"Rua do desemprego" tem choro e persistência na saga de entregar currículo
A rua Doze de Outubro pode ser percorrida de ponta a ponta em poucos minutos: são cinco quarteirões no miolo do bairro da Lapa (zona oeste de São Paulo), a 15 km do centro, com calçadas cheias de gente e de barracas de vendedores ambulantes. As lojas de comércio tradicional são variadas, e não só suas vitrines, mas também os "plaqueiros" atraem muitas pessoas ao local.
Sentados em banquetas e encostados nas paredes, eles recebem currículos de todo tipo, que são depois cadastrados em agências de emprego.
As folhas brancas saem de pastas plásticas ou de envelopes sem parar. "Bom dia e boa sorte", diz um dos plaqueiros sempre que alguém estende o braço com o documento na mão.
"Gasto mais com currículo do que com comida"
Há seis meses sem trabalhar, Alcilene de Oliveira Santana, 26 anos e mãe de duas crianças, foi operadora de caixa em uma rede de fast food por quatro meses no seu último emprego. Antes disso, tinha ficado um ano e meio desempregada. Agora, diz que aceita o que aparecer.
"Perdi as contas de quantas vezes tentei", ela diz, após entregar seu currículo a um rapaz que já tem algumas dezenas de folhas nas mãos. "Gasto mais com isso do que com a comida", afirma. "Cada folha custa de R$ 0,10 a R$ 0,40 para imprimir. Eu entrego umas dez por dia. Só de condução são R$ 16. Trago um lanche na bolsa, não dá para gastar também com almoço na rua."
Separada e sem condições de sustentar a casa sozinha, Alcilene voltou a morar no endereço dos pais, onde não paga aluguel. "Atendo clientes em casa para arrumar os cabelos, faço bico de faxina, tento me virar."
"Tenho 34 anos e já me disseram que estou velha"
Alcilene está sempre com a amiga Islene do Nascimento Motta, 34, também desempregada, nas tentativas de encontrar uma vaga. Elas moram em Franco da Rocha, município na Grande São Paulo, e saem cedo de casa todos os dias. Com formação técnica variada, Islene é vigilante, auxiliar de enfermagem, digitadora e babá, mas não trabalha faz quatro meses. Nos últimos três anos, passou por três empregos, mas não conseguiu se fixar no mercado.
"Já me falaram que minha idade atrapalha, e na época eu tinha 32 anos. A funcionária da agência de empregos que recebeu meu currículo ainda me disse assim: 'Aquela moça ali tem 18 anos, o encarregado preferiu ela'. Saí de lá me sentindo mal", ela conta.
Uma amiga ajuda a outra a não desanimar: "Vai dar tudo certo, temos que pensar positivo", diz Alcilene. O fato de morarem em uma cidade vizinha também é visto como ponto negativo, dizem. "Acham que a gente vai se atrasar se acontecer qualquer problema no transporte coletivo", diz Islene sobre mais um obstáculo.
Me perguntaram por que eu não entrava para o crime e recebi ofertas para me prostituir
Islene do Nascimento Motta, desempregada há quatro meses
Ela relata propostas frequentes, por parte de amigas e conhecidos, de se prostituir ou servir de "mula" (quem leva drogas no corpo) em troca de dinheiro. "Isso não passa pela minha cabeça, não é da minha índole, mas tem gente que faz isso porque está tentando se virar de alguma forma."
"Com 19 anos, ouço que falta experiência"
Pela segunda vez neste ano entregando currículo na rua Doze de Outubro, João Pedro de Sousa Albuquerque tem situação oposta à de Islene. Com 19 anos de idade, ele terminou o ensino médio há um ano e meio e passou por um cursinho preparatório em 2016 como reforço escolar. Mas isso é pouco, como ele percebeu.
"Já fui a várias entrevistas e tem muita gente procurando emprego. Muitas pessoas já têm experiência em várias áreas, fizeram vários tipos de serviço, e isso acaba dificultando um pouco para quem não tem experiência, como eu. O problema é a experiência, não a idade", afirma.
