Reforma trabalhista tira ou não direitos como salário mínimo e hora extra?
Desde que foi proposta pelo governo no final do ano passado, a reforma trabalhista divide opiniões. As mudanças na lei geraram debates e protestos acalorados.
Centrais sindicais, associações de trabalhadores, entidades de juízes e procuradores, e o Ministério Público do Trabalho criticam as mudanças, afirmando que elas retiram direitos dos trabalhadores.
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Do outro lado, entidades de empresas, como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), além do próprio governo e parlamentares que defendem a reforma, negam que a proposta ameace as garantias dos empregados.
Ao fazer um pronunciamento para marcar o primeiro ano de seu governo, Temer disse que "não haverá nenhum direito a menos para o trabalhador brasileiro", e afirmou que o projeto garante os direitos que estão protegidos pela Constituição, chamando de "irresponsabilidade" as críticas de que o texto os retira.
O procurador Paulo Joarês Vieira, coordenador nacional da área de combate às fraudes em relações de trabalho do Ministério Público do Trabalho, é um crítico da reforma. Para ele, a afirmação de Temer de que não haverá nenhum direito a menos "não corresponde à realidade".
Vieira diz que a reforma, de fato, não retira diretamente o que está previsto no artigo 7º da Constituição, que trata de direitos como salário mínimo, 13º e férias, entre outros, porque ela é um projeto de lei, e não uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição).
"Naturalmente, o texto do PL (projeto de lei) não é ingênuo a ponto de pretender revogar qualquer norma do artigo 7º da Constituição, pois isso seria obviamente impossível, de modo que dizer que o artigo 7º permanece intocado é uma obviedade", afirma.
Ele diz, porém, que a reforma faz isso indiretamente. "O PL é mais sutil e malicioso, pois cria instrumentos para esvaziar o conteúdo dos direitos ou inviabilizar o acesso dos trabalhadores", afirma o procurador.
Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, defende a reforma. Para ele, as mudanças propostas mantêm os direitos e modernizam relações de trabalho.
O UOL selecionou alguns pontos polêmicos da reforma e pediu aos especialistas para apontar por que eles representam, ou não, perda de direitos.
Trabalho intermitente
A reforma cria uma nova forma de trabalho, chamada de intermitente. Nela, os funcionários ganham de acordo com o tempo que trabalharem. O empregado não tem a garantia de uma jornada mínima. Se for chamado pelo patrão para trabalhar cinco horas no mês, recebe por essas cinco horas apenas. Se não for chamado, não recebe nada.
Além do pagamento pelas horas, ele tem direito ao valor proporcional de férias, FGTS, Previdência e 13º salário.
É perda de direito: O Ministério Público do Trabalho emitiu nota técnica, assinada pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, em que classifica essa possibilidade como uma "contratação em condições de subemprego" e uma ameaça ao direito a um salário mínimo mensal dessas pessoas.
"Não assegura nem mesmo o recebimento de um salário mínimo mensal pelo trabalhador, ferindo de morte norma constitucional sobre este tema", afirma.
Não é perda de direito: Para Furlan, esse novo tipo de contrato vai permitir que trabalhadores que hoje estão informais ou vivem de bicos consigam direitos como 13º, férias e FGTS. "Essa reforma vai conseguir formalizar muita gente que (as empresas) têm insegurança jurídica para formalizar", afirma.
Ele também diz que a reforma permite que pessoas que não podem trabalhar uma jornada inteira, de oito horas, consigam emprego, e que os outros trabalhadores não ficam fragilizados, porque poderão optar por contratos normais, como os que existem hoje.
"Ele (trabalhador) só faz isso (contrato intermitente) se quiser. Se não quiser, submete-se ao regime normal de trabalho", afirma.
Hora extra
A reforma permite que um acordo individual entre o funcionário e a empresa crie um banco de horas, em que o tempo a mais trabalhado seja somado e compensado em outro momento, no período máximo de seis meses. Passado esse período, se o banco não for compensado, a empresa terá de pagar hora extra ao funcionário.
Antes, isso só era permitido se houvesse um acordo ou convenção coletiva entre patrões e empregados.
A reforma regulamenta ainda a jornada 12 x 36 para qualquer tipo de trabalho. Nela, o funcionário trabalha 12 horas e folga nas 36 horas seguintes.
É perda de direito: O trabalhador recebe 50% a mais pela hora adicional do que na hora normal de trabalho. Para Fleury, a possibilidade do banco de horas e da 12 x 36 reduzem drasticamente, na prática, a quantidade de horas extras pagas aos trabalhadores.
"As horas extras se tornam raras pela total flexibilização da jornada e compensações", afirma. "Não tenho dúvida de que vai acabar (com a hora extra)."
Não é perda de direito: Em entrevista ao UOL, antes da nova lei entrar em vigor, o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI disse que não era possível afirmar, de antemão, que as horas extras estavam ameaçadas, e rebateu a afirmação do MPT.
