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Rio tem mais de 1 milhão de desempregados: "Pior tempo da minha vida"

Tatiana Cristina da Silva tem 34 anos e, desde 2013, está desempregada no Rio Imagem: Lucas Landau/UOL

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

19/10/2017 04h00

"O pior tempo da minha vida é esse agora", diz Tatiana Cristina da Silva, que tem 34 anos e é mãe solteira de três filhos, de 17, 15 e 9 anos.

Ela conta que há pelo menos um ano não faz nem ao menos um "bico". "Já passei aperto, mas esse é o pior. Ultimamente nem bico aparece. Faço faxina, passo roupa, faço o que aparecer. Nem que seja entregar papel. Estou surtando", diz a carioca, que atualmente vive em uma comunidade em Madureira, na zona norte do Rio.

Na casa dela, a crise se manifesta principalmente na geladeira. "Antes, eu trabalhava e não faltava nada. Tinha danone na geladeira e o armário cheio. Agora é vaca magra. Não tem carne. Tem só arroz e feijão", afirma Tatiana.

Tatiana é uma entre 1,3 milhão de desempregados no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em agosto, o Estado fechou 3.400 vagas com carteira assinada, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

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A taxa de desemprego no Rio de Janeiro ficou em 15,6% no segundo trimestre do ano. É a segunda taxa mais alta do país, atrás apenas de Pernambuco, com 18,8%. No mesmo período de 2016, o desemprego no Rio era de 11,4%.

Em junho de 2016, o Rio oficializou que vive a pior crise financeira da história. O então governador em exercício Francisco Dornelles (PP) assinou um decreto de calamidade financeira, no qual admitia que o Rio não tinha condições de honrar compromissos básicos, como o pagamento de salários de servidores e contratos com fornecedores e ainda acrescentava que "temia um total colapso na segurança pública, na saúde, na educação, na mobilidade e na gestão ambiental".

A declaração parecia antever a sucessão de acontecimentos no Estado, com servidores penando para receber salários atrasados, além de um caos na segurança, na saúde e na educação. Alguns servidores apelaram para rifas para fechar as contas.

Tatiana tem três filhos e vive numa quitinete em Madureira, na zona norte do Rio Imagem: Lucas Landau/UOL

A impressão dos comerciantes e dos que atuam nas ruas do Rio é, como eles mesmos dizem, de que "o dinheiro não está circulando".

Quando terminou o ensino médio, há cinco anos, Tatiana teve escolher entre pagar aluguel ou fazer faculdade. Venceu a primeira opção.

"Não consegui o Minha Casa, Minha Vida nem o Aluguel Social. Eu morava em uma área de risco no [morro do] Alemão e tive que sair porque minha casa cedeu. Tenho Bolsa Família e coloco mais R$ 100 para pagar o aluguel da quitinete. Não recebo a pensão dos meus filhos porque os pais deles [são dois] não pagam. Uma prima me ajuda a fazer o mercado e amigos compram coisas para as crianças", contou.

A situação piorou nos últimos quatro anos, desde que teve carteira assinada pela última vez, em 2013. Ela trabalhava como auxiliar de serviços gerais em uma escola de inglês no centro da cidade.

Ao demitir Tatiana, a empresa alegou que precisava reduzir o quadro de funcionários devido a uma crise no país.

Segundo Tatiana, a crise pela qual passa o Estado do Rio também é justificativa usada pelas empresas para demitir ou deixar de contratar.

"Falam que a situação está brava, que não estão contratando. A gente manda currículo e ninguém liga. Fiz uma entrevista, gastei com a passagem e até hoje ninguém me ligou. Tem três meses isso", diz Tatiana.

Tatiana diz que já teve “várias profissões” (auxiliar de serviços gerais, operadora de caixa, atendente de loja, auxiliar de produção) e que gostaria de voltar a trabalhar como caixa. "Tem gente que fala que é chato, mas eu gosto. Sou rápida, sei dar troco direito. Eu trabalhei em um supermercado no Leblon [bairro de classe média alta na zona sul] onde os clientes só chegavam em carrões. Eu tinha que aprender logo, ser rápida e eu consegui."

Ela já imagina uma nova tentativa para equilibrar as contas: "O calor está chegando e vou vender sacolé. Viver assim não dá, é muito ruim depender dos outros", diz.

Advogada procura emprego como bilheteira

O último ano também não foi bom para a advogada Bárbara Barros de Oliveira, 49. Apesar da formação superior e de até já ter sido dona do próprio escritório, atualmente ela espera a resposta para ser bilheteira no BRT Rio, empresa de ônibus no sistema de transporte coletivo.

"Me formei em 2000 e antes tinha ofertas melhores de trabalho. Já tive meu próprio escritório, parcerias. Fechei há dois anos e até ano passado eu trabalhava em um escritório de um advogado. Mas as coisas pioraram. Quiseram cortar salários, diminuir honorários e depois demitiram", diz a advogada.

Ela continua procurando trabalho e fez alguns trabalhos de "free-lance". "Uso sites, Facebook, compro os jornais aos domingos, entro em grupos de WhatsApp. Mas também distribuo currículo in loco", contou Bárbara, que hoje depende da mãe, aposentada, com quem mora.

"Não sou só eu, tem muita gente nesse barco. Se olhar em volta, tem gente em situação bem pior. Vou continuar distribuindo currículo. Creio que a situação vai melhorar, quem sabe?"

"Assim que arrumar um emprego, vou me preparar para fazer concurso de delegada civil e também quero voltar a viajar. Hoje minha vida social tem sido perto de casa. Me divirto por aqui mesmo que é mais barato", afirma a advogada, que mora em Campo Grande, zona oeste.

Desempregado, o carioca Alexandre Silva vive de pequenos "bicos" no centro do Rio Imagem: Lucas Landau/UOL

Homem-placa ganha R$ 50 por dia

Alexander da Silva, 42, diz que não se lembra de quando teve um trabalho estável com carteira de trabalho assinada. 

Em 2016, teve uma breve esperança. Mas durou somente três meses.

"Era um trabalho de repositor em um supermercado. Mas aí teve um corte e eu saí", disse Silva, que estudou até a quinta série do ensino fundamental.

Atualmente, carrega uma placa de "compro ouro" ou uma de "compro joias" pelas ruas do centro do Rio. O "bico" paga R$ 50 por dia e mais nenhum direito.

"Gasto R$ 8 de condução e R$ 12 na quentinha. Sobram R$ 30. De vez em quando, aparece um bico de eletricista também", diz ele.

Em ação como "homem-placa" em meio ao comércio informal no Rio Imagem: Lucas Landau/UOL

"Já fiz de tudo: coletor de lixo, catador de reciclagem, serviços gerais. Antes da placa, eu entregava panfleto e era pior porque eram apenas R$ 30 por dia. Mas eu sempre estou 'botando' currículo", conta, esperançoso.

"As empresas sentem o reflexo da crise. Não tem mais vale-transporte, tíquete [vale-refeição]. Mas tem gente com diploma que também não tem emprego como eu", afirmou Silva.

Por causa da crise, ele e a mulher tiveram de se separar da filha, de 19 anos. Eles passam a semana em uma quitinete em São Cristóvão, na zona norte do Rio. 

"A menina mora em Sepetiba [bairro distante na zona oeste do Rio], onde minha mulher tem um apartamento pelo Minha Casa, Minha Vida. Não tem como morar lá, porque o deslocamento [até o centro] é longo. Então pagamos R$ 300 nessa quitinete e vemos a menina no fim de semana", explica o "homem-placa", que é casado com uma diarista.

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