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PhD de personalidade forte e especulador: Paulo Guedes, o guru de Bolsonaro

23.set.2018 - Jair Bolsonaro posta foto ao lado do assessor econômico Paulo Guedes, no hospital Albert Einstein, em São Paulo - Reprodução/Twitter
23.set.2018 - Jair Bolsonaro posta foto ao lado do assessor econômico Paulo Guedes, no hospital Albert Einstein, em São Paulo Imagem: Reprodução/Twitter

Téo Takar e Antonio Temóteo

Do UOL, em São Paulo e Brasília

26/09/2018 04h04Atualizada em 04/10/2018 11h28

Especulador clássico, megalomaníaco. Professor PhD pela tradicional Universidade de Chicago de personalidade forte. Nenhuma experiência política. As opiniões são de profissionais que conviveram com Paulo Guedes, o guru econômico do candidato Jair Bolsonaro (PSL), em momentos distintos da carreira do economista.

Guedes construiu fortuna no mercado financeiro. Ao lado de André Jakurski e Luiz Cezar Fernandes, fundou o banco de investimentos Pactual em 1983. Na mesma época, assumiu a vice-presidência executiva do Ibmec, faculdade voltada ao ensino de finanças e negócios.

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Especulação financeira e educação sempre estiveram muito presentes na vida do economista. Por recomendação de Mário Henrique Simonsen, ex-ministro da Fazenda e um dos maiores economistas do país, Guedes sempre procurou dividir seu tempo entre o mercado e a universidade, como forma de se manter atualizado.

Destinos cruzados

O carioca Paulo Roberto Nunes Guedes completou 69 anos no dia 24 de agosto. Cursou a graduação em Economia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Entre seus colegas estava José Márcio Camargo, que hoje é coordenador econômico de Henrique Meirelles (MDB), adversário de Bolsonaro na corrida presidencial.

Além de contemporâneos de faculdade em Minas Gerais, os dois fizeram doutorado no mesmo período nos Estados Unidos. Camargo foi para o MIT (Massachusetts Institute of Technology), polo de formação microeconômica, enquanto Guedes optou pela Universidade de Chicago, berço dos economistas ultraliberais, como os norte-americanos Milton Friedman e George Stigler.

Camargo e Guedes mantinham bastante contato na época, fim da década de 1970. Quando concluíram os estudos, viajaram juntos de carro pelos Estados Unidos, acompanhados das respectivas esposas. Hoje, quase 40 anos depois, estão em lados opostos.

P de Paulo

O primeiro grande passo de Paulo Guedes no mercado financeiro foi em 1983, quando foi convidado por Luiz Cezar Fernandes para montar a gestora Pactual. Fernandes havia desfeito a sociedade com Jorge Paulo Lemann (hoje, o homem mais rico do Brasil, segundo a Forbes) no banco Garantia e decidira montar uma instituição concorrente.

O nome Pactual surgiu das iniciais de três de seus quatro fundadores e mais um sufixo para dar sonoridade: P de Paulo Guedes, A de André Jakurski, que era diretor executivo do Unibanco, e C de Cezar. O quarto fundador foi Renato Bromfman, presidente da distribuidora Credibanco.

Guedes tornou-se estrategista-chefe do Pactual e passou a escrever boletins diários, quase sempre com duras críticas à condução da política econômica. Poucos anos depois, em 1986, o país viveria o Plano Cruzado, que estabeleceu um congelamento de preços para estancar a hiperinflação. Logo, Guedes ganhou a antipatia de Brasília. Entre as principais figuras da equipe econômica, estavam colegas de Guedes da época em que ele lecionava na PUC-RJ: Edmar Bacha, Persio Arida (que hoje integra a equipe do tucano Geraldo Alckmin, outro adversário de Bolsonaro nas eleições) e André Lara Resende.

A língua afiada de Guedes quase custou caro ao Pactual. O então presidente do Banco Central, Luiz Carlos Mendonça de Barros, se recusava a assinar a autorização para a gestora se tornar um banco, embora a instituição atendesse a todas as exigências. A autorização só saiu pelas mãos de um diretor substituto, quando Mendonça de Barros teve de se ausentar do cargo para tratar de um problema de saúde.

Três décadas antes de se tornar o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro – uma referência à propaganda, na qual todos os problemas podem ser resolvidos no posto –, Guedes ganhou de Mendonça de Barros uma alcunha nada simpática: “Beato Salu”.

Era uma referência ao personagem do ator Nelson Dantas na novela “Roque Santeiro” (exibida pela Rede Globo entre 1985 e 1986), espécie de mensageiro do apocalipse. O fato é que boa parte das previsões negativas de Guedes se tornou realidade. No fim da década de 1980, o país continuava mergulhado na hiperinflação, após uma sucessão de planos econômicos fracassados.

