Cooperativa é como banco, mais barata e pode render dinheiro; veja cuidados
Você já imaginou ter acesso a produtos e serviços de um banco (inclusive investimentos como poupança, fundos e previdência privada), pagar juros menores e ainda receber uma espécie de distribuição de lucros anualmente?
As cooperativas de crédito oferecem essa possibilidade. O problema é que, se houver prejuízo, ele também é dividido entre os associados. Há garantia de um fundo para seus investimentos, como nos bancos, mas especialistas recomendam avaliar o desempenho das cooperativas antes de se associar a elas.
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Cooperados são donos e ficam com as "sobras" de dinheiro
Nessas instituições, dependendo de seu porte e perfil, pessoas físicas podem abrir conta, ter cartões de crédito nacional e internacional, tomar empréstimos, entrar em consórcios, fazer operações de câmbio e investir em opções como previdência privada, renda fixa e até as chamadas Letras de Crédito do Agronegócio (LCA).
Empresas também podem ter acesso aos investimentos, levar sua folha de pagamentos para as cooperativas, ter as populares maquininhas de cartão e oferecer vale-refeição aos seus funcionários.
Representantes do sistema cooperativo e economistas ouvidos pelo UOL afirmaram que a grande diferença das cooperativas é que elas não visam ao lucro e, por isso, podem oferecer juros menores às pessoas e às empresas.
Como os cooperados são “donos do negócio”, os resultados financeiros, que são chamados de “sobras”, e não de lucro, podem ser divididos anualmente entre eles a partir de decisão em assembleia.
Hoje, o Brasil possui 967 cooperativas de crédito, todas num sistema regulado pelo Banco Central. São 5.700 postos de atendimento (como agências) e 9,7 milhões de cooperados em todo o país, segundo dados do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop).
Precisa pagar para se associar
Para ter acesso aos produtos e serviços de uma cooperativa, incluindo empréstimos, pessoas físicas ou empresas precisam, necessariamente, se associar. Em todos os sistemas, a exigência é que elas façam um aporte no chamado capital social da cooperativa.
O valor dessa cota vai de R$ 1 a R$ 5.000, dependendo do porte da entidade, e pode ser parcelado. Quanto menor for a instituição, maior o valor exigido de cada associado, uma vez que menos pessoas garantem o seu funcionamento.
Essa cota é paga apenas uma vez. Voluntariamente, os associados que quiserem podem realizar mais aportes no capital social das cooperativas ao longo do tempo. O benefício que eles teriam seria de formar um patrimônio. Mas não é exigência e também não é o mais comum.
O capital social, ao lado do resultado que as cooperativas registram com as suas operações, garante o funcionamento das associações e contribui para o crescimento de seu patrimônio.
Situações em que o dinheiro pode ser retirado
O capital depositado pelos associados é remunerado anualmente em até 100% da taxa Selic. O índice de correção pode ser escolhido pela cooperativa, mas é limitado ao máximo que a Selic atingir. Na maioria dos casos, esses juros são somados à cota do capital social de cada cooperado, que vai crescendo ao longo dos anos.
No entanto, o CEO do Sistema Unicred do Brasil, Fernando Fagundes, diz que os cooperados também podem decidir em assembleia pela distribuição desses valores, juntamente com as sobras, o que é mais raro. “Independentemente do aporte, o cooperado vai ter direito a apenas um voto na assembleia”, afirmou Fagundes.
Ele disse que, dependendo do estatuto da cooperativa, esse dinheiro pode ser retirado em três situações: quando o cooperado sai do sistema, quando atinge 65 anos de idade ou em caso de doenças graves.
Quanto mais usa os serviços, mais ganha ou perde
Apesar dos benefícios oferecidos pelas cooperativas, o próprio Banco Central lista como desvantagem o fato de que, se houver prejuízo e ele não puder ser absorvido pelo fundo de reserva das cooperativas, ele também será rateado entre os associados. Nos bancos comerciais, quem arca com os prejuízos são os acionistas, e não os clientes.
“Assim como o cooperado participa do resultado positivo, as sobras, ele também arca com as perdas caso elas ocorram”, disse Mauri Pimentel, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), especialista em cooperativismo e diretor-superintendente do Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob) do Centro-Sul de Goiás.
Pela legislação, a distribuição tanto de “lucros” quanto de prejuízos das cooperativas é realizada totalmente com base nas atividades do cooperado no sistema, e não na sua fatia no capital social da instituição.
Assim, não importa se uma pessoa tem uma cota maior ou menor no capital da instituição, mas, sim, se ela usa seus serviços ou não. Se ela usa mais o cartão de crédito ou contrata mais empréstimos, por exemplo, ela ganhará mais no momento da distribuição de lucros ou, em caso de prejuízo, responderá por uma fatia maior dessa perda.
