Estrago feito na economia é monstruoso e condições ideais estão muito distantes, diz professor
SÃO PAULO - Os números do PIB do primeiro trimestre revelados no início de junho foi interpretado positivamente por muitos economistas, uma vez que era esperada uma queda de cerca de 0,8%. Contudo, não há muito o que comemorar, aponta o economista e professor do Insper Otto Nogami em entrevista ao podcast da Rio Bravo.
Nogami destaca que, as novas ações do governo na economia, mesmo que funcionem, demorarão algum tempo para surtir efeito na economia real. " Na verdade, hoje nós estamos vivendo um momento em que o estrago que foi feito sobre a economia é monstruoso e a recuperação das condições ideais ainda estão muito distantes", destacou.
Segundo o economista, é necessário resgatar a autoestima dos agentes econômicos, que, por sua vez, podem se preparar para a retomada do crescimento. Contudo, há outras questões mais profundas: a perda da competitividade, assim como a falta de produtividade no setor produtivo. " Nós temos que pensar em capacitar melhor a mão de obra brasileira para que o nosso produto aí sim possa ter competitividade e produtividade. Associado a tudo isso, abrir a nossa economia, porque, por incrível que possa parecer, a nossa economia é uma das mais fechadas do mundo", afirma.
Confira a entrevista na íntegra:
Rio Bravo - De que modo nós podemos fazer a leitura dos dados do PIB recém-divulgados pelo IBGE?
Otto Nogami - Na verdade, a expectativa do mercado era que a situação recessiva da economia fosse um pouco mais grave, tanto é que o próprio mercado estimava uma queda em torno de 0,8% e acabou vindo apenas 0,3. Só que a gente não pode esquecer que há um clima de insegurança muito grande, então essa perspectiva de perda de emprego, principalmente quando nós falamos de um segmento de renda um pouco mais baixo. Tudo isso fez com que as famílias brasileiras, principalmente no começo do ano, contivessem suas despesas. A surpresa, entre aspas positiva, é de que todo início de ano você tem o reinício das aulas, a volta das férias, então naturalmente a recomposição do dia a dia das famílias faz com que o nível de dispêndio seja um pouco maior. Claro, estimava-se uma queda muito mais forte, ela acabou não acontecendo, de um lado, exatamente por esse efeito.
Só que a gente não pode esquecer que na composição do PIB existe uma outra componente importante, que são as exportações. As exportações cresceram, tanto é que, dos componentes do PIB, a única que apresentou um salto positivo foram as exportações. E a queda significativa das importações. No conjunto, isso deve representar alguma coisa em torno de 2 a 3% do PIB, à medida que a gente tem saldos comerciais favoráveis, isso acaba de alguma maneira favorecendo o PIB. Talvez esses sejam os dois fatores que levaram a essa performance menos dramática. Entretanto, a gente não pode esquecer que, caracteristicamente, o segundo trimestre é um trimestre de ajustes, então é de se esperar que, em termos atuais, com política excessiva, ela atue com uma força um pouco maior.
A ideia de que nós estamos partindo para um processo de recuperação, eu acredito que não. Eu acredito que nós vamos ter nesse segundo trimestre do ano realmente a somatização de tudo aquilo que esperávamos que acontecesse no primeiro trimestre. Dentro desse cenário e dessa perspectiva, é de se esperar que o segundo trimestre seja realmente preocupante.
RB - Nesse sentido, então, o otimismo não necessariamente é justificável?
ON - Não, não é. Na verdade, o otimismo vem é pelo fato de dizer que era uma queda de 0,8%, mas foi só de 0,3% e a coisa estaria melhorando. Não. Nós temos que analisar e entender o ciclo do comportamento das famílias ao longo do ano. Tanto é que a própria inflação costuma apresentar quedas do primeiro mês do ano em direção a junho e julho. Por que a inflação costuma cair nesse período? Exatamente por uma queda na atividade econômica. Ou seja, o movimento econômico é mais fraco no primeiro semestre para, depois, no segundo semestre, poder se recuperar. Claro que, se a inflação cai, a expectativa é que a atividade econômica está mais lenta, consequentemente é de se imaginar que o consumo das famílias caia um pouco mais, consequentemente, repercutindo sobre o PIB.
RB - Pensando nos próximos resultados, qual é a influência das medidas econômicas anunciadas pelo governo recentemente para a melhora desse estado de coisas?
ON - Pois é. A ação do governo é uma ação importante, mas dentro de uma perspectiva de longo prazo. A gente não pode esperar que qualquer medida que o governo tome repercuta imediatamente na economia. Há um processo de retardo muito grande e a percepção que a gente tem ao longo dos anos é que uma ação governamental hoje vai repercutir na economia dentro de uns seis a oito meses.
RB - Está falando da economia real, no dia a dia da população?