Em 1994, Guedes acreditou no sucesso do Plano Real e orientou seus colegas do Pactual a apostar contra o dólar, ou seja, na valorização da nova moeda, algo inimaginável na época. Segundo um desses colegas, Guedes engordou sua conta pessoal em algumas dezenas de milhões de dólares com o palpite certeiro.

Especulador clássico

Depois de deixar o Pactual, Guedes fundou em 1998 uma outra gestora, a JGP, em sociedade com Jakurski e Arlindo Vergaças, ex-colegas do banco de investimentos. Mas, em vez de cuidar do dinheiro dos clientes, o economista dedicava a maior parte do tempo a administrar e engordar a própria fortuna, realizando operações arriscadas na Bolsa de Valores. Desta vez, colecionou mais perdas do que vitórias e foi convidado a se retirar da sociedade.

Então, montou uma corretora de valores com o irmão Gustavo, a GPG (o nome corresponde às iniciais de Gustavo e Paulo Guedes), que tinha forte presença no mercado de contratos futuros de índice Bovespa na antiga BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros), atual B3.

“Ele é um especulador da velha guarda. Um megalomaníaco. Operava muito. Ganhava muito. Mas perdia bastante também. E ficava muito p.... Xingava a gente de tudo que era palavrão, mas sempre em clima de brincadeira. Era um cara muito justo, valorizava também os bons momentos”, afirmou o diretor de uma corretora estrangeira que na época foi “trader” (operador) pessoal de Guedes, mas em outra corretora.

Cliente secreto

“O Guedes tinha a GPG e operava muito por lá. E todo o mercado sabia quando ele estava operando por causa das ordens que a GPG lançava no sistema da BM&F. Mas, quando o Guedes não queria chamar a atenção do mercado, ele operava comigo, em outra corretora. Ninguém sabia que ele era o meu cliente. Era segredo de Estado”, disse o ex-operador pessoal de Guedes.

Em tese, um investidor pode escolher qualquer corretora, inclusive mais de uma, para negociar ações, contratos futuros ou qualquer outro tipo de ativo na Bolsa de Valores. Não há nada de ilegal nessa prática. Todas as operações em Bolsa são secretas, ou seja, não há como saber quem são os compradores ou vendedores. A informação é protegida pelo sigilo bancário e fica restrita à Bolsa de Valores e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

B&F - Alessandro Shinoda/Folhapress - Alessandro Shinoda/Folhapress
Imagem: Alessandro Shinoda/Folhapress

“Apesar de ser um p... especulador, eu posso te garantir que o Guedes sempre agiu corretamente, dentro da regra do jogo. Quando ele via alguém do mercado fazendo algum tipo de sacanagem, ele mandava a gente lançar uma ordem fora do padrão para forçar a Bolsa a chamar um leilão e barrar o cara que estava sendo desonesto. Tudo dentro das regras”, afirmou o ex-operador.

“Essa fraude que dizem que o beneficiou não tem o menor cabimento. Só fala isso quem realmente não conhece o cara. Ele ganhava R$ 600 mil em questão de minutos. Não precisaria se queimar dessa forma”, declarou o ex-operador, referindo-se à acusação de que Guedes teria se beneficiado de uma fraude que causou prejuízos à Fapes, fundo de pensão dos funcionários do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Economia real

Depois da fase especulativa, Guedes passou a apostar na economia real. Em 2006, fundou a BR Investimentos, empresa que tinha como finalidade comprar participações em empresas com grande potencial de crescimento, tipo de investimento que é chamado de “private equity” pelo mercado financeiro.

Em 2013, a BR Investimentos se fundiu com a Mercatto e a Trapezus, dando origem à Bozano Investimentos, da qual Guedes hoje é presidente. A nova gestora mantém a estratégia de investir em empresas em processo de consolidação e que tenham potencial de expansão e investe também em companhias novatas que atuam em segmentos com grandes oportunidades de crescimento, como o de educação.

Guedes também ocupou cargo nos conselhos de administração de algumas empresas, como a locadora de veículos Localiza e a incorporadora PDG Realty. Ele também foi conselheiro de duas companhias do setor de educação, a HSM e a Gaec Educação (Grupo Ânima), posição que exerceu até 2014.

Obcecado pela educação

Quem já trabalhou com Paulo Guedes afirma que ele é um obcecado pela educação. Foi professor da PUC-Rio, da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ) e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Chegou a dar aulas durante um semestre na Universidade do Chile, em plena ditadura de Augusto Pinochet, mas decidiu voltar ao Brasil depois que a polícia política do ditador vasculhou sua sala e que um forte terremoto em Santiago assustou sua família.

No começo da década de 1980 abraçou o projeto do Ibmec, onde criou o primeiro curso de MBA em finanças do país. “O Paulo Guedes é um cara que gosta de ser o centro das atenções. E, de fato, ele cativa os jovens”, afirmou um ex-aluno do Ibmec, que hoje é professor da instituição.