A ideia é que o cooperado, com suas atividades, constrói o resultado das associações, positivo ou negativo. De acordo com Pimentel, se uma pessoa passar o ano inteiro sem realizar qualquer atividade na cooperativa, sua fatia na distribuição de “lucros” ou de perdas pode ser zero. “O entendimento é que essa pessoa não colaborou para a construção do resultado”, disse.
Cooperativas oferecem taxas de juros reduzidas
O diretor operacional do Sicoob, Francisco Silvio Reposse Júnior, afirmou que, como as cooperativas são mantidas por seus donos e não buscam o lucro, elas também podem oferecer juros menores tanto para pessoas quanto para empresas. O Banco Central não informa as taxas praticadas por essas instituições, mas afirma que, no caso do empréstimo pessoal, elas chegam a menos da metade da cobrada nos bancos.
“As cooperativas são mantidas por seus donos, seus sócios, e podem oferecer esses benefícios. É uma espécie de condomínio”, disse Júnior.
Levantamento do Sicoob mostra, por exemplo, que, enquanto a taxa média cobrada nos bancos para crédito pessoal foi de 125% ao ano em abril, nas cooperativas que integram o sistema ela foi de 19,2% ao ano.
O Unicred informou dados de fevereiro. Naquele mês, a taxa de juros do cheque especial estava em 150,14% ao ano, e a do crédito pessoal, em 25,08% ao ano, por exemplo. Já a do rotativo do cartão de crédito estava em 147,93% ao ano.
Veja exemplos das taxas médias cobradas (ao ano)*:
- Capital de giro rotativo: 21,8% (Sicoob) e 34,5% (bancos)
- Desconto de cheques: 28,3% (Sicoob) e 37,8% (bancos)
- Crédito pessoal: 29,2% (Sicoob) e 125% (bancos)
- Cheque especial: 109,1% (Sicoob) e 320,7% (bancos)
- Cartão de crédito rotativo: 149,5% (Sicoob) e 320,9% (bancos)
* Taxas médias apuradas pelo Sicoob em abril de 2018
No caso das tarifas, o levantamento do Sicoob também revela uma diferença nos valores. Na média, transferências de valores (TED e DOC) custam R$ 6,70 no Sicoob e R$ 16,50 nos bancos. O fornecimento de extrato mensal eletrônico custa, em média, R$ 1,30 no Sicoob e R$ 2,87 nos bancos, segundo o mesmo comparativo.
Veja exemplo das tarifas médias cobradas*:
- Transferências (TED/DOC): R$ 6,70 (Sicoob) e R$ 16,50 (bancos)
- Fornecimento de extrato mensal eletrônico: R$ 1,30 (Sicoob) e R$ 2,87 (bancos)
- Saque em caixa eletrônico: R$ 1,64 (Sicoob) e R$ 2,29 (bancos)
* Taxas médias apuradas pelo Sicoob em abril de 2018
Maior risco das cooperativas está ligado à gestão
A professora de economia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Juliana Inhasz afirmou que, além da repartição do eventual prejuízo de uma cooperativa entre seus associados, existem riscos ligados à gestão desses empreendimentos.
“Bancos, como são instituições financeiras sólidas, têm respaldo de instituições como a Comissão de Valores Mobiliários e o próprio Conselho Monetário Nacional, e as cooperativas não. Eventualmente, se uma cooperativa não tiver uma boa gestão, quem coloca dinheiro lá pode perdê-lo”, afirmou. “Agora, se a gestão da cooperativa for correta, os seus riscos são equiparados aos de um banco”, disse Juliana.
A professora também afirmou que as grandes cooperativas possuem capilaridade, uma vez que, na maioria dos casos, seus cartões possuem bandeiras que podem ser aceitas em todo o Brasil e no exterior. No entanto, o associado precisa verificar a situação específica de sua associação para saber se pode resolver eventuais problemas em qualquer localidade.
Reclamações contra cobrança de tarifas em empréstimos
A economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Ione Amorim disse que são comuns reclamações de cobrança de tarifas na hora de conceder empréstimos.
Segundo ela, as pessoas devem estar atentas ao estatuto das cooperativas e aceitar apenas o que está disposto neles. No caso de empréstimos, o que se paga é a taxa de juros da operação, não uma tarifa. “O consumidor precisa estar atento a possíveis abusividades”, disse.
Poupança, LCA, fundos e RDC são investimentos disponíveis
As cooperativas não servem apenas para emprestar dinheiro a juros menores. Há várias opções de investimentos: poupança, fundos, LCA e RDC (Recibo de Depósito Cooperativo) são algumas delas.
Os sistemas cooperativos afirmaram que o RDC é o investimento mais procurado. Ele equivale aos Certificados de Depósito Bancário (CDB) dos bancos e possui taxas prefixadas, definidas na hora da contratação.
O Sicoob informou que, na média, um investimento no RDC com prazo de 185 dias rende 96,6% do CDI. Na prática, com o CDI a 6,39% ao ano, isso equivale a uma taxa de 6,17% ao ano.