ON - No dia a dia da população. Na verdade, qualquer medida que o governo tome, em que momento vai repercutir positivamente sobre o dia a dia das pessoas? Dentro desse lapso de tempo. Por isso que, prudentemente, as perspectivas para esse ano de 2016 ainda são desfavoráveis. Falar de retomada, torçamos que isso aconteça, mas é só a partir do ano que vem. No curto prazo, podemos esquecer essa ideia.
RB - Falando dessas ações do governo, houve um anúncio de limitar o crescimento da despesa primária. É possível que esse sinal também sirva de alento para o mercado nos próximos meses?
ON - Sem dúvida, isso na verdade resgata em parte a credibilidade do governo e talvez resgate a autoestima dos agentes econômicos. À medida que você tem esse resgate da autoestima dos agentes econômicos, isso faz com que eles comecem a pensar no futuro. Um empresário, por exemplo, quando resgata a autoestima, ele projeta que o mercado vai melhorar. Vai melhorar? Então está na hora de fazer uma manutenção na fábrica, começar a pensar em aumentar a produção, quem sabe realizar alguns pequenos investimentos.... Tudo isso para se preparar a uma eventual retomada do processo de crescimento. Essas sinalizações do governo são importantes nesse sentido, de resgatar a perspectiva de um futuro melhor.
RB - Ainda de acordo com os números do PIB que foram divulgados pelo IBGE, existe a perspectiva para que as famílias possam se sentir à vontade nesse cenário de consumo ou mesmo de poupança?
ON - O grande problema hoje é que existe uma defasagem muito grande entre o desejo de consumir das famílias e a capacidade de produzir da economia. Essa distância, à medida que ela se alonga, repercute sobre a forma de inflação. À medida que o empresariado parou de investir, que ele reduziu a demanda por fator de produção, isso implica necessariamente uma queda de renda que leva a uma queda de consumo.
O que a gente observa? Que muitas empresas quebraram, muitas empresas entraram em processo de recuperação judicial, capital estrangeiro, aqueles não tão representativos e aqueles que vieram mais recentemente no país, estão indo embora, exatamente por essa falta de perspectiva sobre a nossa economia. Colocando a coisa de maneira mais simples, isso significa que a capacidade de produção da economia se retraiu. Por mais que o brasileiro se sinta estimulado a retomar seu nível de consumo, eu não vou ter capacidade de produção para no curto prazo poder atender essa demanda. Consequentemente virá inflação. Vindo inflação, claro, o governo, através de uma política monetária, eventualmente terá que manter a taxa de juros no patamar em que se encontra ou talvez aumentar ainda mais.
Na verdade, hoje nós estamos vivendo um momento em que o estrago que foi feito sobre a economia é monstruoso e a recuperação das condições ideais ainda estão muito distantes.
RB - Ainda que venha a melhora do PIB a curto prazo...
ON - Ainda que venha. Na verdade, veja, muitos setores da economia retardaram o processo de demissão. Entraram em layoff, adiando a retomada da produção e tudo mais. As últimas estatísticas sobre desemprego estão mostrando que a indústria chegou no limite, agora estão tomando a decisão de dispensar a mão de obra. Isso causa um dano muito grande na economia no curto prazo, porque você subtraiu a renda da sociedade.
RB - O impacto é brutal...
ON - É brutal, porque, à medida que você subtrai a renda, você está subtraindo consumo, que representa mais de 60% do PIB. Na situação atual, à medida que as indústrias são forçosamente levadas a demitir ou reduzir seu quadro de colaboradores, numa eventual retomada do crescimento, será que o empresário, no curto prazo, vai contratar novamente?
RB - Ele também vai agir de forma conservadora...
ON - Claro que vai. Então ele vai esperar a linha do horizonte se firmar, a luz do túnel ficar mais clara para, aí sim, achar que o cenário está seguropara então retomar investimentos ou retomar nível de produção. Só que retomar o nível de produção não é também em um estalar de dedos. Ele vai ter que recontratar, ou contratar mão de obra, vai ter que treinar essa mão de obra, vai ter que buscar a produtividade, a capacitação do colaborador.... Ou seja, tem aí mais uma vez um período de tempo de gestação para poder se adaptar à nova realidade.
RB - Ainda segundo esses mesmos dados do IBGE, quais outros fatores poderiam ser citados como empecilhos para essa retomada?
ON - Uma crítica que a gente tem feito há muito tempo é a perda da competitividade do produto brasileiro. Não só a perda da competitividade, assim como a falta de produtividade no setor produtivo da economia. Porque a mão de obra brasileira é muito pouco produtiva comparada à qualidade da mão de obra em outras economias, principalmente as economias mais desenvolvidas. Muitas vezes se fala que, por exemplo, o americano, chega 5 horas da tarde, ele larga aquilo que está fazendo, larga o lápis e vai embora, e o brasileiro não, o brasileiro se estende além do expediente. E muitas vezes a gente ouve o comentário de que essa é uma demonstração de que o brasileiro é mais produtivo que o americano. Não é. Na verdade, na jornada de trabalho, esse trabalhador estrangeiro trabalhou muito melhor, muito mais focado, com muito mais produtividade do que nós brasileiros.