"A lei não entrou em vigor, então como ele sabe? Se ele acha que vai ser assim, eu acho que não vai ser assim", afirma.
Transporte
Com a reforma, se o empregado trabalha em local de difícil acesso ou onde não há transporte público e usa condução da empresa, o período de deslocamento não poderá mais ser contado como hora de trabalho, como acontecia antes da reforma.
É perda de direito: Para o procurador-geral do MPT, isso é uma "perda de direito clara", já que esse tempo no transporte era contado como trabalho, inclusive para o pagamento de horas extras, caso o funcionário ficasse além da sua jornada de trabalho normal. "É efetivamente perda de direito", diz Fleury.
Não é perda de direito: Para Furlan, a possibilidade de a empresa oferecer transporte nesses casos é uma vantagem para um trabalhador que, de outra forma, teria que ir ao trabalho "a pé, de moto, de carona".
Ele diz que os empresários viviam uma "insegurança jurídica", podendo ser acionados na Justiça caso não computassem essas horas na jornada, o que dificultava um transporte que beneficia a todos, empregados e patrões, segundo o representante da CNI.
"Quando não tem condução (para o trabalhador), não tem hora de percurso (na jornada). Quando fornece, ele (funcionário), ganha (hora de percurso)", afirma Furlan. "Isso é correção de distorção, não supressão de direitos."
Bônus e prêmios
Se um funcionário recebesse um prêmio ou um bônus, por um longo período, isso poderia ser incorporado ao salário, afetando o pagamento de outros valores, como o 13º e o INSS, por exemplo. A reforma, porém, define que esses valores não podem mais contar como parte do salário.
É perda de direito: Para Paulo Joarês Vieira, a mudança afeta indiretamente o direito do trabalhador de não ter seu salário reduzido pelo patrão. Ela está "permitindo que, na prática, o empregador reduza a remuneração suprimindo ou reduzindo essas parcelas (de prêmios e abonos)", afirma.
"(O empregador) pode contratar pagando o piso da categoria como salário e o restante como prêmios e abonos, os quais poderá suprimir a qualquer momento", diz o procurador.
Não é perda de direito: Furlan diz que a lei antiga inibia os abonos que, em muitos casos, não eram recebidos por um longo período e já eram incorporados ao salário.
"(O funcionário recebe o bônus em) dois anos e já está dizendo que é salário, que não pode suprimir", afirma. "Sabe o que estava acontecendo? Nenhum empregador estava dando abono, prêmio, ajuda de custo."
Papel do sindicato
A reforma trabalhista define que uma empresa pode demitir um ou mais funcionários sem precisar de autorização do sindicato, nem de negociação ou acordo coletivo antes.
É perda de direito: Segundo o MPT, quando o funcionário que estava há mais de um ano na empresa era demitido ou se demitia, isso precisava ser homologado pelo sindicato.
No caso da demissão em massa, a Justiça do Trabalho entende que antes era necessária uma negociação coletiva, para definir como isso seria feito. Não há um número específico de trabalhadores que caracterize uma demissão em massa.
Fleury afirma que a intervenção do sindicato é importante para assegurar o direito de proteção ao trabalhador. A mudança proposta na reforma fragiliza a posição de pessoas que não conhecem plenamente seus direitos na hora da rescisão de contrato, de acordo com ele.
"(Com a reforma,) o empregado vai sentar com o empregador, que vai dizer: 'Você tem direito a isso, assina'. Ele (funcionário) vai assinar e acabou", diz o procurador-geral.
A favor da mudança: Furlan questiona a mediação feita pelos sindicatos no momento da demissão, mas não apresentou argumentou que sustente não haver perda de direitos do trabalhador. "O que adianta homologar hoje? Não vale nada para efeito de segurança jurídica da empresa."
"Os sindicatos procuravam travar demissão coletiva de todas as formas e às vezes a empresa não sobrevive mais", afirma o representante da CNI. "O sindicato às vezes está muito mais preocupado com a contribuição sindical do que com a vida do empregado dentro da empresa."
Lavagem do uniforme
O funcionário fica sendo o responsável pela lavagem do uniforme de trabalho, segundo a proposta de reforma, menos quando "forem necessários procedimentos ou produtos diferentes dos utilizados para a higienização das vestimentas de uso comum”.
É perda de direito: A Justiça do Trabalho entendia que a empresa devia ser responsável pela limpeza dos uniformes dos funcionários quando ele era obrigatório, segundo o procurador-geral, sendo assim um direito retirado pela reforma.
"Esse custo é tão ridículo e está sendo jogado para o empregado", afirma Fleury.
Não é perda de direito: Furlan afirma que a lavagem do uniforme de trabalho em casos que exijam produtos ou técnicas especiais, como na indústria de alimentos, por exemplo, está mantida. Por isso o direito do trabalhador está garantido, em sua visão.
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