João Pedro mora com a mãe em São Paulo e busca um emprego para ajudar nas contas de casa. "Eu ganharia um pouco mais de liberdade, poderia começar a guardar dinheiro para um carro no futuro, uma moto, fazer faculdade."
Se pudesse escolher, ele diz que se dedicaria agora à área de computação, mas "pega o que aparecer". "É mais importante ter dinheiro agora do que seguir a profissão que eu quero", ele diz.
O jovem conta que chega a entregar 15 currículos por dia. Quando aparece um bico, trabalha como segurança em eventos ou na catraca de estádio de futebol, recebendo ingresso de torcedor.
"Todo mundo em casa está desempregado"
O desânimo de não conseguir trabalhar está na cara e na voz de Thiago da Silva Barbosa, 24, mais um jovem entre os tantos que sobem e descem a rua entregando seus currículos. A vaga que ele procura é de ajudante geral, motorista, operador de empilhadeira, "mas está difícil".
Acompanhado pela mãe nesta saga que, para ele, parece sem saída, o rapaz conta que, em casa, todos ficaram desempregados no último ano. "Estamos passando dificuldade com alimentação, as contas estão atrasadas, meu nome está sujo", ele diz. "Minha mãe fica passando o cartão de crédito, mas está sem trabalhar. Imagina quando vier a fatura..."
"A notícia na TV fala que tem mais vagas de emprego, mas, quando a gente vem atrás, nunca tem", ele reclama. "A sensação é de desprezo. A pessoa sem serviço não é nada."
A gente conversa sobre isso em casa e eu comentei com eles [os filhos] que ouvi o presidente [Michel Temer] falando que ia colocar o país nos trilhos, mas eu não sei que trilhos são esses, só se for de viagem para ele.
Joana Madalena dos Santos, mãe de Thiago, demitida há quatro meses
"Pego até 1.200 currículos por dia, e sempre alguém chora"
Thiago e sua mãe saíram do bairro de Perus (zona norte de São Paulo), a 20 km da Lapa, porque sabiam que a rua Doze de Outubro tem uma concentração de "plaqueiros" e de agências de empregos.
São cerca de 25 empresas na rua e arredores, como explica Maurílio Morceli, 65, que seleciona currículos neste ponto há 11 anos. Ele dá uma olhada no documento e encaminha o candidato para o primeiro andar do prédio, onde funciona a agência em que ele é funcionário.
"Aumentou muito a entrega, triplicou nos últimos dois anos, chego a pegar até 1.200 currículos em duas ou três horas de trabalho", ele diz.
Para ele, a rua na Lapa "oferece muita oportunidade", e gente que conseguiu emprego depois de lhe entregar o currículo voltou para agradecer. Mas, para alguns, as chances não são nada boas.
Tem gente que dá até dó, porque tem pessoas que não estão preparadas, não têm ensino fundamental
Maurílio Morceli, selecionador de currículos
"Se o concorrente tem segundo grau, na mesma função, o primeiro candidato vai perder", afirma o "plaqueiro".
De um jeito ou de outro, ele diz tentar ajudar. "Tem mãe com dois ou três filhos pagando aluguel que vem procurar emprego. Aqui perto tem uma agência que trabalha com empregadas domésticas. Eu indico ir até lá ou fazer cursos de reciclagem em escolas gratuitas."
No seu dia a dia sentado na banqueta e recolhendo os currículos, ele conta que já viu muito desespero e olhos cheios de lágrimas.
Quase todos os dias aparece alguém que chora na minha frente. A pessoa fala que está cansada de correr, de entregar currículo e não ter uma proposta de emprego, isso ocorre todos os dias.
"Falta o país orientar o povo, esses políticos que estão aí só pensam neles, não pensam no desenvolvimento da cultura, do ensino", diz.
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