“Tive contato com ele no fim da década de 1980, quando eu cursava o MBA. Naquela época, o Ibmec ainda ficava num anexo do MAM (Museu de Arte Moderna). Ele não dava aula, mas quando passava no corredor, todo mundo parava para ouvir o que ele tinha a dizer. E ele não gostava de ser interrompido. Sempre teve uma personalidade forte”, disse o ex-aluno.

Guedes foi figura decisiva no processo de reorganização do Ibmec, em 1999, quando a fundação (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) foi dividida, e a escola foi transferida para uma nova empresa (Ibmec Educacional), com fins lucrativos. O economista tornou-se acionista e presidente da instituição, mas deixou o Ibmec pouco tempo depois, em 2003, após divergências com o sócio Claudio Haddad, que hoje comanda o Insper, concorrente do Ibmec.

“Paulo Guedes é um visionário. Ele queria transformar o Ibmec em uma faculdade de excelência para a classe média. Atingir o máximo de alunos possível com um ensino de qualidade”, disse um executivo que acompanhou a reorganização da escola no fim da década de 1990. “Já o Claudio Haddad queria fazer do Ibmec uma escola voltada à elite brasileira e levá-la para São Paulo. Eles acabaram se desentendendo, e o Haddad comprou a parte do Guedes.”

O UOL procurou Claudio Haddad para comentar o episódio e falar sobre sua convivência com Paulo Guedes, mas a assessoria de imprensa do Insper informou que ele “não faz comentários sobre pessoas específicas, apenas sobre cenários gerais”.

Guedes continuou atento à área de educação, mas agora como investidor. Em 2010, adquiriu 25% do capital da Abril Educação, maior empresa de educação básica do país, dona de sistemas de ensino como Anglo e Ser, e das editoras Ática, Scipione e Saraiva.

O negócio foi feito por meio da empresa de investimentos de Guedes na época, a BR Investimentos, que se tornou sócia de Roberto e Giancarlo Civita, donos da Editora Abril. Em 2015, a Abril Educação mudou de nome, para Somos Educação, e de dono, passando para a gestora Tarpon.

Hoje, a Bozano Investimentos, gestora atual de Guedes, possui participações em diversas empresas de educação, que vão desde escolas tradicionais de ensino superior, como a NRE Educacional (que possui cursos de medicina no Tocantins e Minas Gerais) até novas tecnologias, como o site Passei Direto (uma rede social para compartilhamento de conteúdo acadêmico, como livros e teses em versão digital) e o QMágico (plataforma de ensino personalizado que conecta estudantes e professores).

Guedes também foi um dos fundadores do Instituto Millenium, um grupo de ideias e reflexões (“think tank”, em inglês) criado em 2005 que defende valores como liberdades individuais, meritocracia, propriedade privada, democracia representativa, transparência e eficiência.

Sonho político

Paulo Guedes nunca ocupou cargo político nem sequer fez parte de equipe econômica de governo algum. Mas sempre flertou com o poder. Na época da fundação do Pactual, fez fama por suas críticas ácidas à política econômica conduzida por seus ex-colegas da PUC-RJ.

Em 1985, ele foi indicado por Mário Henrique Simonsen e Delfim Netto para assumir uma diretoria do Banco Central (BC), cargo que recusou pelas divergências de orientação entre a Fazenda, chefiada por Francisco Dornelles, e o Planejamento, comandado por João Sayad.

Em 1989, o atual guru econômico de Bolsonaro contribuiu para a elaboração do plano de governo do então candidato à Presidência da República Guilherme Afif Domingos, pelo Partido Liberal (PL).

Agora, Guedes é cotado para assumir o “superministério” da Economia – que deve reunir Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, em uma eventual vitória de Bolsonaro. Entre os planos ultraliberais de Guedes está a privatização de todas as estatais brasileiras que, segundo o economista, podem render ao governo R$ 800 bilhões. O dinheiro deverá ser usado para abater a dívida pública. Ele também defende um pacto federativo para contemplar estados e municípios com os recursos hoje destinados ao pagamento de juros.

Guedes causou polêmica na semana passada, ao cogitar a criação de um imposto nos moldes da CPMF e a unificação da alíquota do Imposto de Renda. A declaração, dada em um evento restrito para investidores, mas que acabou vazando para a imprensa, causou mal-estar com Bolsonaro, que desmentiu as afirmações de Guedes e determinou que o economista reduzisse suas atividades eleitorais.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Versão anterior deste texto informava, incorretamente, que Paulo Guedes é conselheiro da HSM e da Gaec Educação (Grupo Ânima). Na verdade, ele saiu dos dois conselhos em 2014. A informação foi corrigida.