O Unicred, por sua vez, disse que o rendimento do RDC varia de 96% a 98% do CDI (entre 6,1% ao ano e 6,2% ao ano), mas não informou o prazo dos depósitos. O Sicredi (Sistema de Crédito Cooperativo) não revelou a remuneração desse investimento.
Outra opção são as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), que buscam financiar o setor agrícola. Na prática, quando uma pessoa compra uma LCA, ela empresta dinheiro ao agronegócio e, em troca, recebe juros sobre o valor aplicado. No caso do investimento em LCA, o Sicoob informou que a remuneração média, para um prazo de 437 dias, é de 89,1% do CDI (ou de 5,7% ao ano). Sicredi e Unicred não informaram os rendimentos.
Por regra, no caso do RDC, embora as pessoas tenham uma taxa de remuneração mais alta, elas devem pagar também Imposto de Renda (IR) sobre o seu ganho, num percentual que varia de 15% a 22,5% conforme o prazo do investimento. Já a LCA é isenta de Imposto de Renda, assim como a poupança, o que pode torná-la mais rentável. Essa conta deve ser feita na hora da decisão sobre o investimento.
Questionado sobre outras opções, o Sicredi disse que oferece planos de previdência privada e fundos de investimento. “Por meio dos nossos fundos de investimento, os investidores podem acessar diversos tipos de ativos [produtos] do mercado financeiro, como títulos públicos e privados”, disse a entidade. O Unicred destacou que possui um plano de previdência com 65 mil cooperados e capital de 2,7 milhões, mas não informou a remuneração.
Fundo garante até R$ 250 mil por CPF em caso de quebra
O diretor executivo de Produtos e Negócios do Sicredi, Cidmar Stoffel, por sua vez, afirmou que os riscos que as pessoas enfrentam ao depositar seus recursos em uma cooperativa de crédito são os mesmos que elas teriam em um grande banco.
Na avaliação de Stoffel, essa segurança consiste não apenas na gestão das associações, mas na existência do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop). Criado em 2014, esse fundo garante até R$ 250 mil por CPF caso as cooperativas sofram intervenção do Banco Central ou de liquidação extrajudicial. Esse é o mesmo modelo e o mesmo valor do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para os bancos.
“O sistema é todo regulado pelo BC, e hoje o risco para uma cooperativa de crédito é o mesmo enfrentado por uma instituição do mercado”, disse Stoffel.
No caso da intervenção, o BC busca impedir o agravamento de uma situação que possa levar à quebra da cooperativa (como uma sucessão de prejuízos e aumento de endividamento). Entre as medidas, está a venda de parte do patrimônio da instituição para pagar dívidas, por exemplo. Se a intervenção não é suficiente, o BC parte para a liquidação extrajudicial, que promove a retirada da cooperativa do sistema financeiro nacional.
O problema é que, em ambos os casos, a medida do BC ocorre geralmente após prejuízos seguidos no balanço das cooperativas, o que significa que os cooperados já tiveram de assumir perdas até que a situação chegue a esse ponto. A partir do momento do decreto, cessa o processo de repartição de prejuízos, e entra em cena o socorro do FGCoop.
“É por isso que é muito importante que as pessoas procurem conhecer a gestão e os resultados da instituição antes de se associar”, disse Juliana, do Insper.
Por meio de sua assessoria, o Banco Central recomendou que as pessoas consultem, em sua página, relatórios com os resultados financeiros das cooperativas antes de se associar. Na página, é preciso selecionar uma “data-base” (período), um “tipo de instituição” (no caso, instituições individuais) e um “relatório” (demonstração de resultado). Depois disso, na coluna “TCB”, o cidadão deve selecionar a opção b3s (cooperativa de crédito singular, clicando no símbolo de filtro) e procurar o nome da instituição.
Em outra página do BC, é possível verificar as instituições autorizadas a funcionar. É preciso escolher a terceira opção, das cooperativas, e clicar em Ok para baixar as informações.
Veja o resultado de algumas cooperativas em 2017
O Sicredi distribuiu R$ 887 milhões de “lucro” aos seus mais de 3,7 milhões de associados no país no fechamento do balanço de 2017. Ao todo, esse sistema possui 116 cooperativas de crédito em 21 estados brasileiros.
O Sicoob informou que repartiu R$ 727 milhões para 1,8 milhão de cooperados. O Sicoob reúne cerca de 480 cooperativas em todos os estados.
No caso do Sistema Unicred, que tem foco na área da saúde, do total de R$ 199 milhões disponíveis para a distribuição de “lucro”, os próprios sócios decidiram destinar 80% ou R$ 159,2 milhões para as suas contas correntes e reaplicar outros 20% ou R$ 39,8 milhões em projetos da cooperativa. O Unicredi possui 195,3 mil associados. Eles estão distribuídos entre 34 cooperativas em oito estados.
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