Então, na verdade, a jornada tradicional de trabalho não é o suficiente para que a gente possa executar todas as tarefas a nós incumbidas, então temos que ficar um período adicional para poder completar aquela tarefa que em outras economias se faz no espaço de tempo dado a ele.
Tudo isso acaba levando à seguinte preocupação: por que essa falta de competitividade, por que essa falta de produtividade? E aí tudo isso remete ao direito do cidadão. O que é o direito do cidadão? Educação, saúde, segurança e mobilidade urbana. A existência de um governo é fundamentalmente para prover a sociedade dessas condições ou desse bem-estar. À medida que o governo não oferece esse bem-estar, o que eu posso esperar da capacitação do ser humano ou do brasileiro notadamente ao que diz respeito ao seu papel dentro da indústria, do comércio e da prestação de serviços? Tudo bem, limitar os gastos do governo, fantástico! Criar metas para o resultado primário, fantástico! Só que não é o suficiente e não é o suficiente apenas retomar o consumo das famílias ou melhorar a balança comercial.
Nós temos que pensar em capacitar melhor a mão de obra brasileira para que o nosso produto aí sim possa ter competitividade e produtividade. Associado a tudo isso, abrir a nossa economia, porque, por incrível que possa parecer, a nossa economia é uma das mais fechadas do mundo, tanto é que na última década nós perdemos os nossos grandes parceiros comerciais. Há necessidade de resgatar essa parceria e, principalmente, eliminar barreiras no que diz respeito à entrada de novas tecnologias.
RB - Qual é o impacto das exportações, em particular, e do setor externo de modo geral nesse processo de retomada do PIB?
ON - O papel das importações é fundamental. O resultado do PIB de menos 0,3 teve uma contribuição muito grande dessas exportações, só que a exportação de produtos básicos. Ou seja, nós exportamos a soja in natura para poder depois lá na frente importarmos o óleo de soja e o farelo de soja. Será que não temos capacidade de esmagar a soja? É um processo simples, não precisa de muita tecnologia. Teríamos, sem dúvida alguma. Então por que sai mais barato esmagar a soja fora do país?
Questão tributária, questão de escoamento da produção, ou seja, cai exatamente naqueles quatro elementos com que o governo efetivamente deveria se preocupar, que diz respeito ao bem-estar da sociedade em seu sentido mais amplo. À medida que a nossa economia tivesse, por exemplo, estradas, ferrovias, com capacidade de efetivamente escoar a produção sem perdas, a nossa realidade seria outra. Então em vez de estarmos exportando só soja in natura, poderíamos estar exportando óleo de soja, farelo de soja e outros subprodutos oriundos dos mais diferentes setores da agricultura.
RB - Então embora haja uma influência forte do setor externo, na atual conjuntura a gente também não pode aguardar muito o que vem de fora, não é?
ON - Claro que não. E mais. Ficamos muito à mercê daquilo que acontece no cenário mundial. Então, eventualmente se vier uma nova crise, Deus queira que não, o impacto será direto sobre a nossa economia.
RB - Em que medida esses números do PIB influenciam no processo de decisão das estratégias do Banco Central no tocante ao combate à inflação?
ON - Pois é. Aí existe um problema relativamente grande, por quê? O papel do Banco Central é combater a inflação, ou seja, saber executar a política monetária da maneira mais adequada para contribuir para o processo de crescimento da nossa economia. No nosso caso atual, para resgatar o processo de crescimento. Entretanto, conforme eu havia comentado, à medida que não há investimento no setor produtivo, à medida que você não tem competitividade no produto brasileiro, à medida que a mão de obra brasileira não é produtiva, isso sinaliza de maneira muito simples e clara que o nosso país não é um país de taxa de juros baixa.
Seria extremamente interessante se o Banco Central pudesse abaixar a taxa de juros, porque, de acordo com os preceitos acadêmicos, à medida que você reduz a taxa de juros, estimula investimentos na economia, exatamente o que nós mais estamos precisando hoje. Mas as condicionantes como um todo não permitem isso, porque por outro lado você tem um efeito perverso que é, à medida que você reduz a inflação, você está estimulando o consumo. E à medida que você não tem capacidade produtiva, a inflação continua pairando pelo ar. São dilemas muito grandes que o Banco Central tem que tomar.
O que eu faço? Estimulo o investimento via redução da taxa de juros ou controlo a inflação? E aí vem um lado preocupante e é um dilema difícil para ser contornado, porque, analisando-se os componentes do PIB, a gente observa que tem componente investimento, cuja performance está desastrosa de 2009 para cá. Ela continuamente vem caindo. Tecnicamente a gente costuma dizer que a inflação ideal em um país seria 20% do PIB. De acordo com os últimos números, nós estamos gravitando em torno de 16%. E um detalhe importante: 16%, mas sabidamente, na sua grande parte oriunda do capital estrangeiro e não do capital nacional.
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