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Empresário descarta couro e faz calçados veganos com algodão e borracha

Larissa Coldibeli

Do UOL, em São Paulo

27/08/2013 06h00

Obrigado a adotar uma dieta sem carboidratos depois que descobriu que era diabético, Gabriel Silva, 23, passou a questionar a própria alimentação e virou vegetariano.

Mais do que uma mudança nos hábitos alimentares, hoje Silva considera o vegetarianismo uma nova filosofia de vida, o que o motivou a criar sua empresa, a Ahimsa, em Franca (400 km ao norte de São Paulo).

A fábrica produz calçados e carteiras sem matérias-primas de origem animal – como o couro, por exemplo– e com o mínimo possível de produtos químicos, segundo ele.

“Antes de criar a empresa, pesquisei e não encontrei nenhuma outra companhia que seguisse esses mesmos valores”, declara.

Segundo o Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), 15,2 milhões de brasileiros se declararam vegetarianos em 2012, o que corresponde a 8% da população.

Silva conta que o objetivo é atender vegetarianos, veganos e simpatizantes desse estilo de vida. A ideia inicial, segundo ele, era não usar produtos de origem animal na fabricação, mas evoluiu para o conceito de uma produção limpa, que poluísse menos do que a fabricação de calçados tradicionais.

“Não usamos couro em nenhuma peça, apenas tecido 100% algodão. Os solados são de borracha natural, que vêm do látex. A cola é à base d’água, por isso é menos agressiva ao ambiente", diz o empresário.

Silva também afirma que não usa corante na produção de seus calçados. Segundo ele, todas as peças coloridas são feitas com tecidos recicláveis.

"Temos um fornecedor que coleta as sobras da indústria têxtil e comercializa para outras empresas." 

Silva diz que a produção é terceirizada, mas uma equipe de controle de qualidade visita os fornecedores regularmente para garantir que o processo produtivo esteja de acordo com os princípios da Ahimsa.

A empresa vende calçados masculinos e femininos e carteiras. Os preços variam de R$ 56, para uma carteira, a R$ 196, para um sapato social masculino. Os produtos são vendidos apenas pela loja virtual da marca.

“Não pensamos em distribuir no varejo porque na loja virtual podemos dar um atendimento mais personalizado aos clientes e ter o retorno sobre o que eles acham dos produtos”, diz Silva.

Ele afirma que o pai, que é empresário do setor calçadista, ajudou a tirar a ideia de negócio do papel. A família é dona da empresa Freedom Internacional, que produz calçados para grandes marcas.

“Não contabilizei qual foi o investimento inicial para criar a Ahimsa porque usamos a estrutura da empresa que já existia”, declara Silva. A loja virtual entrou no ar no dia 15 de julho e, no primeiro mês, registrou 70 mil visitas e 300 itens vendidos, mais do que o esperado, de acordo com o empresário.

Apesar das boas intenções, ele sabe que algumas etapas do processo não podem ser limpas. Uma delas é o transporte de matéria-prima e dos produtos prontos, já que os caminhões lançam gás carbônico na atmosfera. “O que estiver ao nosso alcance para diminuir os impactos no ambiente, nós faremos”, declara.

O nome da empresa faz referência a um princípio ético e religioso presente no hinduísmo e no budismo, que prega o respeito absoluto a todas formas de vida.

Empresa não é a única vegana, mas poucas exploram potencial do mercado

Existem outras empresas que produzem calçados sem matéria-prima de origem animal, como Picadilly, Melissa, Crocs e Cipatex. Elas usam materiais sintéticos, mas não focam sua opção na sustentabilidade, segundo especialistas.

Já as empresas Será o Benedito, Canna e King55 associam suas marcas à produção livre de crueldade contra os animais.

A estilista vegana Renata Buzzo, 26, também resolveu investir nesse mercado. Ela produz vestidos de noivas veganos, sem usar matéria-prima de origem animal.

Guilherme Carvalho, da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira), diz que empresas com orientação vegana e de proteção ao ambiente são bem-vindas ao mercado.

“As empresas que seguem essa linha estão cativando o consumidor, que está mais consciente e atento a essas questões.”

Segundo Carvalho, empresários interessados em investir no segmento vegano podem conhecer um pouco mais sobre esse mercado no 4º Congresso Vegetariano Brasileiro, que será realizado em Curitiba, de 25 a 29 de setembro. Mais informações podem ser obtidas no site http://www.vegfest.com.br.

Para Wlamir Bello, consultor do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa de São Paulo), apostar num nicho é uma boa estratégia para negócios iniciantes.

“Em setores muito competitivos, como a indústria de calçados, a diferenciação é essencial. Apostar num mercado que não tem suas necessidades completamente atendidas é a melhor estratégia.”

Terceirizado pode revelar segredo de produção

Para que uma companhia seja considerada uma "empresa limpa", ela deve ser rígida em todo o processo de produção, inclusive no acompanhamento do trabalho de prestadores de serviço.

“O controle de qualidade deve ser uma preocupação primordial da empresa e todos os procedimentos da cadeia, inclusive fornecedores, devem ser avaliados”, diz Bello.

A maior dificuldade de uma empresa que terceiriza sua produção, segundo o consultor, é impedir que suas estratégias de produção sejam reveladas. "Os fornecedores adquirem conhecimento ao fazer a produção para a empresa e podem passar a produzir para concorrentes com o mesmo perfil”, declara.

O consultor do Sebrae-SP diz que a preocupação com custos de produção deve ser constante, principalmente na indústria de calçados, que sofre forte concorrência dos produtos asiáticos.

"Os sapatos asiáticos são mais baratos por causa dos custos com mão de obra mais baixos e da escala. A empresa tem que selecionar bem seus fornecedores para produzir a um custo baixo e poder ter uma marge de lucro maior."

Para o fundador da Ahimsa o que possibilita a produção de calçados veganos ser mais barata do que a tradicional é que o tecido custa menos do que couro, por exemplo.