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O que é o mercado financeiro e por que ele influencia tanto as eleições?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

29/09/2018 04h00

Questões sociais, políticas e econômicas não são as únicas preocupações dos candidatos à Presidência da República. Frequentemente, os candidatos são impelidos a falar também sobre como será a relação do governo com o mercado ou quais planos serão colocados em prática para agradar o mercado se vencerem as eleições. Mas, afinal, o que é esse tal de mercado? E por que todo mundo se preocupa tanto com ele?

O mercado financeiro, ou simplesmente mercado, reúne empresas, grandes investidores e também especuladores, tanto brasileiros como estrangeiros. Eles negociam ações, derivativos, moedas estrangeiras como o dólar, contratos de juros futuros, títulos públicos, títulos de dívida emitidos por empresas, entre outros bens.

"Isso é o que se convencionou chamar de mercado financeiro. É muito mais do que o conceito simples de mercado, de relacionamento entre empresas e consumidores", afirmou Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.

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Segundo ele, a partir da década de 1990, o mercado financeiro ganhou uma dimensão muito maior do que a economia real, que corresponde à produção de bens e serviços das empresas.

"O mercado financeiro passou a ter vida própria, por meio das Bolsas, dos bancos, dos fundos de investimento. Hoje, o volume de dinheiro movimentado pelo mercado corresponde a cinco vezes o PIB global por ano."

Empresas de diversos setores, como siderúrgicas, mineradoras, petroleiras, varejistas e bancos também estão presentes no mercado.

"A economia real está fortemente correlacionada com o mercado financeiro", disse Leandro Consentino, cientista político do Insper. O setor produtivo depende do mercado, por exemplo, para financiar investimentos como a construção de uma nova fábrica.

Interesses e prazos distintos

De um lado, está o poder econômico. Do outro, o poder político. Mercado e governo podem conviver harmoniosamente ou disputar uma intensa queda de braço. "Tudo vai depender da convergência ou não dos interesses", afirmou Consentino.

"O mercado está atrás do lucro. Ele quer previsibilidade, uma condução clara da política econômica. Quanto menor for a incerteza, maior será o ganho financeiro no futuro, e mais tranquila será a relação com o governo", disse o cientista político do Insper.

Mercado - Reuters - Reuters
Imagem: Reuters

Segundo Consentino, não são apenas os especuladores que se preocupam com a forma de condução do governo, especialmente da política econômica. A economia real também depende de um cenário claro. "As empresas precisam ter um grau mínimo de previsibilidade sobre o futuro do país antes de decidir construir uma nova fábrica ou fazer uma grande contratação de funcionários."

O problema é quem nem sempre o que é bom para o mercado é bom para o país, afirmou Lacerda. "O mercado normalmente tem uma visão de curto prazo, com foco especulativo. Já um governo precisa ter compromisso com a área social, com a estrutura produtiva. Tem que ter visão de longo prazo."

O economista da PUC-SP citou algumas questões que interessam à sociedade, mas não são necessariamente uma prioridade para o mercado, como reduzir o desemprego e melhorar a distribuição de renda.

"O ajuste fiscal, por exemplo, é uma demanda do mercado. O ajuste vai ajudar a restaurar a confiança dos investidores no país, o que deve gerar crescimento no longo prazo, ajudando a melhorar questões sociais. O problema é que o desempregado de hoje não pode esperar cinco anos para as coisas melhorarem. O governo precisa atender a essas demandas sociais, que são imediatas", disse Lacerda.

Desequilíbrio de forças

Lacerda afirmou que o mercado exerce forte influência sobre os políticos e sobre a mídia, o que acaba desequilibrando o jogo democrático devido à ausência de entidades ligadas ao interesse público que façam contraponto ao discurso do setor financeiro.

"O mercado possui os melhores economistas, que municiam a mídia com seu ponto de vista. Isso faz parte do jogo democrático", declarou.

"O problema é que há um desequilíbrio na relação de forças. Entidades representativas da sociedade que já tiveram voz forte no passado, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), estão ausentes das discussões. Isso desequilibra o debate. O mercado torna-se voz única e acaba determinando a agenda dos candidatos à Presidência."

Essa crise de representatividade, na opinião do economista da PUC-SP, acaba se refletindo também na composição do Congresso Nacional.

"A maioria dos parlamentares é movida por interesses corporativos. Você tem a bancada ruralista, a bancada da bala, das empreiteiras, dos evangélicos. Eles não estão preocupados com o interesse geral da população."

Consentino afirmou que, mesmo com a proibição ao financiamento privado de campanha, grandes empresários continuam exercendo seu poder financeiro, contribuindo pessoalmente para a eleição de deputados, governadores e presidente da República.

"A empresa não pode mais [doar para campanha]. Mas eles continuam doando na pessoa física. Para garantir que terão influência sobre o eleito", disse o cientista político do Insper.

Pacto nacional

Na opinião de Lacerda, o presidente eleito terá como principal missão minimizar a polarização política entre direita e esquerda vista no país hoje. "O vencedor terá o desafio de construir um pacto que envolva todos os setores da sociedade."

O economista da PUC-SP também afirmou que o novo presidente deverá conduzir a política econômica buscando atender o interesse mais geral, e não apenas do mercado. "Ele terá que fazer uma concertação nacional", afirmou Lacerda. "Ao vencedor as batatas! E também os pepinos!"