema que é a falta de identificação da causa do incêndio. Isso é importante. Como vamos atacar um problema se não sabemos exatamente qual é a causa?", questiona.
Marcelo Lima, diretor-geral do Instituto Sprinkler Brasil, organização sem fins lucrativos que difunde o uso de sprinklers no País, adota raciocínio semelhante. "As instalações elétricas são uma fonte muito grande de incêndios, mas às vezes sua culpa é um superestimada, até pela dificuldade de se investigar e descobrir a causa real de um incêndio", diz. Por meio do monitoramento diário de notícias de incêndios no Brasil, o Instituto registrou 999 ocorrências de incêndios estruturais de janeiro a junho deste ano.
A falta de manutenção está relacionada a aspectos culturais, como argumenta o engenheiro Rafael Timerman, "As pessoas que gerem os condomínios empresariais ou residenciais têm uma cultura de falta de manutenção. Não é primazia do centro de São Paulo. É preciso haver uma conscientização de que é mais barato atuar de maneira preventiva do que corretiva e emergencial", alerta o diretor do Instituto de Engenharia de São Paulo.
"Fazer manutenção é como tomar uma vacina contra uma doença. Você evita um mal maior", compara Racanicchi compara.
O diagnóstico não é recente. Quatro anos atrás, às vésperas do incêndio de 2018, um decreto do então governador Márcio França instituiu um regulamento de segurança contra incêndios no Estado. Entre os objetivos, estava o de "fomentar o desenvolvimento de uma cultura prevencionista de segurança contra incêndios".
Bombeiros dizem realizar fiscalizações
A Prefeitura da cidade de São Paulo informa que a emissão e fiscalização do AVCB são de responsabilidade do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, mas com objetivo de agilizar a fiscalização nos prédios da capital, a administração municipal poderá contribuir com a exigência da apresentação do AVCB para a liberação de funcionamento dos empreendimentos e comércios na cidade.
O Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CBPMESP) informa que o Plano de Fiscalização das edificações e áreas de risco segue cronograma definido com base em metodologia e planejamento do Serviço de Segurança Contra Incêndio conforme tabela de priorização, consolidado em uma Matriz para Fiscalização de Ocupações (MFO) que se baseia em um ranqueamento dos riscos envolvidos e na ferramenta de qualidade do Método de Pareto.
Desde 2019, foram realizadas 37727 fiscalizações. Somente no ano de 2022 foram feitas 9387 fiscalizações, o que corresponde a uma fiscalização a cada 30 minutos. Destas 37727 fiscalizações, o CBPMESP aplicou um total de R$2.274.013,72 de multas.
O CBPMESP promove as ações de fiscalização em todos os tipos de edificação, mas é importante lembrar que o comportamento adequado, a manutenção periódica das medidas de segurança e o uso correto da edificação é tão importante quanto buscar o licenciamento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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